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100 anos da eleição de Antonio Gramsci como deputado: seu papel como parlamentar revolucionário no Partido Comunista Italiano

Gonzalo Adrian Rojas

Shimenny Wanderley

100 anos da eleição de Antonio Gramsci como deputado: seu papel como parlamentar revolucionário no Partido Comunista Italiano

Gonzalo Adrian Rojas

Shimenny Wanderley

No dia 06 de abril de 2024, completaram-se 100 anos da eleição de Antonio Gramsci como deputado, quando se encontrava na URSS, numa Itália com uma legislação eleitoral fascista. Neste breve artigo pretendemos destacar um aspecto de sua vida geralmente menos conhecido, que é o seu papel como parlamentar revolucionário, e recuperar a atualidade desta estratégia política.

Antonio Gramsci foi fundador do Partido Comunista Italiano (PCI), como seção da III Internacional, a Internacional Comunista de Lenin e Trótski, em 21 de janeiro de 1921 na cidade de Livorno, Itália. Este partido surge de uma divisão do Partido Socialista Italiano (PSI) no seu XVII Congresso. No Congresso de fundação do PCI, a fração majoritária será a denominada abstencionista, então dirigida por Amadeo Bordiga, mesmo assim, Antonio Gramsci fará parte do Comitê Central do novo partido.

Será num artigo para L’Ordine Novo, publicado no dia 12 de abril de 1921, onde Gramsci se refere aos comunistas e as eleições em sintonia com as decisões do II Congresso da Internacional Comunista, que condenava o abstencionismo eleitoral. O Comitê Executivo do PCI, numa resolução publicada no dia 01 de abril de 1921, tomou a decisão política de participar nas eleições parlamentares que se realizariam no mês de maio de 1921, mesmo advertindo que isto se faria enquanto se preparava para as “lutas mais decisivas”.

O título do artigo é “Os comunistas e as eleições”, e inicia afirmando que o Partido Comunista é o partido político da classe operária revolucionária, e apresenta que a classe operária nasceu e se constitui nos quadros do regime constitucional e parlamentar. Isto fez com que apoiem num primeiro momento variantes liberais com consequências catastróficas, depois democratas pequeno burgueses, até que, por fim, conquistou sua autonomia política com a criação do Partido Comunista, rompendo suas tradições e afirmando sua maturidade política.

Esta independência política, dos governos, dos patrões e do Estado, expressa que a classe operária não quer mais colaborar com as demais classes para desenvolver ou transformar o Estado Parlamentar burocrático, senão que quer agora trabalhar positivamente em função de seu próprio interesse político, autônomo de classe. Os bolcheviques são um exemplo do ponto de vista da estratégia frente aos mencheviques. Se apresentam candidatos comunistas para dirigir a sociedade, mas adverte que só pode exercer esta função histórica num ambiente institucional diverso que aquele atual, e não mais nos quadros do estado parlamentar burocrático. Sendo que a classe operária afirma ser a única classe capaz com os meios postos à disposição, nacionais e internacionais, de solucionar os problemas colocados na ordem do dia pela situação histórica geral, as eleições poderiam dar resposta às seguintes cinco relevantes questões:

A primeira é quais são as forças reais da classe operária?
A segunda, quantos são na Itália os proletários que adquiriram consciência de sua missão histórica de classe?
A terceira, quantos seguem ao Partido Comunista na sociedade italiana?
A quarta, na confusão do caos atual, já existe grandes linhas da nova configuração histórica?
E a quinta, no contínuo processo de reintegração e decomposição, de decomposição e recomposição de forças sociais, das classes e da sociedade italiana, se tinha já configurado um núcleo primordial compacto e sólido permanentemente fiel às ideias e programas da Internacional Comunista e da revolução mundial, em torno da qual seja possível ter lugar uma nova e definitiva organização política governamental da classe operária?

O Partido Comunista se apresenta nas eleições para identificar suas próprias fileiras, para contar seus efetivos, entendido como fase necessária do processo histórico que levará à ditadura do proletariado, a democracia soviética, a fundação do Estado Operário depois da ruptura do aparelho de Estado Capitalista, como forma transicional a uma sociedade comunista, sem classes e sem Estado.

Para os comunistas, as eleições são uma das múltiplas formas de organização política da sociedade moderna. O Partido é uma forma de organização política superior, mais que as formas intermediárias como os sindicatos de forma mais defensiva, ou conselhos de fábrica como forma mais ofensiva, porque nas eleições se apresentam os projetos políticos gerais e as massas se pronunciam frente ao objetivo político supremo, a forma de Estado.

O Partido Comunista mesmo sendo o partido revolucionário do proletariado, só pode atingir seus objetivos estratégicos com apoios de outras camadas, mostrando nas eleições a força expansiva do proletariado revolucionário.

As eleições para Gramsci também permitem observar que elementos não proletários apoiam a direção da classe trabalhadora.

Estas últimas ponderações vão na mesma linha que a Introdução de 1895 de Friedrich Engels ao livro de Karl Marx A luta de classes na França. Isto não significa se iludir de forma alguma com as eleições, nem com nenhuma instituição burguesa como o Parlamento, senão que Gramsci de fato está referindo-se a um uso tático do Parlamento no marco de uma estratégia revolucionária.

Foram eleitos 15 deputados comunistas na Itália, obtendo 304.719 votos, que representava 4,6 %. Em 06 de abril de 1924, Gramsci é eleito deputado em ausência, já que estava na URSS como representante do PCI na Internacional Comunista (IC). Obteve 1.856 votos pelo distrito do Véneto, e, aproveitando a imunidade parlamentar, regressou à Itália em maio do mesmo ano. Como elemento de contexto, lembremos que em 28 de outubro de 1922 havia acontecido a Marcha sobre Roma dos fascistas, liderados por Benito Mussolini.

As eleições foram realizadas sob a lei fascista, profundamente antidemocrática, que dava dois terços da representação parlamentar à lista majoritária, neste caso o bloco das direitas. Nessa eleição podemos destacar o terceiro lugar do PCI na região de Apulia.

Sobre este tema tem duas cartas de Gramsci à Julia Schucht, sua esposa, a primeira é escrita em Viena, com data de 13 de abril de 1924, onde afirma que está inquieto pela dialética da vida, sendo eleito deputado por Veneto, e expressa sua preocupação que entrando na Itália mesmo sendo deputado teria dificuldades para participar do V Congresso da IC que se realizaria de 17 de junho à 08 de julho de 1924 em Moscou. Também escreve que o novo Parlamento italiano assumirá no dia 25 de maio deste ano.

Em 20 de outubro de 1924 o PCI propôs aos partidos antifascistas a criação de um Antiparlamento ou um Parlamento das Oposições, mas como a proposta não foi acolhida pelos demais partidos, os comunistas continuaram participando no Parlamento oficial, utilizando a câmara para fazer trabalho de propaganda.

Em 16 de maio de 1925, Gramsci pronuncia na Câmara dos Deputados seu único discurso, focando na luta contra a lei de proibição da Maçonaria, desmascarando esta, afirmando que seu objetivo real visava proibir reuniões do Partido Comunista e outras organizações antifascistas e operárias. O discurso de Gramsci é publicado no jornal do PCI, L’Unita do dia 28 de maio do mesmo ano.

Neste discurso Gramsci realiza uma caracterização do fascismo e como este projeto de lei faz parte da estratégia fascista de “conquista do Estado”, para depois falar especificamente da maçonaria, sua importância na Itália, representando como único partido real a ideologia e a organização real da burguesia e sua relação histórica com o Parlamento e o Estado. Para Gramsci, a lei não é dirigida contra a maçonaria em si, mas contra as organizações operárias, objetivando impedir um grande desenvolvimento destas no proletariado e no campesinato.

Mesmo que Gramsci não tenha ficado satisfeito com o seu discurso, como observaremos na segunda carta a Julia Schucht, encontramos nele elementos de parlamentarismo revolucionário, quando a partir da tribuna parlamentar se dirige ao proletariado e às massas camponesas, em um apelo extraparlamentar e advertindo aos fascistas que as massas não se deixaram esmagar e que o torpe sonho dos senhores não se conseguirá realizar. Termina seu discurso, interrompido várias vezes até pelo próprio deputado Benito Mussolini, afirmando que o movimento revolucionário derrotará o fascismo.

Nessa segunda carta, que mencionamos aqui sobre o tema, escrita em Roma, datada de 25 de maio de 1925 e dirigida sua esposa, Gramsci afirma que as dificuldades se multiplicaram depois da aprovação da lei de proibição da Maçonaria, na verdade contra as organizações, devido a todo um trabalho policial sistemático para desagregar o partido.

Depois disso, Gramsci expõe que debutou no Parlamento, foi seu único discurso, mas que sua intervenção ele considerou ruim porque os fascistas concederam um trato de favor, o que considera um fracasso revolucionário. Foi interrompido várias vezes, mas com objetivo de desconcentrar e não de sabotar o discurso, e se autocritica afirmando que achou divertido, mas ao não conseguir se abster de responder, não conseguiu continuar com a linha preparada para sua intervenção.

Mesmo assim, com seu apelo explícito às massas extraparlamentares operárias e camponesas, Gramsci realizou uma tática parlamentar revolucionária a partir da tribuna.

Nos Cadernos do Cárcere Gramsci fala de Parlamentarismo legal, quando se refere ao Parlamentarismo Negro num contexto de fascismo na Itália. Entende por Parlamentarismo negro os processos de constituição de tendências totalitárias no Estado, a abolição do parlamentarismo legal e a continuidade de lutas entre setores e frações políticas nos marcos de um novo absolutismo, mas que expressa e garante as modernas formas de produção capitalista.

Para Gramsci, não é possível abolir uma forma política, o Parlamentarismo, sem abolir seu conteúdo social, o individualismo, do ponto de vista da apropriação individual dos produtos, em termos burgueses. Existe uma relação entre regime político e regime social, por isso todo regime político é de classe.

Como afirma Juan Dal Maso no seu livro O marxismo de Gramsci, a elaboração de Gramsci é complexa porque entende que o Parlamentarismo Negro é um tema que seu desenvolvimento permite precisar os conceitos políticos que constituem a concepção parlamentar.

Para Gramsci, o sistema de forças num equilíbrio instável encontra um equilíbrio legal no Parlamento. Destaca também que as lutas devem exceder o terreno da legalidade, porque quando uma luta pode se compor legalmente não é perigosa, se torna perigosa quando o equilíbrio legal é impossível, e utiliza a seguinte metáfora: isto não significa que abolindo o barómetro se pode abolir o tempo ruim.

No dia 12 de novembro 1924, quando da reabertura da Câmara, o deputado comunista Luigi Repossi apresenta-se sozinho no plenário e lê uma declaração antifascista.

Na sessão de 26 de novembro do mesmo ano, todo o grupo parlamentar comunista volta ao plenário, mas Gramsci é preso pelo fascismo, mesmo sendo deputado, com o conjunto dos deputados comunistas, e só será libertado apenas em 1937, poucos dias antes de sua morte. Um dia depois da prisão, o Parlamento com maioria fascista, cassa os mandatos de todos os deputados comunistas.

Como consideração final, independentemente do tempo e da distância, a cem anos de a eleição de Gramsci como deputado podemos mencionar que esta tradição do parlamentarismo revolucionário tem continuidade na atualidade na prática política dos partidos que integram a Fração Trotskista – Quarta Internacional, da qual o Movimento Revolucionário dos Trabalhadores (MRT) faz parte no Brasil. Em particular com o Partido de Trabalhadores Socialistas (PTS) da Argentina que conta com quatro deputados nacionais como Myriam Bregman pela Cidade Autônoma de Buenos Aires, Nicolás del Caño e Christián ‘Chipi” Castillo pela Provincia de Buenos Aires e Alejandro Vilca pela província de Jujuy, assim como em parlamentos provinciais e vereadores em diferentes distritos, e da mesma forma, o Partido de Trabalhadores Revolucionários (PTR) do Chile com a vereadora Natalia Sànchez.

Fechamos recomendando como uma breve apresentação de Gramsci, a leitura da Introdução do livro de Juan Dal Maso, O Marxismo de Gramsci publicado pela Editora Iskra.


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