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MÚSICA | 35 anos sem Ian Curtis

No dia 18 de maio de 1980 cometia suicídio Ian Curtis, vocalista da banda Joy division, com apenas 23 anos de idade. Era a véspera de sua primeira turnê nos EUA. A banda havia lançado apenas um disco, Unknown Pleasures, no ano anterior, e havia concluído a gravação de Closer, que seria lançado dois meses após a morte de Curtis em 1980. A carreira e a vida tristemente curtas de Ian Curtis, contudo, não impediu que o Joy Division se consagrasse como um dos melhores e mais importantes grupos de rock da década de 1980, deixando sua marca como uma das principais influências do pós-punk.

sexta-feira 8 de maio de 2015 | 00:00

A blindness that touches perfection,
But hurts just like anything else.
(uma cegueira que toca a perfeição,
Mas machuca, como todo o resto.)

- Isolation

A figura de Curtis é dessas propícias à criação de inúmeras lendas e especulações a seu respeito. Sua morte trágica cria em torno dele um mistério que é um prato cheio para a exploração comercial de sua figura. E assim foi feito: não à toa o Joy Division lançou apenas um disco e um EP com o seu vocalista vivo, mais um que já estava gravado logo após a sua morte, e depois disso realizaram a façanha de “arrancar” de seu cadáver nada menos que quatro discos ao vivo, doze compilações, dois EPs e cinco singles. Pode-se dizer que a indústria espremeu cada gota que podia para tentar continuar vendendo Ian Curtis, explorando a sua imagem décadas a fio após sua morte, inventando novos produtos com mil versões diferentes das mesmas poucas músicas que Ian fez antes de seu precoce suicídio.

Ian era talentoso, por isso conseguiu em tão pouco tempo deixar uma marca única na música. Não há quem se iguale a seu estilo absolutamente estranho de se portar no palco, com sua voz grave e seu jeito de dançar desajeitado, que lembra os movimentos dos ataques epiléticos que, com frequência, ele chegou a ter no palco durante as apresentações, e cuja frequência sem dúvida se viu agravada pela estressante rotina de cantor, e shows em casas noturnas com luzes estroboscópicas que induzem ataques epiléticos. A epilepsia foi diagnosticada em 1979, e cada vez mais assolou Curtis, bem como a profunda depressão de que sofria.

Seu amor pela música começou com a fantástica música dos anos 1960 e 70, do glam rock, dos ídolos do punk que tomavam a Inglaterra no período de sua adolescência: David Bowie, Velvet Undeground, Iggy Pop, Sex Pistols formavam parte da constelação que formou musicalmente Curtis e sua geração. Para Ian, as letras de cada música tinham uma importância especial. Foram de sua autoria todas as letras do Joy Division, e ele foi influenciado por escritores como William S. Burroughs, J.G. Ballard e Joseph Conrad. Recentemente, escritos e rascunhos dispersos deixados por Curtis foram reunidos por sua viúva, Deborah Curtis, no livro “So This Is Permanence”. Ela apostava que Ian teria sido um escritor também se tivesse vivido mais. Especulações à parte, as letras de Joy Division são impressionantes. Ao lado do som cru e rasgante da banda, as letras depressivas de Curtis cantadas em sua gutural voz pesam sobre quem as ouve.

Há aspectos controversos também na história do Joy Division, como o nome da banda, uma referência ao romance de 1955 “House of Dolls”, de Ka-tzetnik 135633, em que o nome “Joy Division” (algo como “divisão do prazer”) era dado a grupos de mulheres judias nos campos de concentração que serviam como “escravas sexuais” aos nazistas. Contudo, o nome não parece ser uma apologia ao nazismo, como dizem alguns. O livro “House of Dolls” foi usado também como inspiração para a música “No Love Lost”, lançada no seu EP de 1978, “An Ideal For Living”. Ali, como em tantas outras letras da banda, é o sofrimento, a dor, a angústia, a solidão que estão em primeiro plano. Há outras referências, como no mesmo EP a capa que apresenta o desenho de um membro da juventude hitlerista tocando um tambor, ou a letra de “Warsaw” que fala sobre Rudolf Hess, aliado de Hitler que posteriormente fugiu para a Escócia para tentar costurar um acordo de paz entre os aliados e o eixo. Assim, pareceria mais plausível pensar que a ideia de Ian Curtis para o nome da banda viria antes de algum tipo de identificação ou empatia com o sofrimento que viu em “House of Dolls” do que de qualquer tipo de admiração ao nazismo.

As músicas e letras sombrias de Ian, seu enforcamento, parecem o prenúncio de uma triste época. O punk se encerrava, junto a um período de lutas, como as greves dos mineiros britânicos contra a política neoliberal de Margareth Thatcher. O mundo tornava-se sombrio, as perspectivas de futuro se fechavam. O pós-punk, em grande medida, expressa na música esse futuro. A música cheia de ódio e fúria dos anos 1970 torna-se cada vez mais a melancólica e o fechamento em si trazido pelo pós-punk. Ian Curtis foi uma das grandes vozes de sua geração, um grande poeta e um músico, cujo brilho se apagou de forma dura, seca, inesperada, sombria, no despontar de uma brilhante carreira musical.

Após sua morte, seus companheiros de banda decidiram que não podia haver Joy Division sem Ian Curtis. Eles tinham razão. Assim, formaram uma nova banda, todos eles, sem Curtis. Era o começo do New Order, que, efetivamente, era algo distinto do que haviam feito antes. A atmosfera sombria e melancólica de Curtis cedeu lugar a uma música mais leve, com uma forte pegada eletrônica substituindo a bateria compassada e o som cru acompanhado da dança espasmódica daquele vocalista singular. Os anos 1980 nasciam ali, naquele fim de era simbolizado pela morte de Ian Curtis e sua dolorosa música.


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