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TRIBUNA ABERTA // DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA | A 110 Anos da Teoria da Relatividade Restrita

Em 1905 o jovem Albert Einstein de 26 anos, fora da academia e trabalhando no escritório de patentes de Berna, publicou três trabalhos que revolucionariam a física do século XX, entre eles, a teoria da relatividade restrita (ou especial).

quinta-feira 14 de maio de 2015 | 03:02

Conta-se que em meados do maio de 1905 Einstein teve sua inspiração depois de ter conversado com um grupo de amigos e expressado uma inquietude que se arrastava desde sua adolescência: como veríamos um raio luminoso se viajássemos na velocidade da luz?

A pergunta, de aparência ingênua, guardava um conflito entre a mecânica newtoniana e a mais recente teoria eletrodinâmica maxweliana. De acordo com as leis do eletromagnetismo de Maxwell, a velocidade da luz no vácuo é a mesma para qualquer observador em movimento uniforme, isto é, para aqueles que se movem em velocidade constante ou que permanecem em repouso.

Algumas semanas depois desse encontro com amigos, Einstein enviou a uma revista científica o manuscrito de seu célebre artigo. Ali postulou enunciados que desfizeram as discordâncias que injuriavam os físicos teóricos: as leis fundamentais da física (da mecânica, do eletromagnetismo, etc.) são as mesmas para todos os observadores que se movam com velocidade uniforme, uns em relação aos outros, e que a luz se propaga no vácuo com velocidade constante c, independentemente do estado de movimento da fonte em relação ao observador.

As consequências desses postulados – quase “insípidos” – não deixam de ser surpreendentes. O centro da questão é que há uma velocidade limite, a velocidade da luz no vácuo, próxima de 300.000 quilômetros por hora (299.792.458 metros por segundo, exatamente), que não pode ser superada por nenhum corpo material. Assumir a invariabilidade da velocidade da luz implica que sobre certas circunstâncias a lei de adição de velocidades não se cumpre. Para entender a que nos referimos com essa lei, consideremos uma pessoa parada em uma estação por onde vê passar um trem a 40 quilômetros por hora. Consideremos ainda que esta pessoa observa que dentro de um dos vagões há um passageiro que caminha a 5 quilômetros por hora (em relação ao trem) no mesmo sentido de movimento do trem. Do ponto de vista do pedestre parado na estação, o passageiro soma sua velocidade à velocidade do trem resultando em 45 quilômetros por hora.

Pensemos agora em uma experiência análoga e com velocidades muito mais altas. Sabemos que as estrelas, galáxias e todos os demais objetos no universo se movem uns em relação aos outros. Suponhamos que observamos uma estrela que se aproxima da terra a 10.000 quilômetros por segundo. Dado que a luz irradiada por uma estrela se propaga aos mesmos 300.000 quilômetros por segundo, poderíamos concluir – de acordo com a adição de velocidades – que a luz da estrela se aproxima da terra a 310.000 quilômetros por segundo, entretanto, esse resultado entra em conflito com os postulados da relatividade restrita. A velocidade de aproximação entre a estrela e um observador terrestre não pode ser maior que a velocidade da luz! A luz emitida de qualquer estrela chega a Terra com a mesma velocidade [1]. O que ocorre é que, devido ao movimento da fonte luminosa, a luz pode ter algumas de suas propriedades alteradas (como sua cor, frequência, energia).

Então, se v1 e v2 são as velocidades de dois objetos que se movem um em relação ao outro, a soma dessas velocidades não é v = v1 + v2 mas sim - de acordo com a velocidade máxima postulada na teoria da relatividade especial e da análise matemática que evitaremos aqui - é:

onde c é a velocidade da luz.

Quando as velocidades v1 e v2 são pequenas em relação à velocidade da luz, como nas experiências cotidianas, o denominador da equação é praticamente igual a 1 e a correção relativística da velocidade resultante é insignificante. Nesse caso, segue sendo válido considerar a clássica soma aritmética v1 + v2. Assim, no primeiro exemplo podemos seguir sustentando que a velocidade de passageiro que caminha no vagão é de 45 Km/h. Entretanto, no segundo exemplo a situação é diferente e a fórmula relativística é pertinente. Fazendo a conta, se obtêm que v é aproximadamente 300.000 km/s, ou seja, um valor longe dos 310.000 km/s que obteríamos com a regra clássica de adição das velocidades.

Mais conhecido, porém não menos surpreendente, é que com a relatividade restrita se tem uma nova concepção sobre o espaço e o tempo. Einstein se deu conta de que a chave para responder a pergunta que se fazia com seus amigos era a alteração da concepção de tempo… o mesmo não poderia seguir definido de forma absoluta, como algo que flui uniformemente sem relação com nada externo. Mostrou então que há uma relação inseparável entre o tempo e a velocidade relativa de um evento. Consequência disso é que mesmo que dois eventos sejam simultâneos para um observador, não necessariamente será para um outro observador externo que se mova com grande velocidade.

Para visualizar essa última ideia, recriaremos um recurso frequentemente utilizado por Einstein de fazer um “experimento mental” (Gedankenexperiment ). Consideremos dois foguetes que se movem em sentidos opostos como se vê na figura 1.

[figura1]

Suponhamos que em cada foguete há um par de observadores, um em cada ponta das naves, que desejam sincronizar seus relógios. Ajustam então seus relógios no instante em que receberem um sinal luminoso emitido desde o centro de cada nave. Assim, cada par de observadores poderá colocar em hora seus relógios de maneira simultânea (desde seus pontos de vista). Suponhamos agora que queiram averiguar se seus relógios estão de acordo com os relógios dos observadores da outra nave. Consideremos que os mesmos criem um dispositivo tal que justamente quando os foguetes passam um ao lado do outro, é disparado um flash luminoso do centro de cada nave. Este flash será um sinal que viajará a cada par de observadores localizados nos extremos das duas naves. Enquanto os sinais luminosos se aproximam dos observadores com velocidade c, a posição relativa dos foguetes se altera de forma que os observadores 2A e 2B se aproximam do ponto de onde partiu a luz, enquanto que os observadores 1A e 1B se afastam desse pondo (veja a figura 2).

[figura2]

Quando o sinal luminoso alcança 2A, ele verá que para 1B ainda falta um pouco mais de tempo para que achegue a luz da lâmpada da sua nave. Para 2A o relógio de 1B atrasa. Com um raciocínio similar, 1A perceberá que o relógio de 2B está adiantado, porque 2B terá recebido o sinal antes que 1A.

Chegamos a uma situação em que, apesar de cada par de observadores de cada foguete receber o sinal de forma simultânea, cada um percebe que os relógios dos observadores do outro foguete não estão de acordo entre si. Dada a simetria do experimento, cada par de observadores têm razão dentro do seu ponto de vista. Assim um evento que parece simultâneo para uns, se verá não simultâneo para outros que se movem a uma velocidade fixa (grande) em relação aos primeiros. O tempo, portanto, não pode ser definido de maneira absoluta.

Reparemos agora em uma experiência mais cotidiana. Suponhamos que estamos parados em uma plataforma vendo a saída de um trem e observamos que uma pessoa em um dos vagões escreve e envia uma mensagem de texto com seu celular. Enquanto que para essa pessoa, tais ações ocorrem em um mesmo ponto em que ela está sentada, para o observador da plataforma as ações se realizam em pontos muito separados espacialmente. Essa “relatividade” espacial não nos assombra tanto como a temporal. No entanto, como conjunto, nos sugere que na física relativista o tempo e o espaço estão intimamente ligados, contrariamente a concepção da física newtoniana que considera o tempo absolutamente independente do espaço.

O tempo e o espaço na teoria da relatividade restrita constituem um conceito físico e matemático que agrega as três conhecidas coordenadas espacias e a coordenada temporal formando um contínuo espaço-tempo quadridimensional. Nas palavras do matemático Minkowski, colaborador de Einstein, “o espaço por si mesmo e o tempo por si mesmo estão condenados a desvanecer em meras sombras, somente uma espécie de união dos dois conservará sua independência”.

A contração dos comprimentos e a dilatação do tempo.

Acumulamos uma série de experimentos que nos induzem a pensar que dois eventos separados por uma distância l e um intervalo temporal t, em um sistema, estarão separados por uma distância diferente l’ e um intervalo de tempo diferente t’ para outro sistema em movimento relativo. Há uma transformação de tempo em espaço e vice-versa. A transformação do tempo em espaço nos é familiar como vimos no exemplo do passageiro mandando um sms. A inversa, a transformação de espaço em tempo nos é mais difícil de digerir em base a nossas experiências cotidianas. O intervalo de tempo necessário para um sinal luminoso percorrer 100 metros é de 0,0000003 segundos… nada! Assim a transformação de espaço em tempo conduz a resultados praticamente inobserváveis.

Os efeitos relativistas se fazem “palpáveis” se tratamos de objetos que têm velocidades “grandes” (comparáveis à velocidade da luz). Por exemplo, os elétrons e prótons são partículas que se movem a velocidades próximas a da luz. Nesse mundo subatômico os intervalos de tempo em que podem ocorrer os eventos são comparáveis às distâncias percorridas nos ditos intervalos.

Assim, todo objetos que tem um comprimento l em um dado sistema se verá contraído a um comprimento l’ para um observador que se move com velocidade v em relação ao mesmo sistema. Esse encurtamento dependerá do quão grande é a velocidade v e pode ser calculado com a seguinte fórmula que se deduz da teoria:

Por outro lado, qualquer processo que dure um tempo t no mesmo sistema dado será medido com um tempo maior t’ pelo observador que está em movimento em relação ao referido sistema. Pode deduzir-se que:

Note que se a velocidade v é muito menor do que a velocidade da luz (como são as velocidades de nossas experiências cotidianas), l’ é praticamente igual a l, t’ é praticamente t.

Uma das primeiras comprovações da dilatação do tempo e da contração dos comprimentos se obteve no estudo sobre radiação cósmica: uma chuva de prótons que bombardeia permanentemente a Terra. Quando estes prótons se chocam com as partículas de ar a 10.000 metros de altura ocorre um processo no qual se produzem partículas instáveis chamadas múons que “vivem” por apenas 2 milionésimos de segundo e logo se decompõem em outros tipos de partículas. A distância que poderiam percorrer em seu tempo de existência, sabendo que se dirigem em direção a Terra a uma velocidade próxima a da luz, é de uns 660 m. Nunca poderiam chegar a superfície terrestre, no entanto, elas chegam! A explicação se encontra na dilatação do tempo. Ocorre que esse “curto” tempo de vida de mede em um referencial no qual o múon está em repouso, ou seja, o tempo que mediria um relógio que viaja junto com o múon. Desde um referencial terrestre, o tempo dilatado de viajem do múon é 22 vezes maior. Mais do que o suficiente para chegar à superfície da Terra.

Outra consequência da relatividade restrita é a equivalência entre a massa e a energia dada pela famosa equação E = m.c^2 (onde E é a energia, m a massa e c a velocidade da luz). A partir dela se daria lugar a compreensão da grande quantidade de energia contida nos átomos. As bombas atômicas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki foram uma amostra trágica disso.

NOTAS

[1] Existem objetos chamados superlumínicos que viajariam a velocidades mais altas que a da luz. Isto implica que se violaria a relatividade especial (restrita?). No entanto, existem mecanismos que explicam essa aparentes discordâncias e a teoria segue em pé.

Referências Bibliográficas:

George Gamow, El Breviario del Señor Tomkins, Fondo de Cultura Económica, 1985.

Albert Einstein, La Física. Aventura del Pensamiento, Losada, 1939.

Abraham Pais, El señor es sutíl…La ciencia y la vida de Albert Einstein, Ariel, 1984.

Walter Isaacson, Einstein. Su vida y su universo, www.epublibre.org, 2007.


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