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A Coordenação dos transportes em Paris e a auto-organização da base

Daniela Cobet

A Coordenação dos transportes em Paris e a auto-organização da base

Daniela Cobet

Após 17 de janeiro, um novo ator irrompeu na mídia, a Coordenação RATP-SNCF [metroviários, ferroviários e motoristas de ônibus de Paris], que desde o início foi visada por Laurent Berger, secretário geral da CFDT, como a origem da ação que visava a sede central de sua organização sindical. Mas qual é a origem e qual é a natureza deste organismo, que tornou-se a expressão, em Île-de-France, da base radicalizada da SNCF e, ainda, da RATP?

[A RATP se refere aos trabalhadores metroviários e motoristas de ônibus de Paris; quanto à SNCF, trata-se da empresa estatal de ferrovias, remetendo aos trabalhadores ferroviários franceses. Os dois setores dos transportes se coordenaram em Paris para levar a greve contra a reforma da previdência de Macron, e contra as traições das burocracias sindicais da CFDT e da CGT].

Se até então ela não havia sido nomeada, suas ações tiveram bastante eco, principalmente durante o período das férias de fim de ano, enquanto os grevistas foram abandonados a sua própria sorte pelas centrais sindicais. Reunião na sede da RATP 23 de dezembro, logo após uma ação surpresa na garagem de Lyon, que terminou paralisando a circulação de uma das duas linhas automáticas de metrô; manifestação de mais de 3.000 pessoas da garagem leste à de Saint-Lazare, chamada e organizada de boca a boca pelos próprios grevistas 26 de dezembro; ação na sede central do partido de Macron dia 2 de janeiro; intervenção na sede da sociedade Derichebourg, em solidariedade com Adama Cissé, demitida injustamente 15 de janeiro; ação na sede da CFDT dia 17 de janeiro.

Mas o escopo dessa Coordenação vai muito além dessas ações "de impacto". Repousa, sobretudo, naquilo que podemos caracterizar como uma das experiências de auto-organização e democracia operária dos grevistas, independentemente de suas organizações sindicais, a mais avançada desde as coordenações dos ferroviários e das enfermeiras na segunda metade dos anos 1980.

Em seus melhores momentos, essa Coordenação conseguiu agrupar representantes (e muitas vezes parte dos organizadores) de uma quinzena de garagens de ônibus, duas linhas do RER e de cinco linhas de metrô, além das várias garagens e setores importantes da SNCF em Île-de-France, o que a tornou um ator incontornável da mobilização na região parisiense.

E tudo começou em 13 de setembro...

O ponto de início dessa história e de toda a sequência de eventos que ainda vivemos se situa no dia 13 de setembro de 2019, o dia de mobilização circunscrito à RATP, mas que teve o mérito, para tomar a expressão de alguns dos grevistas, de "recolocar os ponteiros em dia". Todos esperavam um confronto que ocorreria muito mais tarde, após a introdução do projeto de reforma da previdência. Mas isso sem contar com o retorno do método de greve, que havia sido desacreditado por uma série de derrotas e batalhas mal travadas e que, entre outros, havia levado os Coletes Amarelos a o rejeitarem, e isso para além das dificuldades objetivas que se colocaram a eles por conta da falta de apoio das direções sindicais. Em setembro, no entanto, na RATP, com uma greve com aderência de mais de 90%, os trabalhadores demonstraram a eficácia da greve quando ela é maciçamente seguida, contra todos aqueles que desde Sarkozy explicaram que "Quando há greves, não é mais visível".

E eles não pararam aí. Impuseram lá mesmo, em plena assembleia na sede da RATP, o plano de luta, que estava sintetizado no slogan, gritado nos ouvidos de seus próprios dirigentes sindicais: "[Greve] geral em dezembro! [Greve] geral em dezembro!". A data de 5 de dezembro, colocada pelos sindicatos, não foi outra coisa que a aplicação, a contragosto (lembremos do momento de hesitação da direção da CGT RATP) da vontade e pressão da base.

A partir daí, o dia 5 de dezembro pouco a pouco se impôs. Mas a greve da RATP em 13 de setembro teve um forte impacto na SNCF, onde o gosto amargo da derrota da greve contra o Pacto Ferroviário em 2018 não havia, ainda, desaparecido totalmente. Por razões bem concretas, agentes dessas duas empresas se sentem ligados, especialmente por exercerem, no fundo, uma só e mesma tarefa, mas às vezes mesmo em seu trabalho cotidiano (por exemplo, nas sessões das linhas do RER compartilhadas pelas duas). O sentimento que o movimento dos Coletes Amarelos havia transmitido era palpável, e rapidamente encontrou eco igualmente na SNCF, nas lutas profundas que constituíram o direito à aposentadoria nacional dos condutores após o acidente de Champanhe-Ardenne ou ainda na greve "selvagem" no centro tecnológico de Châtillon.

Nas origens da Coordenação, um grupo de Facebook e os encontros RATP-SNCF

É nesse contexto que os contatos foram muito rápidos entre agentes da RATP e da SNCF na região parisiense, na antecipação da greve geral que aconteceria 5 de dezembro. Isso passou, depois, ao Facebook, com a criação de um grupo chamado "Agentes RATP - SNCF, a união faz a força", que foi o lugar das primeiras trocas, até que, por proposição dos ferroviários agrupados no coletivo Intergares, constituído após a greve de 2018 contra o Pacto Ferroviário, uma primeira reunião teve lugar em Saint-Denis, dia 16 de outubro.

Essas reuniões, que ficaram conhecidas como "encontros RATP - SNCF", e que foram realizadas três vezes em outubro e novembro foram uma espécie de embrião da coordenação, permitiram estabelecer relações e começar um trabalho comum de preparação da greve de dezembro.

Esse trabalho constituiu, de um lado, uma tomada de posição extremamente clara sobre a necessidade de lutar pela retirada total da reforma e do fato de que a base devia continuar a impor sua agenda às direções sindicais, mas acima de tudo, constituía um trabalho paciente de engajamento dos colegas, pelas jornadas comuns realizadas pelos agentes da RATP e da SNCF, aos quais se uniram notavelmente, a partir do terceiro encontro, ou professores. Esses encontros continuaram a ocorrer uma vez que a greve já havia se iniciado, com um primeiro após 6 de dezembro e outros ao longo das semanas seguintes, agrupando, então, um número relativamente limitado de setores, especialmente aqueles onde partidos da extrema esquerda tinham militantes e contatos.

A virada de 20 de dezembro

É somente a partir do final de dezembro que essas reuniões decolam, e surge uma estrutura que começou a se assemelhar a uma verdadeira coordenação de grevistas.

No dia 19 de dezembro, após uma rodada de negociações com o governo, as confederações sindicais decidem chamar uma trégua na greve durante as festas de fim de ano. Esse posicionamento foi explícito pela parte da CFDT e da UNSA, e implícito no que concerne à CGT. Sem mencionar a palavra “trégua”, Philippe Martinez [secretário-geral da CGT] disse, naquele dia, em frente à residência oficial do primeiro ministro, “venham no dia 9 de janeiro, para mais um dia de ato intercategorial”.

A novidade veio como um banho de água fria para os grevistas da SNCF e da RATP, que já vinham de duas semanas de greve sem previsão de volta ao trabalho, e que rapidamente compreenderam que uma trégua significaria concretamente o fim de seu movimento.

No mesmo dia, Anasse Kazib, ferroviário de Bourget, uma das figuras do movimento contra o Pacto Ferroviário de 2018 e que tornou-se desde aquele momento uma referência para numerosos grevistas - em parte graças a suas várias passagens pela mídia, onde denunciava os ataques contidos no relatório Delevoye, que serviu de base para o texto da reforma - anunciou que faria uma live na página do Facebook do portal Révolution Permantente, para discutir a traição em curso por parte das centrais sindicais e os rumos do movimento, e que para isso, havia chamado grevistas de vários setores.

A live foi um sucesso total, com mais de 4 000 pessoas conectadas simultaneamente e dezenas de milhares de visualizações no replay nos dias seguintes. O desejo da base era claro: ninguém queria a trégua chamada pelos sindicatos! Anasse Kazib propôs, assim, a realização imediata de uma reunião em pessoa no dia seguinte, para discutir um plano de luta a ser realizado durante as férias.

De repente, a ideia de uma coordenação dos grevistas na base, que parecia, até então, para muitos como um “troque de militantes políticos”, se tornou uma necessidade imperiosa aos olhos de todos, uma ferramente indispensável para impor a vontade dos grevistas e a continuidade do movimento apesar do posicionamento das direções sindicais.

A trégua dos sindicatos e a emergência da base

A reunião foi, também, um sucesso: mais de uma centena de grevistas se fizeram presentes no subsolo de um local cedido pelos camaradas da Sud-Rail de Saint-Lazare, com representantes de uma dezena de garagens de ônibus, do RER A e B, de várias linhas de metrô e vários setores da SNCF.

Em um ambiente de troca aberta, os grevistas elaboraram juntos sua própria agenda para a primeira semana de férias, com ações de sensibilização da população e de arrecadação para o fundo de greve nos centros comerciais a partir do fim de semana dos dias 21 e 22 de dezembro, uma assembléia em frente à sede da RATP na segunda-feira 23 para denunciar a repressão que recaiu nos piquetes das garagens de ônibus, e uma manifestação auto-organizada pelos grevistas na quinta-feira 26.

A assembléia do dia 23 reuniu vários milhares de pessoas, seguindo para se transformar uma ação de impacto da garagem de Lyon e de paralisar por algumas horas a circulação da linha 1 do metrô, uma das duas linhas automatizadas que seguiram funcionando durante a greve.

Naquele dia, a imprensa descobriu, estupefata, após os chamados à tregua dos sindicatos, um ator que a vontade dos grandes meios de reabilitar os organismos intermediários havia apagado das coberturas midiáticas durante semanas: a base dos grevistas.

Uma base que não apenas não pretendia suspender o movimento, mas que, pelo contrário, pretendia radicalizá-lo! Uma expressão desse estado de espírito combativo, uma vez cercados pela polícia do lado de fora da garagem, os ferroviários e agentes da RATP não hesitaram em quebrar o cerco em meio ao encorajamento de seus colegas e apoiadores.

Após as festas, passadas entre a família e os piquetes, a Coordenação nascente fez seu retorno às ruas no dia seguinte ao Natal, com uma manifestação na garagem Leste e na Saint-Lazare. A ideia veio de uma agente RATP, que durante a live do Facebook de 19 de dezembro havia perguntado a Anasse Kazib se era possível aos grevistas organizarem sua própria manifestação, independentemente dos sindicatos. A reunião do dia 20 decidiu aceitar a aposta, e com o apoio logístico (registro do percurso na prefeitura, empréstimo de van com sistema de som) da Sud-Rail, a manifestação foi lançada.

Mais de 3000 pessoas responderam ao convite dessa manifestação combativa, onde os grevistas assumiram eles mesmos o conjunto das tarefas, desde a organização à animação do ato. Ao final do trajeto, uma série de falas atestou um orgulho dessa vitória: “Hoje, é a base quem fala, é a base quem está na rua e mostramos definitivamente que estivemos sempre mobilizados e que iremos até o fim!”, exclamou Karim, da garagem de Pavillon-sous-Bois.

Expoente significativo das pontes com o movimento dos Coletes Amarelos, muitos dos quais participaram da manifestação, Jérôme Rodrigues também falou para saudar a iniciativa dos grevistas: “Bravo para vocês, vocês não precisam de seus líderes, não precisam de sua confederações, vocês são essa voz, como a dos Coletes Amarelos, que se faz ouvir nas ruas”, antes de chamar a uma convergência não somente contra a reforma da previdência, mas para “mudar esse sistema”.

A Coordenação, no entanto, nunca se concebeu como uma estrutura anti-sindical, razão pela qual chamou participação, dois dias depois, na manifestação convocada pela intersindical de Ile-de-France, organizando uma coluna de grevistas.

A voz dos grevistas

Mas a Coordenação não se limitou à organização de ações de efeito, por mais que elas tenham sido importantes para dar moral aos grevistas e mostrar aos veículos de imprensa, e por meio deles, aos trabalhadores de todo o país, que o movimento perseverava e que não daria trégua. Ela também deu voz à base dos grevistas, a todos aqueles que não vimos no palco desde 5 de dezembro, mas que estavam todos os dias nos piquetes e nas assembléias gerais.

Anasse tornou-se, igualmente, um porta-voz da Coordenação, reivindicando as ações realizadas no microfone da grande mídia, mas também confrontando nas plataformas de TV representantes do governo, que frequentemente tinham dificuldade para responder a seus argumentos, que se apoiavam tanto na determinação dos grevistas quanto em um domínio do relatório Delevoye, muitas vezes muito superiores às dos deputados do partido de Macron, que deveriam defender o projeto de reforma.

Mas a vontade de dar voz aos grevistas não podia se limitar nisso. É por essa razão que a Coordenação organizou várias coletivas de imprensa, das quais a primeira tomou a forma de um contra-discurso dos grevistas no dia 31 de dezembro, respondendo diretamente ao discurso do presidente Macron. Em uma sala de um café no norte de Paris e frente a toda a imprensa, eles se dirigiram “primeiro de tudo, ao conjunto dos usuários dos transportes públicos que, sabemos, foram impactados pela estratégia de desgaste do presidente”, após se comprometer a continuar a luta em 2020 “contra essa reforma, que não propõe nada além de um mundo de precariedade aos trabalhadores ativos e às gerações futuras” e de chamar “a todos os setores, do setor privado, como do público, e também a juventude, a se juntarem a nós na luta”.

Outras coletivas de imprensa da Coordenação foram realizadas para denunciar a repressão durante a manifestação de 9 de janeiro e o assédio disciplinar contra os grevistas, depois para responder aos ataques do governo e das confederações sindicais após a ação na sede da CFDT.

Uma ferramenta para organizar a greve, para buscar sua massificação e para combater a repressão

A Coordenação também provou ser uma ferramenta eficaz para organizar e coordenar a própria greve. Particularmente durante o período difícil das férias de fim de ano, onde os piquetes de greve nas garagens se viram sem uma parte importante dos apoiadores que os cercavam a cada manhã. Foi também decidido adotar uma tática de piquetes rotativos, onde cada dia os grevistas e apoiadores se concentravam em duas garagens, uma no norte e outra no sul de Paris, conseguindo, ainda, bloquear a saída de ônibus, às vezes por piquete mesmo, às vezes porque as gerências lançavam mão de uma repressão policial que não podia ser tolerada pelos colegas não grevistas, que terminavam por se retirar.

Essa Coordenação não é, entretanto, limitada a organizar os grevistas dessas duas empresas, ela tomou iniciativa de se encontrar com vários setores, nas universidades, no seio da educação nacional, assim como no setor privado, como delegações que foram organizadas para acompanhar os trabalhadores de refinarias de Grandpuits no Sena e Marne ou ainda os operários da PSA Poissy em Yvelinnes.

Além disso, a Coordenação foi igualmente um ponto de apoio importante para conter a repressão patronal e policial contra os grevistas e seus apoiadores. A cada vez que um grevista era levado sob custódia policial, a Coordenação organizava protestos em frente às delegacias de polícia até que seu colega fosse libertado. Da mesma forma, esteve envolvida na defesa de todos os agentes da RATP alvo de procedimentos disciplinares por atos relacionados à greve.

No caso emblemático de Hani Labidi, principal agitador da greve na garagem de Belliard no 18o bairro da capital e membro ativo da Coordenação, os dois atos massivos convocados pela Coordenação em frente aos prédio da RATP onde se reunia seu conselho disciplinar (por atos anteriores à greve) contribuíram em grande medida para que a sanção demandada (suspensão de um mês, mas podendo se estender até decisão futura) fosse reduzida a 15 dias de suspensão. Em um gesto de solidariedade que testemunha bem a fraternidade entre os grevistas da SNCF e da RATP no seio da Coordenação, os ferroviários de Bourget decidiram utilizar 500 euros de seu fundo de greve para ajudar Hani a compensar as perdas de salário que ele sofreu por conta da sanção.

Não a direção da greve, mas um contra poder da base grevista

A Coordenação RATP-SNCF não foi jamais a direção da greve. Para isso, precisaria de uma presença mais forte, principalmente no metrô, que foi um dos pilares da greve, assim como uma frequência mais sólida nas assembléias gerais e/ou comitês de greve, que, devido à combinação de dificuldades de deslocamento causadas pela própria greve e pela falta de experiência de um setor que não entrava massivamente em greve há mais de dez anos, tinham uma realidade limitada, assim como exigiria uma extensão maior dentro da SNCF, onde o controle da direção sindical era mais forte.

A Coordenação, no entanto, exerceu uma forma bem real de contra poder, que impôs sua própria agenda durante o período de férias e constituiu ao longo de todo o conflito um elemento de pressão nos sindicatos, no sentido de não chamar a uma trégua ou volta ao trabalho. Segundo a mídia, essa pressão foi tanta que forçou os líderes sindicais da RATP a aceitar apenas reuniões informais com o governo nos lugares mais improváveis. A Coordenação foi a expressão consciente e organizada desta pressão que restringiu enormemente a margem de manobra e de negociação das direções, impedindo um retorno fácil ao trabalho. Ela teve, também, um papel central no seguimento do movimento para além de dezembro, criando assim as condições para que outros setores possam tomar as rédeas uma vez que os recursos da greve dos transportes começaram a se esvair, especialmente do ponto de vista financeiro.

Foi Karim, o organizador do movimento na garagem de Pavillon-sous-Bois, que melhor resumiu essa tendência em uma conversa sobre o papel da Coordenação: "Sem a Coordenação, os sindicatos teriam as mãos livres para chamar a suspensão da greve no final de dezembro e isso teria matado o movimento".

Tomada de confiança, surgimento de um núcleo militante, experiência de democracia operária

Mas esse balanço objetivo do papel desempenhado pela Coordenação RATP-SNCF não deve apagar um de seus principais ganhos, que se situa no terreno subjetivo. Pois pela base dos grevistas - que compreendeu e compreende vários trabalhadores não sindicalizados, habituados aos movimentos dirigidos do início ao fim pelas direções sindicais, às assembleias gerais que mais se parecem com reuniões de representantes sindicais - fez com que os grevistas tomassem confiança em suas próprias forças e capacidades, em sua inteligência coletiva, a aprender da experiência uns dos outros. Isso é o que Ahmed Berrahal e Riadh Benmessaoud, dois dos principais organizadores da greve no depósito da Flandres em Pantin, e membros ativos da Coordenação, explicam neste vídeo.

Pouco acostumados a reuniões desse tipo no início, os grevistas da Coordenação aprenderam a discutir juntos, a gritar um com o outro quando não concordavam, a decidir na opinião da maioria para sair, semana após semana, com um plano de batalha coletivo. Ao longo das reuniões, o amadurecimento da estrutura e de seus atores foi palpável, com intervenções cada vez mais construídas e debates reais sobre a estratégia do movimento, o papel da liderança sindical, os obstáculos à generalização do movimento.

Essa Coordenação foi, igualmente, o lugar onde puderam se organizar várias mulheres grevistas, que também ganharam confiança, desempenhando não apenas o papel de animar a greve em seus respectivos setores, mas também dentro da própria Coordenação, como Laura, ferroviária de Bourget, Nadia, maquinista da garagem de Flandres, Hanane, condutora da linha 5 do metrô etc. Essas guerreiras foram capazes de falar, discutir de igual para igual com seus colegas do homens e desempenhar um papel na implementação de decisões de coordenação semana após semana.

A Coordenação contribuiu, assim, para o surgimento de um núcleo militante sólido, consciente da força dos trabalhadores e do papel das lideranças sindicais, cujas preocupações vão muito além da questão das aposentadorias. É o que vemos neste vídeo de Hani Labidi, do depósito de Belliard, em Porte de Clignancourt:
A emergência dessa camada de grevistas conscientes, de verdadeiros líderes que emanaram da base, será em todo caso um ganho para a continuidade da batalha contra a reforma da previdência, e mais em geral na luta de classes na França.

Saber organizar o recuo, para poder planejar a volta

A greve dos transportes está hoje, não vamos mentir, em um claro refluxo, e somente alguns núcleos seguem em greve, especialmente com o objetivo de se disponibilizarem para continuar a militar por uma possível extensão do movimento a outros setores. O sentimento que reina entre os grevistas, tendo participado da Coordenação é, contudo, longe de ser um de derrota ou desmoralização. Os grevistas compreendem que a luta contra a reforma da previdência está longe de acabar, mas que seguir com uma greve que tornou-se minoritária, sem perspectivas imediatas de vitória, não é o método mais eficaz de luta.

Eles e elas continuam, contudo, organizados para continuar a explorar possibilidades da entrada em movimento massiva de outros setores (e nesse movimento, particularmente, a juventude), para combater a contra-ofensiva repressiva da direção da RATP com vários processos disciplinares, e em busca de generalizar o exemplo da Coordenação a outros setores e regiões do país, na perspectiva de organizar um Encontro Nacional por um verdadeiro plano de lutas, que passe pela greve geral contra o governo e sua reforma. Sinal que esta experiência singular de auto-organização de nossa classe não disse, ainda, suas últimas palavras.


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