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HISTÓRIA | A Ku Klux Klan e o capitalismo

Diz a historiografia que, alguns meses depois de terminar a guerra civil nos Estados Unidos, no dia 24 de dezembro de 1865, um grupo de jovens universitários do sul organizaram um “clube social” no qual se disfarçavam com folhas. Descobriram que os recém-libertos escravos se assustavam com os disfarces. O exemplo se alastrou e em 1867 se formou a Ku Klux Klan com o objetivo de “colocar os negros em seu lugar”.

A realidade é bastante diferente. Longe de ser uma “brincadeira” juvenil, o Klan foi organizada por seis oficiais veteranos da Confederação nos diferentes condados do Sul derrotado e apoiado pelas elites locais, em particular pelos donos das plantações que haviam sido cultivadas pelos escravos.

Seu problema central era duplo: os libertos começavam a exercer seus direitos políticos, elegendo deputados e legisladores; e, ainda pior, os escravos haviam se tornado assalariados e demandavam salários dignos e começavam a se organizar sindicalmente. O Klan surgiu para impedir a participação política dos libertos e também para “prendê-los” às terras com salários baixos. Junto com o Klan surgiram a escravidão por dívida e a servidão involuntária. Esta não foi a única organização desse tipo, já que também surgiram outros como os Cavaleiros da Camélia Branca e o Clube de Rifles do Mississippi.

Representativo de tudo isso é o fato de que o primeiro “Grande Mago” do Klan foi o general confederado Nathan B. Forrest. Este era um grande latifundiário e especulador de Memphis, Tenesse, que havia se dedicado ao tráfico de escravos. Não foi o único. Muitos latifundiários e comerciantes sulistas apoiaram o Klan e se converteram em seus líderes. Mas o Klan não se dedicou a reprimir apenas “negros”, também atacou a todos os “brancos” que apoiavam os libertos, seja educando-os ou organizando-os. Daí surgiu a expressão “nigger lover” (amante dos negros) para descrever aqueles que se “mesclavam” com os afrodescendentes. Um dos resultados foi que conseguiu dividir trabalhadores negros e brancos não apenas através do racismo mas também da violência e do terrorismo contra aqueles que “não se mantinham no seu lugar”. Por sua vez, aqueles brancos pobres que se mostravam devotos do Klan descobriam que podiam ter uma mobilidade social ascendente, seja na política ou nos negócios, através da organização.

O Klan foi bem sucedido e o sul conseguiu um acordo político depois de fraudar as eleições presidências de 1876. O resultado foi sua desaparição e substituição por um tipo de apartheid denominado “Leis Jim Crow”. Mas seu precedente ficou registrado e foi resgatado pelo cineasta Cecil B.DeMille em seu filme “Nascimento de uma Nação”, que teve como prólogo citações racistas do então presidente e historiados Woodrow Wilson.

Inspirado no filme de DeMille, o Klan foi reorganizado em 1915 por William Simmons com o objetivo de reprimir o auge sindical e de esquerda da época.

Um aspecto interessante é que Simmons pensou o Klan como um grande negócio e contratou uma empresa de publicidade para difundi-lo e também que vendesse seus “apetrechos” em cômodos envios postais. Seus inimigos, agora, eram os “dirigentes sindicais, socialistas, desempregados, mulheres imorais, católicos, judeus e aqueles trabalhadores que não cumpriam com seu trabalho”. Era a época em que a imigração irlandesa era antimonárquica e republicana; grande parte da coletividade judia era socialista; muitos italianos estavam influenciados pelo anarquismo; o vilismo e o zapatismo proliferavam entre os mexicanos do sudoeste e a IWW levava adiante greves grandes e muito combativas.

Apoiado pelos órgãos “de segurança” o Klan cresceu até atingir dezenas de milhares de membros pelos EUA, incluindo estados como Indiana, Califórnia e Nova Iorque, onde era particularmente forte, enquanto os grandes empresários, como Henry Ford, contribuíam para eles financeiramente.

Seu próprio sucesso levou a que se fragmentasse em múltiplas organizações, mas continuou com suas atividades. Na década de 1930 tinha um peso político na maioria dos estados da União. Ao mesmo tempo se viu confrontado com uma esquerda disposta a lhe fechar o caminho. Assim, o Partido Comunista organizou a Liga de Arrendatários do Sul que, além de suas tarefas sindicais, desenvolveu uma autodefesa de massas muito eficaz. Os enfrentamentos foram numerosos e o Klan aplicou o linchamento a todo ativista que se encontrasse desprotegido. Isto foi representado na maravilhosa “Strange Fruit”, composta pelo comunista Abel Meeropol e cantada por Billie Holiday.

O Klan, em suas distintas formas, continuou com sua atividade e exerce um poder político importante até os dias de hoje. Dois presidentes, um republicano e outro democrata, Harding e Truman, foram membros do Klan, bem como importantes senadores como Robert Byrd, Theodor Bilbo e Rice Means.

Governadores como Edward Jackson (Indiana) e Clifford Walter (Georgia), e também o prefeito de Los Angeles, John Porter, foram membros do Klan, destacando seu peso para além do sul profundo. Da mesma forma, pelo menos dois juízes da Suprema Corte, Edward Douflass White e Hugo Black estiveram entre seus afiliados. Por último, David Duke “Diretor Nacional” do “nacionalismo branco” e Grande Mago do Klan, foi pré-candidato à presidência pelo Partido Democrata em 1988. Na década de 1990 Duke mudou para o Partido Republicano e se converteu no presidente partidário do condado de St. Tammany na Lousiana.

Esta apressada lista reflete claramente que o Klan está muito distante de ser uma organização marginal. Na verdade, como as milícias e os neonazistas, é um dos instrumentos repressivos que o capitalismo norteamericano utiliza contra os desafios que possam surgir. Como em 1865, o problema nunca foi a “negritude”, mas sim que os trabalhadores se organizem e se mobilizem por seus direitos. Daí resulta que, apesar de filmes como “Mississippi em chamas”, J. Edgar Hoover e o FBI sempre lhe demonstraram simpatia. Para Hooover, ser judeu, negro ou subversivo era o mesmo. Por isto perseguia Charles Chaplin, conhecido membro do PC, e o acusava de judeu (“Não tenho essa honra”, respondeu Chaplin, ganhando o ódio permanente do racista Hoover).

Para a historiografia norteamericana, o Klan foi uma aberração, e os presidentes Harding e Truman apenas “os utilizaram” para avançar na política. De outra forma teriam que admitir que os Estados Unidos estão muito distantes de ser uma “democracia” e que o “racismo” é uma parte integral de seu sistema de dominação. No entanto, como se demonstrou no massacre de Greensboro, na Carolina do Norte, o Klan continua inserido e apoiado no Estado. Nesse episódio, em 1979, em uma mobilização do Partido Comunista dos Trabalhadores (CWP), o Klan e o Partido Nazista Americano se fizeram presentes e, diante da polícia, assassinaram cinco militantes do CWP. Apesar dos numerosos testemunhos e da filmagem do massacre, o sistema judicial absolveu os membros do Klan “porque haviam sido provocados além do razoável”.

Hoje em dia o Klan e os Nazis coordenam suas atividades através da revista Stormfront com o objetivo de organizar o “nacionalismo branco”.
Uma simples olhada na lista das “organizações de ódio” compiladas pelo Southern Poverty Law Center revela a existência de dezenas destes grupos.
Os que reivindicam abertamente o “Klan” são 186 e os neonazistas são 196. A estes, temos que acrescentar 111 grupos nacionalistas brancos, 98 skinheads e 93 neoconfederados. Se verificarmos a lista de afiliados disponíveis encontraremos numerosos policiais, militares e agentes do FBI entre seus membros. E se pudéssemos ter acesso a sua lista de “doadores” encontraríamos muitos poderosos empresários norteamericanos, como os irmãos Koch e a família Coors.




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