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A Revolução Brasileira e o golpe de 1964: um debate com Caio Prado Jr

Pedro Oliveira

A Revolução Brasileira e o golpe de 1964: um debate com Caio Prado Jr

Pedro Oliveira

Em 1966, Caio Prado Jr publicou A Revolução Brasileira, livro onde ele busca fazer um balanço do período revolucionário de 1962 a 1964, bem como apresentar um programa e estratégia para a revolução no país. Publicamos este artigo como parte do Dossiê especial 59 anos do Golpe de 1964 pelo semanário teórico-político Ideias de Esquerda.

Neste livro, ele faz uma crítica ao que ele chama de um marxismo importado, cujo principal expoente era seu próprio partido, o PCB, e que a partir de visões esquemáticas do marxismo, se afastava da realidade nacional e das reivindicações dos trabalhadores brasileiros.

Sua crítica às concepções da esquerda no período se baseiam em dois pilares. O primeiro é a questão da luta no campo, onde Caio Prado, corretamente, rejeita a ideia de um passado feudal para o Brasil, e identifica que a relação dominante no campo era de empregados, ainda que sua remuneração por vezes fosse em produtos, e não em dinheiro. Dessa maneira, a reivindicação por terra, que tanto havia movimentado o movimento camponês na época, seria secundária e desconectada da grande maioria da população do campo.

O outro pilar de sua crítica era a aliança com uma burguesia nacional progressista e anti-imperialista, que no campo político se plasmava na aliança com João Goulart e o PTB. Para Caio Prado, esta burguesia progressista não existia, devido às relações da burguesia brasileira com o imperialismo, e sua origem nos grandes latifundiários que, com capital acumulado a partir da atividade cafeeira, em especial, realiza investimentos industriais.

Para ambas as questões, no entanto, não são oferecidas soluções que representem um rompimento com o capitalismo, ou mesmo com a visão estratégica do próprio PCB e sua visão da necessidade de desenvolvimento do capitalismo nacional.

A questão agrária

Desde a década de 1950, o campo brasileiro vinha sendo palco de intensos conflitos entre camponeses e latifundiários, que tomaram formas radicais e mesmo revolucionárias, além de massivas. Já em 1953, seria implementado o Território Livre de Tromba-Formoso, em Goiás, uma região com um governo paralelo, corpos armados próprios e que se definia como socialista e popular. No auge, controlava uma área de mais de 10 mil km², onde implementou uma reforma agrária que dividiu as terras entre os camponeses.

A partir da segunda metade da década, avançaria a massificação do movimento camponês a partir das Ligas Camponesas, que nascem na luta do Engenho Galiléia, em Pernambuco, contra o pagamento de um aluguel maior para o proprietário da terra. O Engenho Galiléia seria eventualmente desapropriado pelo governador pernambucano, e sua terra dividida entre os camponeses. As Ligas Camponesas iriam se espalhar por todo o país, e pelo Nordeste em particular, chegando a cerca de 500 mil membros em seu auge.

Ainda que as reivindicações trabalhistas também avançassem no campo, com marcos como a greve de operários cortadores de cana, em 1963, e o próprio aumento do número de sindicatos rurais, a questão da terra era central e massiva nas lutas no campo brasileiro, e não algo marginal como alega Caio Prado. Não poderia ser diferente em um país que se forma a partir do grande latifúndio escravista, e que ainda hoje é marcado pela concentração fundiária, pela profunda violência no campo, e pela pobreza de milhões de pequenos camponeses.

As conclusões programáticas de Caio Prado, no entanto, terminam sendo mais uma demonstração de seus fins reformistas. Em seu livro A Questão Agrária, de 1979, irá defender um programa de reforma agrária que é, basicamente, a redistribuição das terras improdutivas, mantendo o grosso dos latifúndios, e diz explicitamente que esta distribuição deve evitar “a perturbação das atividades produtivas e desorganização dos estabelecimentos.”

Já n’A Revolução Brasileira, a questão da posse da terra passa bastante ao largo de sua análise. Seu programa, ao fim, é apenas a extensão dos direitos trabalhistas aos operários do campo, ou a efetiva aplicação do Estatuto do Trabalhador Rural, de 1963.

A aliança com a burguesia

O PCB, ao aplicar a teoria etapista stalinista, defendeu, durante todo o Período Democrático de 1945 a 1964, uma aliança com uma burguesia nacional progressista e que se opõem ao imperialismo. O desenvolvimento do capitalismo seria uma etapa necessária para que se pudesse, eventualmente, acontecer uma revolução socialista no país.

Essa estratégia irá aparecer no apoio do PCB a Getúlio Vargas, em 1945, no apoio ao governo de Juscelino Kubitschek, duramente criticado por Caio Prado Jr, e o mais emblemático que foi a aliança pecebista com João Goulart, nos anos 1960.

Com estas alianças e esta estratégia, o PCB não tinha uma política revolucionária e de independência de classe. No momento de profunda agitação revolucionária que precedeu o golpe, o partido, que era a principal direção do movimento operário brasileiro, atuava para conter o movimento, e sobretudo evitar que as mobilizações tomassem um rumo de derrubada do capitalismo. Após o golpe, em 1964, irá seguir a orientação de Jango e não oferecer resistência ativa.

Caio Prado reconhece que não existe tal burguesia comprometida com o desenvolvimento nacional. Identifica o setor burguês mais ligado ao Estado, e mesmo ao governo de Jango, como um setor burocrático, cujos negócios eram profundamente dependentes do Estado. A busca por essa aliança teria sido mais um grave erro da esquerda brasileira.

O programa defendido por Caio Prado, no entanto, é também etapista e se assemelha bastante a posição oficial do PCB. Ao dizer que o Brasil não estava pronto para o socialismo, defendia que era necessário um processo de desenvolvimento capaz de gerar um crescimento econômico autopropulsionado, similar ao que ocorreu nos países desenvolvidos. Este processo, se bem que guiado pelo Estado, deve ocorrer conjuntamente com a iniciativa privada. Diz ele:

“Não se pretende com isso eliminar a iniciativa privada, e sim unicamente a livre iniciativa privada que, esta sim, não se harmoniza com os interesse gerais e fundamentais do país e da grande maioria da população [...] Mas em si, a iniciativa privada, uma vez devidamente orientada, constitui não somente, nas circunstâncias atuais do Brasil, um elemento necessário, mas ainda, no seu conjunto e totalidade, ela é insubstituível, e não poderia ser abolida sem dano para o funcionamento normal da economia. A eliminação da iniciativa privada somente é possível com a implantação do socialismo, o que na situação presente é desde logo irrealizável no Brasil por faltarem, se outros motivos não houvesse, condições mínimas de consistência e estruturação econômica, social, política e mesmo simplesmente administrativas [...]” (Prado Jr., 1966, pp. 264-265) [1]

Na falta de uma burguesia progressista, não fica claro que setor social estaria dirigindo o Estado, debate que também não é tratado no livro.

O sentido da revolução brasileira

A revolução brasileira propagada por Caio Prado, então, não tem um caráter socialista, mas sim teria o papel de superar a herança colonial brasileira. Partindo da combinação de atuação pública e privada, a elevação das condições materiais e de cultura das massas seria o papel principal dessa revolução, em especial no que diz respeito aos trabalhadores rurais, que passariam, então, a se colocar na vida política nacional.

Esta elevação das condições permitiria a formação de um mercado consumidor interno capaz de gerar demanda para as empresas, e assim, ao criar um crescimento econômico autopropulsionado, romper com os sucessivos ciclos econômicos que marcam a história brasileira, seja do açúcar, do ouro ou do café, e sempre voltados à exportação. Assim explica o próprio autor:

"A condição necessária para o desencadeamento do processo [...] consiste na articulação adequada dos dois elementos do ciclo da produção: atividade produtiva e mercado consumidor. E é precisamente disso que se trata. Uma vez orientado o sistema produtivo para o atendimento das necessidades potenciais da massa da população brasileira [...] a própria produção criará o seu mercado. E produção e consumo se engrenaram um no outro em sistema de conjunto capaz de se autopropulsionar pelo estímulo recíproco de ambos os elementos do ciclo produtivo.” (Prado Jr., 1966, pp. 273-274) [2]

O conteúdo da revolução, então, é de um processo que, se por um lado pode levar a melhora das condições de vida dos trabalhadores, é um processo que também geraria lucros para os setores burgueses nacionais que iriam produzir para o mercado interno.

Uma revolução que não coloca a questão da propriedade das terras e dos meios de produção, e que tem como protagonista não os trabalhadores, mas sim o Estado, responsável por guiar tanto trabalhadores quanto a burguesia neste processo.

Esta visão sobre o conteúdo da revolução brasileira ajuda a explicar as conclusões que Caio Prado tirou do processo revolucionário dos anos 1960, e do golpe que o derrotou. Diminui imensamente o peso do movimento camponês em luta pela terra, e ignora os diversos exemplos de auto organização que os trabalhadores tiveram no período, com os marinheiros sendo um grande exemplo, e diz que o proletariado era apenas massa de manobra de “minorias efetivamente ativas”, que muitas vezes seriam “ínfimos grupos”. O PCB, no entanto, longe de ser um ínfimo grupo, era um partido com influência de massas na classe trabalhadora e que poderia ter resistido muito mais ao golpe do que de fato o fez.

Ele dirá ainda que toda a movimentação operária e camponesa dos anos 1960 serviu apenas para preparar o golpe de 1964, ao dar a justificativa de que necessitava a burguesia e os militares para a ditadura. Ao se colocar a possibilidade de que a mobilização dos trabalhadores ultrapassasse os estreitos limites da conciliação de classes, teria terminado favorecendo apenas a própria direita.

Isto ajuda, ainda, a explicar o exercício que Caio Prado faz no primeiro capítulo do livro, ao dizer que não cabe definir qual seria o caráter da revolução brasileira, se socialista ou democrático-burguesa. Alguns capítulos depois, no entanto, o próprio autor coloca claramente qual seria o caráter da revolução brasileira, qual seja, uma tentativa, utópica, de reproduzir no Brasil os processos que ocorreram em países europeus ou nos Estados Unidos.

O golpe de 1964, no entanto, longe de demonstrar uma atuação ultra-esquerdista das massas, mostra o resultado das políticas de conciliação de classe, em especial nos momentos mais agudos da luta de classes. A aliança do PCB com a burguesia desarmou, em alguns casos literalmente, os operários para enfrentar os militares e a burguesia.

Breves conclusões

Se bem as conclusões programáticas de Caio Prado são incorretas, suas análises sobre a inexistência do passado feudal brasileiro são um avanço em relação à posição anterior do PCB. Essas posições inclusive são, em parte, fruto de uma influência dos trotskistas da Liga Comunista Internacionalista (LCI).

Já em 1931, a LCI rejeitava a tese oficial pecebista, elaborada por Octávio Brandão. As conclusões a que chegaram, no entanto, foram bem mais profundas, ao rejeitar também a ideia etapista de que era necessário um desenvolvimento capitalista no Brasil, e defendiam já naquele momento que só a classe operária, dirigida pelo partido revolucionário, poderia resolver as questões democráticas, inclusive a questão agrária.

Parte da importância de retomar tais debates, e estas correntes de pensamento, é justamente tirar conclusões da experiência histórica, buscando evitar novas derrotas trágicas como a que ocorreu em 1964 e permitir a vitória em processos revolucionários futuros.


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FOOTNOTES

[1PRADO JÚNIOR, Caio. A Revolução Brasileira. São Paulo: Editora Brasiliense, 1966.

[2Idem.
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Pedro Oliveira

Estudante de Economia na USP.
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