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[ENTREVISTA] “A Revolução dos cravos é uma das mais importantes do século XX”

Redação

[ENTREVISTA] “A Revolução dos cravos é uma das mais importantes do século XX”

Redação

Entrevistamos Raquel Varela, historiadora e investigadora do Instituto de História Contemporânea do Instituto de História Contemporânea da Nova Universidade de Lisboa e especialista em história do movimento operário português. É autora, entre outros, do livro “História do Povo na Revolução Portuguesa - 1974-75”

O livro da Raquel Varela é um ótimo retrato do profundo processo de auto-organização operária e popular, do questionamento da ordem capitalista e da política de “contrarrevolução democrática” levada adiante com a cumplicidade do PCP e do PS para acabar com a última grande revolução social da Europa ocidental.

O que ocorreu em Portugal a partir de 25 de abril de 1974?

Em 1974, algo curioso aconteceu em Portugal. Um golpe de estado abriu as portas para uma revolução social. O que é uma revolução? O momento da história em que as massas questionam o poder do Estado. Ao princípio, são apenas as massas. Então, aos poucos, se organizaram conscientemente em comissões de trabalhadores, de bairro, em comissões de gestão democrática… que seriam disputadas pelos partidos políticos.
O Partido Socialista (PS) não existia. Passou de um pequeno grupo marginal com umas poucas dezenas de militantes para um partido de massas com 80 mil pessoas no verão de 1975. O Partido Comunista de Portugal (PCP) passou de um partido de vanguarda de 2 a 3 mil militantes em abril de 1974 para um partido com 100 mil, um ano depois.
Em um dia a história mudou o que não mudava em décadas. Milhões de pessoas, “de baixo”, tiveram uma voz direta em suas vidas. A política já não era uma atividade de especialistas e profissionais. Era o espectro da autodeterminação. Foi a última revolução europeia que pôs em causa a propriedade privada dos meios de produção.

As imagens da Revolução dos Cravos sempre destacam soldados e tanques, mas poucas vezes se fala deste processo de auto-organização operária e popular. Que papel cada um desses sujeitos teve?

Foi uma revolução democrática que se transformou em uma revolução social. O que começou em 25 de abril - um golpe de estado clássico - foi a semente de uma revolução social que traz mudanças nas relações de produção-, iniciada como uma revolução político-democrática que mudou o regime político. Em poucos dias ou semanas, a substituição do regime político da ditadura por um regime democrático foi praticamente garantida, mas estavam assentadas as bases para outra revolução que lutava por igualdade social.

Essas bases foram estabelecidas pelo sujeito social que, por trás do Exército (e, portanto, sem medo), entrou na história: a classe operária e os setores populares e estudantis. Logo tomou a frente do Exército e se converteu na liderança da revolução, deixando o Movimento das Forças Armadas (MFA) recompondo um Estado que tinha entrado em crise com o mesmo golpe.

A “aliança povo-MFA” foi um projeto político frente populista - apoiado pelo PCP e pelo PS nos seus primórdios - que punha o povo sob a direção do MFA, uma linha muito similar à do PCF na França entre 1945 e 1947, a política de “reconstrução nacional” que também abordo em meu livro sobre a história do PCP na Revolução. Contra esse projeto, começou a surgir uma dualidade de organismos de poder. O MFA rachou e uma parte se uniu ao “poder popular”, que era a auto-organização da classe operária em comissões de operários, de bairro e, mais tarde, de soldados.

A Revolução dos Cravos foi uma das revoluções mais importantes de todo o século XX, com uma grande extensão da dualidade de poderes. Partindo do ponto de vista da extensão desse poder paralelo ao Estado, foi um processo histórico que teve muitas similaridades com a revolução italiana de 1919-1920 (bienio rosso), com a revolução húngara de 1956 e com a revolução chilena.

Foi também, e essa é outra característica importante, uma revolução na metrópole que ocorreu devido às revoluções anticoloniais (guerra colonial) nas colônias portuguesas.

Ocorreram greves, ocupações de fábricas… poderia falar mais sobre a participação da classe trabalhadora em todo o processo?

A maioria dos conflitos sociais da revolução portuguesa foram liderados pelos trabalhadores, em particular os dos grandes cinturões industriais de Porto, Setúbal e Lisboa, especialmente este último que reuniu 43% dos conflitos trabalhistas. As greves ocorreram no setor que produz valor diretamente, levadas à frente por uma classe operária relativamente jovem (a grande migração do campo para a cidade ocorreu no início dos sessenta) e concentrada geograficamente.

As políticas “reformistas”, no sentido clássico do termo, como as nacionalizações, a reforma agrária ou a melhora dos salários, adquiriram uma dimensão revolucionária porque foram conquistadas com os métodos próprios do movimento operário (greves, ocupações de terras e fábricas) e, em muitos casos, através de organismos autônomos de trabalhadores, trabalhadores rurais e, em um determinado momento, soldados.

Como funcionavam as comissões de trabalhadores?

Nos dias 25 e 26 de abril, o povo se dirigiu aos locais de trabalho para participar do que estava acontecendo. Ninguém sabia ao certo o que era, mas esperava-se o fim da ditadura, razão suficiente para abandonar o lar. Quando as pessoas chegaram aos seus locais de trabalho, em centenas de casos se reuniram e começaram a discutir política, em um país em que o lema era “não se fala de política nem de religião”.

Quem eram essas pessoas? Trabalhadores da indústria e dos serviços e estudantes. De que falavam? Em primeiro lugar, de “apoio à Junta de Salvação Nacional e ao MFA para derrotar o fascismo”. Em segundo lugar, começam gradualmente a aparecer as demandas relativas aos grupos sociais que representavam. A organização nasceu da necessidade, não havia interlocutores definidos exceto nas grandes empresas industriais e de comunicações, onde já existiam comitês da empresa que em muitos casos começaram a funcionar rapidamente em plenária.

A primeira questão, obviamente, foi a luta pela liberdade. Quantas revoluções na história foram geradas não apenas pela desigualdade social e pela guerra, mas também por regimes ditatoriais? Mas os trabalhadores que foram ao local de trabalho para participar da derrubada do regime começaram imediatamente a pôr sobre a mesa as demandas de caráter social. No coração do regime - ditadura ou democracia - estava o dilema do sistema - capitalismo ou igualdade social.

O quadro político e sindical português, herdado da ditadura de Salazar, determinou que a maioria dos setores operários e intermediários da sociedade não pertenciam, no momento do golpe de estado, a nenhuma organização política, e os sindicatos fascistas estavam totalmente desacreditados. As greves de 1968-1970 e 1973 não implicaram a derrubada do regime. Foram ondas de greves similares às de 1969 ou 1962. Entretanto, o que foi qualitativo em 1974 foi o golpe militar dirigido pelo MFA.

Os sindicatos nacionais, controlados pelo Governo, foram desacreditados como estruturas para a direção do movimento operário, e a Intersindical, uma estrutura alternativa criada em 1970 dirigida por católicos progressistas e pelo PCP (não é claro qual desses setores, até 1974, tinha mais peso nessa estrutura), chega ao 25 de abril com influência em apenas 12 sindicatos. Das 158 empresas que tiveram conflitos trabalhistas entre 25 de abril de 1974 e 1 de junho de 1974, a instância de negociação dos conflitos foi, em 61 casos, a comissão de trabalhadores, em seis deles, a comissão de empresa, e em dez, o sindicato nacional ou de distrito. [1].

Foi durante a revolução, e devido à revolução, que a Intersindical se converteu na estrutura dirigente do movimento operário organizado, mas em um processo longo que durou toda a revolução e que se realizou em um diálogo muito tenso com as comissões de trabalhadores.

As comissões operárias, uma forma de organização de tipo “conselhista”, apareceram em quase todas as fábricas e serviços do país, foram eleitas em assembleias de trabalhadores e nelas deveria funcionar o princípio da livre revogabilidade. Este fato não pode ser ignorado para que se possa compreender até que ponto a propriedade privada foi questionada neste canto da Europa. Foram estas, e não as direções sindicais, as que estiveram na origem da maioria dos conflitos trabalhistas no começo da revolução portuguesa, liderando alguns dos mais importantes conflitos, e gerando assim a oposição do PCP e da maioria das direções sindicais, que consideravam as comissões de trabalhadores “formas selvagens de organização, instrumentos de clientelismo e “divisionismo”.

Surgem outras instâncias de auto-organização popular, como as comissões de bairro e de soldados. Quais características tinham?

As comissões de bairro eram autênticos "órgãos locais de decisão”. Nasceram quase imediatamente como uma estrutura local de tomada de decisões, atuando como um poder paralelo diante das câmaras municipais em recomposição. As câmaras municipais acabaram servindo mais como fonte de pessoal e financiamento para os principais partidos (especialmente o PS e o PCP) que como órgãos de gestão local, já que a gestão foi assumida pelas comissões de bairro em articulação quase direta com o poder central e o MFA. As formas de coordenação das comissões de bairro eram variadas, mas foram os primeiros órgãos de duplo poder a se coordenar, antes mesmo das comissões de trabalhadores.

Mário Tomé, da Polícia Militar, recorda que as comissões de soldados começaram a existir de fato depois da divisão do MFA em agosto e setembro de 1975 e que elas também influíram em todo o processo: “as comissões de soldados eram o núcleo revolucionário dentro da tropa, inclusive dentro da tropa de esquerda”. Essa dualidade de poderes, que é a essência de um processo de democratização em uma estrutura estatal central, contou com o apoio de algumas dezenas de oficiais do MFA, que foram detidos no golpe de Estado de 25 de novembro de 1975.

Quais são os elementos que permitem analisar essas comissões como experiências de dualidade de poder? Houve coordenação?

Em setembro se reuniu em Covilhã, no norte do país, desta vez sob a égide do Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado (maoísta), mas também com a participação do Partido Socialista (PS) e o Partido Revolucionário de Trabalhadores (trotskista), um encontro nacional de Comissões de Trabalhadores (CTs). O congresso reuniu 95 comissões de trabalhadores (53 com direito a voto, 42 com estatuto de observador), mas reconheceu que não podia dar uma dinâmica revolucionária ao processo e que deveria criar uma coordenação das CTs em nível nacional. Os eixos programáticos que saíram das declarações do congresso foram a luta pelas 8 horas por dia, 5 dias por semana, pelo armamento das CTs em comissões constituídas por elas, o rechaço às demissões e, sobretudo, “o desenvolvimento do controle operário de toda produção, distribuição e consumo”. [2]

Mais importante foi a coordenação do CIL - que reunia as comissões de trabalhadores do Cinturão Industrial de Lisboa (CIL) - que foi fundamental nas “mobilizações de verão e outono de 1975, agrupando entre duzentas e trezentas CTs da capital, e que se desdobrou em estruturas regionais similares em Setúbal, Porto e Braga nos meses e anos seguintes”. O CIL, embora tivesse um peso de dirigentes ligados ao PCP, não era, até 1975, uma estrutura monolítica dirigida por esse partido. O CIL foi “a estrutura organizadora da grande manifestação realizada no Terreiro do Paço em 16 de novembro de 1975” e convocou, entre setembro e novembro de 1975, várias manifestações com um poder de mobilização muito amplo, apoiadas por quase todos os partidos à esquerda do PS.

Qual foi a política do Partido Comunista e da Intersindical para essas comissões?

Quando, pela primeira vez, as comissões operárias do cinturão industrial de Lisboa se reuniram no Barreiro no dia 8 de novembro de 1975, o PCP advogou por uma política de manutenção da produção verificada por uma comissão de controle da produção que representaria “todos os setores importantes da empresa”. Recordando que nesse momento havia 322.000 desempregados, quase dez vezes mais que no 25 de abril de 1974, o PCP considerava que “a crise do desemprego não consistia em reduzir a jornada de trabalho”, mas em melhorar a organização dos trabalhadores, a nacionalização do comércio exterior e no “máximo aproveitamento da capacidade produtiva”. [3] Em seu conjunto, essas medidas permitiriam criar as condições para que os empresários restabelecessem a taxa de lucro, medidas que, na opinião do PCP, poderiam ser aplicados junto ao “aumento dos salários dos trabalhadores com menor remuneração” e o rechaço às indenizações dos antigos donos das empresas nacionalizadas.

Por último, o partido se opõe firmemente à criação de um organismo nacional de coordenação das comissões de trabalhadores, argumentando que deveriam desempenhar um papel de facilitadores das assembleias populares, mas sem coordenação entre elas: “vemos que a criação de um organismo superior institucionalizado e definitivo da C.T. poderia acarretar no perigo de dispersar esforços, desviando a C.T. de seus objetivos fundamentais”. [4].

As comissões operárias não eram uma alternativa nacionalmente organizada pela Intersindical, embora muitas vezes, nas fábricas, fossem uma força que anulava a força do sindicato central. Havia uma diferença colossal entre seu poder - estendido nas empresas e fábricas, muito maior que o da Intersindical - e sua organização embrionária. A intersindical cresceu com um aparato mais maduro, também porque tinha reunido muitos quadros experimentados do passado: coordenava nacionalmente, com delegados, sedes, quadros, fundos…

Ainda assim, a crise revolucionária ocorreu entre setembro e novembro de 1975, e as CT já estavam organizadas no CIL, no Comitê de Luta de Setúbal e outros organismos embrionários de coordenação. O eventual êxito da coordenação nacional das comissões operárias teve uma dinâmica que pôs em causa a direção do PCP e, sobretudo, apareceu como uma organização operária autônoma e combativa no meio da revolução: “como apontou o diretor D. Edinger, membro da CT Setenave, a respeito de uma estrutura nacional de CTs: qualquer um que dominasse tal estrutura, dominaria o país efetivamente”. [5]

Como conclusão, acreditamos que a desorganização da classe operária, favorecida pelas proibições da ditadura, foi um fato que debilitou o Estado em 1974 e 1975 e fortaleceu, concomitantemente, a dualidade de poderes. O vazio organizativo foi um fator perturbador para o Estado porque abriu espaço para as CTs. Em comparação com a Espanha, onde as CCOO já estavam bem estabelecidas quando se começou o processo de Transição, Portugal tinha um pequeno embrião de sindicato, que deixou espaço para as CTs. Mas sua incapacidade de se organizar fortemente em uma estrutura nacional, um “soviet” unificador, dificultou a resistência organizada por parte dos únicos que poderiam fazê-lo diante do golpe contrarrevolucionário de 25 de novembro de 1975.

Qual papel que o Partido Comunista de Portugal e o Partido Socialista tiveram durante a revolução?

A estratégia do Partido Comunista Português, entre o dia 25 de abril de 1974 e o dia 25 de novembro de 1975, era a de assegurar em Portugal a consolidação de um regime democrático, com o objetivo de conquistar para o país uma relativa independência dos países centrais, no marco de um capitalismo regulado, no âmbito da Aliança Atlântica.
Ao longo da investigação, sustentei que, para executar essa estratégia, o partido traçou como políticas centrais: 1) uma ampla unidade democrática, com setores da burguesia e da pequeno-burguesia, que implicou a luta contra a direita mais conservadora e a tentativa de isolar a extrema esquerda; 2) a unidade do movimento operário com o Movimento das Forças Armadas, a “aliança Povo-MFA”; 3) a construção de um sindicato único centralizado por ele, que serviria de estrutura para a unidade e a organização do movimento operário português e de reserva estratégica para o recrutamento de pessoas, dos militantes e dos recursos financeiros do PCP; 4) o controle das nacionalizações e da reforma agrária por parte das estruturas sindicais em articulação com o Estado; 5) uma política de oposição a todos os obstáculos à produção, a “batalha da produção”, sejam eles na forma de sabotagem econômica ou de greves; 6) contribuir para a política de “distensão” entre os EUA e a URSS e colaborar para a independência das colônias sob a direção dos movimentos de libertação apoiados pela URSS; 7) obstruir a formação de organismos de duplo poder no seio do movimento operário, do movimento popular e das forças armadas e obstruir a coordenação nacional destes.

Em 1976, Kissinger agradeceu Olof Palme pessoalmente pelo apoio dado a Soares, do PS, contra a Revolução dos Cravos. Soares estava muito mais próximo ideologicamente de Allende, assassinado por um golpe de estado codirigido por Kissinger como Secretário de Estado dos Estados Unidos. Nessa altura, o SPD alemão tinha transferido para Portugal a maior quantidade de dinheiro jamais transferida a um partido fora da Alemanha para construir o PS. Dinheiro utilizado para contratar pessoal, abrir sedes, dirigir sindicatos, prefeituras e instituições. O mesmo ocorreu com o PCP, com o apoio da URSS, em grande medida através da RDA. O PS e o PCP lutaram pela organização desse mar de gente.

Soares convenceu seus colegas nacionais e internacionais de uma estratégia absolutamente nova no marco das revoluções posteriores a 1945. A derrota da revolução não se produziu através de um sangrento golpe militar e uma repressão generalizada como de costume, mas através de uma mescla de golpe militar controlado (25 de novembro) e o estabelecimento de um regime civil de democracia representativa.
Foi totalmente diferente do Chile. Começou assim em novembro de 1975 com a imposição da “disciplina”, ou seja, da hierarquia nos quartéis. Se consolidou através de um processo de “contrarrevolução democrática”: Portugal é o primeiro exemplo exitoso de uma revolução derrotada com o estabelecimento de um regime de democracia representativa. Esse modelo foi utilizado posteriormente na Espanha franquista e inclusive no Chile, no Brasil e na Argentina na década de 1980, sendo chamado de Doutrina Carter. Poderia e deveria ser chamado de “Doutrina Soares”.

E os partidos da extrema esquerda maoísta e trotskista? Que estratégia política tiveram durante a revolução?

A revolução portuguesa ocorreu exatamente nos anos da maior transformação econômica e social do mundo ocidental desde o pós-guerra. Em maio de 1968 se inaugurou uma nova situação política mundial, marcada por dois fatores que não ocorriam nos países centrais desde a derrota do nazismo-fascismo em 1945: o retorno das classes trabalhadoras na arena política e o começo do fim da hegemonia dos partidos comunistas leais à União Soviética. Mas eram peças muito frágeis. Na verdade, oscilavam entre o apoio à estratégia do PS e a do PCP. A política de independência era muito marginal.

Como se chegou à contrarrevolução em 25 de novembro de 1975 e o que aconteceu?

Foi um golpe de estado contrarrevolucionário, dirigido civilmente pelos socialistas, mas que se produziu sem a resistência dos comunistas. De fato, pôs fim à dualidade de poder nos quarteis. Foi a partir de 25 de novembro de 1975 que se iniciou um novo regime, lentamente é claro, pois a revolução demorou mais de 10 anos para ser derrotada, para a força de trabalho ser “flexibilizada” (de 1986 a 1989), para ser realizada a contrarreforma agrária (1982), assim como a progressiva erosão do estado social com as privatizações (1989). Mas foi nessa data que se retomou a disciplina da produção para a acumulação do capital, o que foi reconhecido publicamente no discurso do chefe militar golpista, Ramalho Eanes, nas celebrações do segundo aniversário de 25 de novembro de 1975. [6]

Como é que essa experiência é vista hoje em Portugal e quais balanços se tira dela?

Este passado revolucionário, quando os mais pobres, os mais frágeis, muitas vezes analfabetos, se atreveram a tomar a vida em suas próprias mãos, é hoje uma espécie de pesadelo histórico das atuais classes dominantes portuguesas. Tanto que insistem em que, 45 anos depois da revolução, só seja celebrado o 25 de abril, esquecendo-se que esse dia foi o primeiro dos 19 meses mais surpreendentes da história de Portugal. E que Portugal era, junto ao Vietnã, o país mais seguido pela imprensa internacional da época. As imagens das pessoas das favelas sorrindo com os braços abertos, junto a jovens militares barbudos e alegres, encheu de esperança os povos da Espanha, Grécia, Brasil… A maioria dos que viviam aqui se alegraram. Uma das características das fotos da Revolução portuguesa, como na da capa do meu livro, é que as pessoas quase sempre estão sorrindo nelas. Não por acaso, Chico Buarque cantou: “Sei que está em festa, pá.”


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FOOTNOTES

[1Santos, Maria de Lurdes, Lima, Marinús Pires de, Ferreira, Vítor Matias, O 25 de abril e as Lutas Sociais nas Empresas, Porto, Afrontamento, 1976, 3 volumes.

[2«Viva a Classe Operária», órgão do Secretariado Nacional das Comissões de Trabalhadores, Ano I, 10 de outubro de 1975, In Pasta «Portugal, 1974-1975», Arquivo do International Institute for Social History, Amsterdam.

[3«Encontro de trabalhadores da Cintura Industrial de Lisboa». In Avante!, Série VII, 13 de novembro de 1975, p. 5.

[4Ibidem

[5Pérez, Miguel, Contra a Exploração Capitalista. Comissões de Trabalhadores e Luta Operária na Revolução Portuguesa (1974-75), Dissertação de Mestrado em História dos Séculos XIX e XX, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, agosto de 2008, p. 143.

[6EANES, Ramalho, «No 2.º aniversário do 25 de novembro», Discurso proferido em Tancos. In Secretaria de Estado da Comunicação Social, 1978, p. 10.
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