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DOSSIÊ LEGALIZAÇÃO DO ABORTO | A extrema direita quer leis para controlar os corpos e matar mais em abortos clandestinos

Os dados sobre o aborto no Brasil são auto-explicativos e mostram a triste realidade das mulheres (e pessoas que não se identificam como mulheres, mas possuem útero) que realizam abortos inseguros devido ao profundo e secular controle da Igreja e do Estado sob nos nossos corpos. Esta realidade que infelizmente não é uma novidade, agora com o governo misógino de Bolsonaro ganha um salto de qualidade.

quinta-feira 26 de setembro de 2019 | Edição do dia

Sem dados de 2019 ainda concluídos, sabemos que aumentará ainda mais as mortes de mulheres, na sua maioria negras e pobres, que abortam na clandestinidade neste governo de extrema-direita. Enquanto falam em “defesa da vida” - criando mais direitos ao feto do que a vida destas mulheres - querem que as mulheres paguem pela crise econômica com suas vidas, controlando nossos corpos, enquanto nossos filhos seguem morrendo nas filas dos hospitais ou por "balas achadas" como a menina Ágatha de apenas 8 anos de idade. Não nos permitem o direito à maternidade plena e nem o aborto legal, seguro e gratuito, essa é a cara de um sistema baseado na desigualdade social e que não apenas coexiste, mas aprofundou o patriarcado à serviço de aperfeiçoar a exploração capitalista.

O governo Bolsonaro é declaradamente inimigo das mulheres com sua política misógina, assim como Damares Alves, ministra do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, que declara que a mulher deve ocupar o lugar de submissão na família e que a Igreja que deve governar o país, e ainda se posiciona contra o aborto em qualquer ocasião. Parece que voltamos para o tempo da Inquisição em que as mulheres eram consideradas bruxas e eram queimadas nas fogueiras, mas essa só é a face violenta de um governo de extrema-direita, fruto do golpe institucional, que legitima todas as formas de violência contra as mulheres e uma longa cadeia de opressão que tem como último elo o feminicídio.

As mortes por abortos clandestinos têm o rosto de mulheres negras e pobres

Os dados disponíveis "pré-Bolsonaro" já são extremamente alarmantes e escancaram a dura realidade que o Estado impõe as mulheres ao criminalizar o direito elementar de decidirem sobre seus próprios corpos. Segundo dados do próprio Ministério da Saúde apresentados nas audiências no STF sobre a ADPF 442 em agosto do ano passado:

  •  1 milhão de abortos induzidos ocorrem todos os anos e levam 250 mil mulheres à hospitalização devido a procedimentos inseguros de interrupção voluntária da gravidez.
  •  Ocorrem cera de 15 mil complicações e 5 mil internações de muita gravidade.
  •  Em 2016, o aborto inseguro causou a morte de 203 mulheres representando uma morte a cada 2 dias.
  •  Nos últimos 10 anos foram duas mil mortes maternas, sendo o aborto clandestino considerado a quarta causa de morte entre as mulheres no país.

    Na sua grande maioria são mulheres negras e pobres, pois são as mulheres que não podem pagar por procedimentos em clínicas de alto custo que dentro da ilegalidade são mais “seguras”. Ou menos ainda que podem pagar para realizarem o procedimento em países aonde é legalizado.

    Segundo a Pesquisa Nacional do Aborto, realizada em 2016 pelo Instituto de Bioética Direitos Humanos e Gênero (ANIS) coordenada pela antropóloga Débora Diniz:

  •  Uma em cada cinco mulheres aos 40 anos já fez ao menos um aborto na vida.
  •  67% já tiveram filhos, 56% das mulheres são católicas e 25% evangélicas.

    Todavia, num governo marcado pela manipulação e pelo ataque a pesquisa e a toda ciência, ficará mais difícil obter novos dados que permitam com que fique ainda mais claro as consequências dos discursos odiosos, da legitimação da subordinação das mulheres e os projetos apresentados por seus apoiadores que visam retroceder ainda mais, nos poucos direitos que temos.

    Os projetos golpistas e misóginos querem retroceder ainda mais na luta pelo direito ao nosso corpo

    Segundo levantamento da campanha “Nem presa nem morta”, até agosto de 2019, 19 projetos de lei foram protocolados na Câmara e no Senado com o objetivo de restringir mais ou dificultar o acesso ao aborto, mesmo nos casos previstos em lei (risco de vida das mulheres, casos de estupro e quando é diagnosticado anencefalia).

  •  Dos 19 PL´s, 16 foram apresentados em 2019 e dois arquivados.
  •  Além dos novos, há outros 28, incluindo a PEC 29, conhecida como “PEC da Vida”, que foram desarquivados no início de 2019.

    No total são no mínimo 45 projetos que unificam a conhecida bancada da bala, da bíblia e do boi, base do governo Bolsonaro, que buscam restringir direta ou indiretamente o direito ao aborto legal. Citamos alguns desses projetos abaixo.

    O projeto de lei de 4642/2016 apresentado ironicamente no dia internacional de luta das mulheres (08/03/2016) pelo deputado Flavinho, que na época era filiado no PSB-SP e hoje faz parte do partido do PSC (do prefeito Crivella, que censura o beijo entre pessoas do mesmo sexo), que cria o Programa Nacional de Prevenção e Conscientização sobre os Riscos e Consequências do Aborto, para incentivar que as mulheres sigam a gravidez em qualquer situação, teve um relatório favorável em junho deste ano, por parte do deputado federal Diego Garcia (Pode-PR) e está na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF).

    No Senado a ofensiva também se encontra com as Proposta de Emendas à Constituição como a “PEC da Vida” que propõe que a Constituição preveja que o direito à vida esteja garantido “desde a concepção”. A PEC 29/2015 é de autoria do ex-senador Magno Malta e foi desarquivada a pedido do senador Eduardo Girão (Pode–CE), chegando a ter um relatório favorável da senadora Selma Arruda (PSL-MT) mas no momento está parada.

    Nos municípios, vereadores da direita como o Fernando Holiday do MBL, filiado ao DEM, discorda da portaria do Ministério da Saúde, que diz que boletim de ocorrência não deve ser uma exigência, e apresentou um projeto de lei em que tinha objetivo inicial a obrigatoriedade de um alvará judicial, de acompanhamento psicológico da mulher e da escuta dos batimentos cardíacos do feto antes de tomar a decisão.

    Aproximando-se do dia latino americano e caribenho pela legalização e descriminalização do aborto, a deputada estadual pelo partido do Bolsonaro (PSL) em São Paulo, Joyce Hasselmann, convocou a “Marcha pela Vida”, que ocorreu no último domingo (22), que significa nada mais do que a hipocrisia em nome da vida enquanto defende que milhares de mulheres sigam morrendo por abortos inseguros.

    Damares asquerosamente twittou uma denúncia contra o texto “Como é feito um aborto seguro?” elaborado pela revista Feminista AzMina, dizendo que é uma apologia ao crime, sendo que a pastora que é a criminosa ao defender o Estatuto do Nascituro e o projeto que prevê o pagamento de uma bolsa-estupro para as mulheres. Com o discurso ideológico que as mulheres vítimas de um estupro, deveriam seguir adiante com a gravidez fruto dessa violência. Junto com ela está de mãos dadas a oportunista Sarah Winter, que abriu denúncia no Ministério Público contra a revista feminista.

    A estratégia de conciliação de classes do PT abriu espaço pra direita golpista enquanto mulheres morriam por abortos clandestinos

    Os dados alarmantes e parte desses projetos de lei já estavam presentes nos 13 anos do governo petista que, apesar de carregar em seu programa historicamente a luta pela legalização do aborto, com sua estratégia de conciliação fez acordos com as bancadas reacionárias das Igrejas evangélica e católicas em nome de uma governabilidade que custou a vida de milhares de mulheres. Não esqueçamos que esses mesmos que tiveram espaço nos governos do PT apoiaram o golpe institucional e agora num governo de extrema direita se sentem mais fortes para mudar o código penal até em casos legais. O caminho que eles querem é aumentar a realidade de sofrendo e sequelas físicas e psicológicas para descarregarem a crise em nossas costas.

    A Carta ao Povo de Deus, escrita por Dilma nas eleições para não perder votos de eleitores religiosos, deu o recado claro para as Igrejas que não governaria em defesa da legalização do aborto. Lula já havia em seu governo firmado no Senado um Acordo Brasil-Vaticano em que concedia isenção tributária a instituições católicas e reconhecia a contribuição destas na área de ensino. Além de que, vire e mexe haviam figuras do PT que corroboravam com projetos de lei que retrocediam o direito ao aborto legal no Brasil. E a abertura de espaço para figuras como Marco Feliciano na Comissão de Direitos Humanos, declaradamente em defesa da Cura-Gay e contra o direito ao aborto.

    Como podemos observar os dados da trágica e escandalosa realidade das mulheres que abortam no Brasil e a ofensiva da extrema-direita, nos coloca a tarefa de que arrancar esse direito só será possível com uma forte organização e mobilização do movimento de mulheres aliado aos sindicatos e entidades estudantis num grande enfrentamento nas ruas contra os governos, a Igreja e o Estado.




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