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Greve na USP | A força dos estudantes pode derrotar a burocracia que toma as decisões que precarizam a USP

quarta-feira 27 de setembro de 2023 | Edição do dia

Neste momento, na capital de São Paulo, somente 5 cursos do campus Butantã da dita "melhor universidade da América Latina" ainda não votaram greve. As tradicionais Escola Politécnica (a Poli) e a Faculdade de Direito da USP (a Sanfran), criadas para formar a elite paulista, somaram-se à greve estudantil, iniciada pela FFLCH há menos de 15 dias em assembleias cheias. Hoje ocorrerá uma assembleia com indicativo de greve na Medicina da USP. São mais de 27 cursos, Faculdades e Institutos que se levantam contra a falta de professores e a precarização da universidade, em um movimento grevista que não se via há cerca de 10 anos.

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"Como seremos engenheiros, se não temos professor de Física e Matemática?", questionam estudantes da Poli em assembleia, impondo a necessidade de votar greve imediatamente, à revelia de seu Grêmio. Enquanto isso, na Faculdade de Letras, o último curso de coreano da América Latina não aceitará novos estudantes, contando somente com uma docente em todo departamento. Dados divulgados pela Associação de Docentes (Adusp) informam que, de 2002 para cá, a proporção entre docentes e estudantes na USP diminuiu 28%, já que o número de estudantes matriculados cresceu em 32% e o número de docentes aumentou somente 5%. Ou seja, além da falta de professores em várias disciplinas que faz com que estudantes não possam se formar, é uma precarização do trabalho docente de conjunto, marcado pela sobrecarga.

Já nos anos de 2014 para cá, a USP perdeu 818 professores. Isso porque, além de aposentadorias e exonerações, no Conselho Universitário, com o discurso da "crise orçamentária", foram votados planos de demissões voluntárias de funcionários (cujo quadro também está defasado e precariza as condições de ensino, sendo a contratação de técnicos-administrativos também parte das demandas da greve) e os chamados "Parâmetros de Sustentabilidade", aprovados sob forte repressão aos estudantes, trabalhadores e professores que buscavam impedir a medida, que nada mais era do que o PEC do Teto de Gastos a nível USP, que congelaria contratação de professores e funcionários por anos. Na própria Folha de S.Paulo, que agora publica dados sobre a falta de professores, é possível encontrar artigos em que essa voz de uma ala da burguesia paulista denunciava a "torneira de gastos" da USP, expressa supostamente nos gastos com direitos dos trabalhadores e professores, como parte da campanha pelos ajustes.

Em contrapartida, as estaduais paulistas, e a USP, em particular, foram palco de alguns dos principais episódios da história de luta do movimento estudantil brasileiro, seja contra a ditadura, seja nos governos petistas anteriores, enfrentando-se com o então bastião do PSDB no país, como no forte levante contra os decretos de José Serra em 2007. Agora, a eclosão de uma forte greve na USP, após anos de passividade do movimento estudantil nacional na pandemia e sob o governo Bolsonaro, contando com vários traços de massividade da luta, tem como inimiga a reitoria Carlotti, vista como progressista por uma parte da burocracia universitária - mesmo com as sinalizações de Carlotti ao bolsonarista Tarcísio. O reitor atual faz demagogia de que está contratando professores, que já liberou mais de 879 contratações, quando, na prática, não somente uma parcela muito pequena destas se efetivaram, como também se trata de um número bastante aquém do exigido. Por exemplo, apenas no curso de Letras, onde a greve se iniciou, estamos falando de uma demanda calculada em 114 docentes e funcionários pelos próprios docentes do curso, tendo como parâmetro o ano de 2014, sem levar em conta a relação aluno e professor ideais. Mas para toda a FFLCH (o que engloba diversos cursos de Humanas, além da Letras), a reitoria Carlotti promete apenas 70 contratações, no total, e até 2025. Está claro que a luta dos estudantes não pode ter nenhuma ilusão nas promessas dessa reitoria. A única argumentação que ela entende é a luta de classes.

Ao mesmo tempo, essa greve se dá em um momento em que o governador bolsonarista Tarcísio de Freitas declara guerra aos serviços públicos essenciais, como água, saneamento básico e transportes, almejando avançar em seus planos privatistas e precarizando as condições de vida da população em nome dos lucros capitalistas, inclusive com mais terceirização. Isso enquanto o Republicanos de Tarcísio é agraciado com ministério no governo da frente ampla Lula-Alckmin. Mas a possibilidade de que o movimento estudantil da USP conflua com a luta dos metroviários e trabalhadores da CPTM e Sabesp, que têm sua greve unificada convocada para o próximo dia 3 de outubro, pode ser um impulso para enfrentar Tarcísio, mostrando um movimento estudantil que se faz porta-voz dos interesses da população de conjunto, e ao mesmo tempo enfrentar Carlotti e toda a burocracia universitária com mais força, junto aos trabalhadores da universidade e ao Sintusp. Coordenar as lutas contra Tarcísio no estado de São Paulo, com propostas como um comitê unificado dos estudantes da USP com metroviários e demais categorias também fortalece a luta na USP. O DCE da USP e o comando geral de greve deveriam impulsionar propostas como essa. É por isso que a UNE e a UEE deveriam encarar a greve da USP como um ponto de apoio para convocar e construir uma paralisação nacional dos estudantes no dia 3, unificando as lutas contra o Tarcísio.

Veja: Estudantes da USP em greve apoiam trabalhadores do Metrô, CPTM e SABESP contra os ataques privatistas de Tarcísio

Por isso, conforme a greve se fortaleça, se massifique e faça pesar as decisões da base dos estudantes, como é o caso do ato convocado para o Largo da Batata nesta terça, que nós da Faísca Revolucionária defendemos insistentemente há mais de uma semana, torna-se ainda mais necessário levantar um programa que arranque contratações, de acordo com a demanda dos cursos para que haja não somente a reposição de todo quadro docente e de funcionários, defasado desde 2014, tirando a enorme sobrecarga do quadro atual, mas para exigir a contratação do número de docentes necessários para garantir qualidade da educação na USP, que tem reduzido oferecimento de disciplinas, de pesquisa e avanços científicos. Isso é o que causa precarização do ensino, professores sobrecarregados, estudantes com muita dificuldade em se formar, com disciplinas em concorrências absurdas em vários cursos. É o caso da Letras, em que precisamos que haja contratação de docentes suficientes para acabar com o ranqueamento (que é um novo vestibular dentro do curso). Ao mesmo tempo, é preciso se apoiar na força e disposição dos estudantes para lutar pela volta do gatilho automático, que garante reposição imediata dos docentes e funcionários que se aposentem ou exonerem, e pela efetivação imediata sem necessidade de concurso dos docentes temporários, que a reitoria veio utilizando como mão-de-obra precária para esconder a crise de falta de professores nos últimos anos, sem garantir plenos direitos.

Mas, mais do que isso, para garantir condições de estudo e trabalho na universidade sem precarização, é necessário avançar contra toda a estrutura de poder que permite que uma casta regada a privilégios tome decisões que atacam a maioria, como vimos nos últimos anos. Quando Paulo Martins, diretor da FFLCH, manda fechar os prédios e coloca a guarda universitária contra os estudantes em greve ou vai à Folha de S.Paulo acusar os estudantes de bolsonaristas |(quando é o seu partido, o PT, que abre espaço para a extrema direita), ou quando o diretor da Enfermagem ameaça fechar bandejão, vemos aí representantes de toda uma burocracia universitária. Na greve, em cada instituto e faculdade, os estudantes estão enfrentando a reitoria, mas também tendo mostras de medidas autoritárias das direções e chefes de departamento, mostrando que o problema da estrutura de poder vai muito além de uma ou outra figura inimiga.

Por isso, lutando pela contratação de professores, é preciso enfrentar Carlotti e impor a dissolução da reitoria e do CO, composto por representantes de fundações privadas e empresas terceirizadas, membros da FIESP que defendem as reformas e onde há somente uma minoria de trabalhadores e estudantes, sem as trabalhadoras terceirizadas sequer poderem falar. Esse é o CO que votou o congelamento de contratações e as principais medidas que levam à falta de professores e precarizam as condições de trabalho na USP, subordinado a um projeto de universidade a serviço das empresas.

Essa forma de tomada de decisões é herdeira direta da ditadura militar, que garantiu estatutos cujo centro passava por que os estudantes que lutavam contra o regime não tivessem peso algum na tomada de decisões das universidades, além de todo controle ideológico, que na USP significou perseguições a dezenas de docentes. Para varrer todos os resquícios da ditadura na universidade, que não à toa foi homenageada pelo bolsonarismo nos últimos anos, precisamos lutar por uma Estatuinte Livre e Soberana, isto é, por um processo democrático de decisão sobre o Estatuto que se baseie no sufrágio universal (voto por pessoa entre docentes, estudantes e trabalhadores), dissolvendo a reitoria e o CO e elegendo representantes que, nessa Assembleia Estatuinte, possam debater e decidir sobre tudo o que diga respeito à universidade, desde o acesso (pelo fim do filtro excludente do vestibular, por exemplo), às contas (desmascarando a "crise orçamentária") e à terceirização (incorporando imediatamente todas as trabalhadoras sem concurso, já que essa forma de contratação só existe para garantir a segregação de mulheres e negros na USP em nome dos lucros das empresas, negando até mesmo o direito ao BUSP).

Nesse processo, nós da Faísca defenderíamos que é necessário chegar a uma forma muito mais democrática de governo da universidade, com peso proporcional das três categorias e assim garantindo a maioria dos estudantes. Essa batalha é parte da defesa de uma universidade a serviço da classe trabalhadora e do povo pobre e oprimido, para que sua estrutura não esteja a serviço de parcerias público-privadas e cujos conhecimentos não sirvam ao lucro das empresas, como defendeu Haddad em visita em meio à greve. Estamos em um momento em que se acelera o esvaziamento dos currículos das escolas, com o Novo Ensino Médio e a farsa do "empreendedorismo", para que a burguesia aprofunde o abismo entre a escola pública e a universidade. Pelo contrário, todo o potencial do conhecimento produzido na USP pode estar a serviço de responder às principais questões que acometem nossa sociedade e os explorados e oprimidos, como é a própria crise climática, cuja origem está nesse sistema.

Para isso, é preciso garantir a contratação de professores com a luta dos estudantes, mas também é preciso derrotar toda essa estrutura de poder. Quando o movimento estudantil entra em cena com sua luta, novos horizontes se abrem e podemos questionar e enfrentar tudo na universidade de classes, abrindo espaço ao questionamento à própria sociedade de classes.

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