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PETRÓLEO | A irracionalidade capitalista ameaça os petroleiros

Em todo o mundo, as empresas do setor petrolífero têm atacado agressivamente sua força de trabalho. A Petrobras anunciou que reduzirá seus custos operacionais em 30%; a Shell e a Stateoil, estatal norueguesa, em 40%. Por que ocorrem tais ataques?

terça-feira 14 de abril de 2020 | Edição do dia

Na última quinta-feira (09/04), a OPEP+ divulgou uma proposta de acordo para diminuir a produção mundial de petróleo em 10 milhões de barris por dia (bpd), ou 10%. Pelo acordo, a Arábia Saudita diminuiria sua produção em 4 milhões, a Rússia, em 2 milhões, e os outros 4 milhões seriam divididos entre os demais países-membros da Organização. A partir de julho, a produção deverá aumentar gradualmente até que, em abril de 2022, a diminuição tenha sido totalmente revertida. Um mês antes dessa reunião, a estatal saudita do petróleo, Saudi Amarco, aumentou sua produção em 10 milhões bpd, a fim de travar uma guerra de preços contra a Rússia pela repartição do mercado, depois que colapsou o acordo por meio do qual esses dois países definiam monopolisticamente o preço do barril de petróleo. Só esse aumento saudita equivale ao triplo da produção brasileira (3 milhões bpd) e quase a totalidade da produção russa (11 milhões bpd).

No mês de março, o petróleo Brent fechou com queda de quase 55% em relação à última cotação de fevereiro, tendo atingido o valor de US$ 22,58, o mais baixo desde novembro de 2002, e o West Texas Oil (WTI) teve queda semelhante. Se não houvesse acordo, os analistas previam que o Brent cairia a US$ 10,00 o barril, próximo da mínima histórica, atingida em 1998. A cotação muito abaixo do breakeven (preço mínimo para que a receita de venda seja igual ao custo de produção do barril) russo reconduziu o país, relutantemente, à mesa de negociação. No início de abril, o presidente dos EUA, Donald Trump, conversou com o presidente russo, Vladimir Putin, e com Mohammed bin Salman, príncipe herdeiro da Arábia Saudita; houve, então, uma ligeira recuperação dos preços, que ultrapassaram os US$ 30,00, mas voltaram a cair, embora não acentuadamente, depois que a reunião da OPEP+, marcada para o dia 06, segunda, foi adiada para quinta.

Fonte: Elaboração do autor com dados de Investing.com.

Se, por um lado, é a expiração do acordo entre Rússia e Arábia Saudita vigente até fevereiro e a interrupção da atividade econômica relacionada ao coronavírus que explicam porque a queda do preço do barril foi tão drástica, por outro, a demanda mundial de petróleo já estava crescendo a taxas declinantes desde o pós-“Grande Recessão”. Nesse sentido, o coronavírus é só uma desculpa para que as empresas petroleiras façam os ataques que pretendiam desde antes. Ao final do mês passado, estimava-se o estoque mundial de petróleo em 7,2 bilhões de barris; destes, algo entre 1,3 e 1,4 bilhão estariam armazenados em navios-tanque. Esse estoque total ocupa 75% da capacidade de armazenamento mundial, que pode se esgotar antes do final do ano e, apesar de a expansão da produção saudita ter causado um aumento dos fretes, os navios-tanque têm sido cada vez mais usados, aumentando o risco de catástrofes comparáveis ao vazamento que se seguiu a explosão da plataforma operada pela companhia British Petroleum (BP) no Golfo do México, em 2010.

Fonte: Elaboração do autor com dados de Statista.

Há duas semanas, a China alegou que irá aproveitar o preço baixo para comprar tanto petróleo que só a capacidade de armazenamento do Estado não será suficiente, recorrendo a navios-tanque privados. Ainda assim, a demanda mundial deve cair, no mínimo, 20%, ou 20 milhões bpd, em 2020, o que implicará também a perda de 50 milhões de empregos ao longo das cadeias de produção mundialmente, segundo a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês). Mesmo com o corte acordado na reunião de quinta-feira, o maior corte de produção coordenado da história, os estoques ainda devem aumentar em 15 milhões bpd no segundo trimestre deste ano. Por isso, mais negociações devem ocorrer entre a OPEP+ e países como EUA, Canadá, Noruega e Brasil para tentar subtrair outros 10 milhões bpd da oferta mundial de petróleo, ao mesmo tempo que Trump ameaça a Arábia Saudita com sanções caso esta não reduza de fato sua produção.

Antes mesmo da data prevista da reunião, a Petrobras já tinha anunciado um corte de 200 mil bpd em sua produção e de US$ 4 bilhões em relação aos investimentos planejados para este ano. A Petrobras é tão cobiçada pelo imperialismo porque, em águas ultra-profundas, sua competitividade se equipara ou até supera a da Arábia Saudita e de outros dos principais exportadores, como Irã, Iraque, Kuwait e Venezuela (ainda que o petróleo deste último seja de muito pior qualidade). Enquanto estes países têm um custo médio de extração entre US$ 10,00 e 15,00 o barril, tal custo pode chegar até a US$ 5,00 em certos campos do pré-sal! Porém, o breakeven da empresa como um todo é de US$ 21,00 o barril, perigosamente próximo das cotações do Brent ao final do mês passado. Plataformas que operam em campos de águas rasas já foram postas em hibernação, e outros fechamentos podem se suceder onde o custo de extração for mais alto, possivelmente, visando futuras privatizações, que só serão atrativas se o preço do petróleo se recuperar consideravelmente, entretanto.

Outras medidas anunciadas pela Petrobras incluem a suspensão de contratações e diminuições salariais de 10% a 30%, a depender do cargo, relacionadas à diminuição de jornadas e a mudança de regimes de turno e sobreaviso para regime administrativo, medidas estas que irão afetar mais de 20 mil trabalhadores só nos cortes salariais e através das quais a empresa estima que irá economizar R$ 700 milhões. Misteriosamente, a necessidade de conter gastos em meio ao que a própria companhia descreveu como “a pior crise da indústria do petróleo nos últimos 100 anos” não a impediu de triplicar o teto dos bônus dos diretores, o que deverá aumentar em 26,6% os gastos com a folha de pagamento.

A irracionalidade capitalista acarreta que petroleiros serão demitidos na medida em que as operações de extração menos rentáveis forem interrompidas, mas as mais rentáveis continuarão, e uma quantidade crescente de petróleo será armazenada em alto mar a espera de um improvável aumento dos preços. Para tal fim, o Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP) tem pedido ao governo que flexibilize normas de segurança pessoal e ambiental, como as que dizem respeito à manutenção de equipamentos e à obrigatoriedade dos laudos sísmicos. Para que isso não se torne outra fonte de sofrimento além daqueles associados ao coronavírus, a Petrobras deve não só ser 100% estatal, mas também submetida à administração direta dos petroleiros junto à classe trabalhadora.




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