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A revolução é possível?

Diana Assunção

Vitória Camargo

A revolução é possível?

Diana Assunção

Vitória Camargo

Como lidar com o enorme ceticismo causado pelos anos de pandemia e bolsonarismo que produzem uma lógica de pensamento reformista com o único objetivo de apagar do horizonte das novas gerações a possibilidade de uma revolução operária e socialista? Neste artigo, propomos voltar aos debates da jovem Rosa Luxemburgo sobre a viabilidade da revolução socialista contra o revisionismo, para pensar as consequências de um pensamento reformista e de mudanças graduais frente à situação de crise capitalista atual e refletir sobre o discurso distópico que leva a parecer mais simples a catástrofe do fim do mundo do que uma revolução. Em uma segunda parte, na próxima semana vamos buscar analisar as mudanças disruptivas do processo revolucionário na Rússia e sua degeneração com o mesmo propósito de trazer conclusões para os dias de hoje e para os nossos desafios.

Reforma ou Revolução

O debate sobre a viabilidade ou não de uma revolução não é de hoje. Diz respeito a mais de um século de debates na história do socialismo internacional. Uma das discussões mais conhecidas sobre esse tema foi o debate entre Rosa Luxemburgo e Eduard Bernstein, importante dirigente da social-democracia alemã do começo do século XX. Debatendo com esta verdadeira “sumidade” do marxismo Rosa era nada menos do que uma jovem de 23 anos defendendo a viabilidade da revolução. O combate que Rosa estava dando era diretamente contra o revisionismo de Bernstein que substituía a estratégia da revolução social por democratizar o capitalismo. Vale ressaltar que quando Rosa fazia essa defesa científica da viabilidade da revolução a situação concreta não era muito favorável a acreditar nessa possibilidade: já se tratavam de mais de 30 anos sem revoluções e a situação política depois de muitos ataques e leis anti-socialistas estava um pouco mais estável, como explicamos abaixo.

Durante o final do século XIX, o capitalismo mundial atravessou uma transformação importante que permitiu uma forte recuperação da economia depois da crise econômica de 1873, o que abriu espaço para maiores concessões à classe trabalhadora. Esse momento já era a base para a fase imperialista da economia mundial algumas décadas depois. Nesse contexto, o Partido Social Democrata Alemão teve um crescimento impressionante, que se multiplicou depois da anulação das leis antissocialistas de Bismarck em 1890, que limitavam a atuação dos socialistas, ganhando assim muito peso nos sindicatos e no parlamento. Nesse ano, o partido teve 1.400.000 votos e 35 deputados entraram no Reichstag, que era o parlamento alemão, enquanto publicavam jornais diários e semanários. Em 1905, chegou a conquistar 400 mil filiados, e, em 1912, converteu-se na primeira força parlamentar com 110 deputados. Nesse momento, além disso, tinha associações operárias, agrupações de mulheres e culturais.

Esse importante desenvolvimento, no marco de uma situação sem grandes acontecimentos da luta de classes desde a derrota da Comuna de Paris, levou a que grande parte da direção social democrata se adaptasse à “rotina da tática”, parlamentar e sindical, permitindo que emergisse no seu seio uma tendência oportunista encabeçada pelos líderes sindicais, integrantes do bloco parlamentar e intelectuais. Pierre Broué, importante historiador trotskista, apontou que nos primeiros anos do século XX o aparato da socialdemocracia alemã se construiu sob o espírito “da eficácia eleitoral e do incremento do número de votos e representantes, durante um período de relativa calma social e de refluxo operário, com a preocupação de evitar que os conflitos internos influenciassem no impacto eleitoral do partido e que a fraseologia revolucionária de sua ala radical ou as reivindicações dos operários menos favorecidos assustassem o eleitorado, supostamente moderado, da pequena burguesia democrática e das camadas operárias mais conservadoras. O revisionismo de Bernstein e o reformismo dos dirigentes sindicalistas tinham fincado suas raízes em uma conjuntura econômica que nutria uma ideologia otimista de progresso contínuo e pacífico”. Ou seja, o pensamento reformista gradualista se nutria de uma conjuntura política muito específica na qual as conquistas eleitorais pareceriam localizar melhor a situação dos trabalhadores e em um momento do capitalismo em que alguns desses teóricos revisionistas argumentam que já não se tratava mais de destruir o capitalismo. 10 anos depois desses debates o mundo viu a I Guerra Mundial com consequências catastróficas para a população trabalhadora e pobre de todos os países.

Então é nesse contexto que a ameaça de que alguma nova proibição, como as leis de Bismarck, impedisse a socialdemocracia de seguir crescendo, e colocasse em perigo as posições conquistadas, atuava como um fator de moderação discursiva e adaptação na atuação prática. Esse tipo de “ameaça” de novos ataques e das posições conquistadas eleitoralmente é um constante em momentos distintos da história, até os dias de hoje. As tendências oportunistas decorrentes deste contexto tiveram uma forte expressão teórica na obra de Bernstein, que efetuou uma revisão completa do marxismo. Ele dizia que o capitalismo tinha conseguido superar as crises gerais que havia analisado Marx como premissa da mudança revolucionária. A luta pelo socialismo já não passava pela revolução nem pela luta de classes, mas avançaria de forma pacífica e gradual com a ampliação da democracia parlamentar, a influência da socialdemocracia nos sindicatos e as cooperativas operárias. O movimento pela conquista de reformas se convertia em um fim em si mesmo, daí a famosa frase de Bernstein: “O objetivo final, qualquer que seja, não significa nada, o movimento é tudo”. Rosa em seu livro Reforma ou Revolução dizia que Bernstein com toda sua teoria só tendia a aconselhar uma renúncia à transformação social e, ao contrário, transformar a reforma social (que deveria ser um meio na luta de classes) no seu próprio fim.

Nesse livro, Rosa vai sustentar que a luta por reformas é o caminho que orienta a luta para trabalhar pelo “fim último” que é a conquista do poder político e a abolição do sistema de trabalho assalariado. Reforma e revolução não eram antagônicos senão que a luta revolucionária, como estratégia, incluía o momento da luta parcial por reformas, mas a estratégia da reforma social era um obstáculo na luta por uma nova sociedade como Rosa sintetiza dizendo: “Vai contra o processo histórico apresentar a obra reformista como uma revolução prolongada a longo prazo e a revolução como uma série condensada de reformas. A transformação social e a reforma legislativa não diferem por sua duração, mas sim pelo seu conteúdo”.

Então quem defende a reforma legislativa no lugar da conquista do poder político e a revolução social em oposição a estas, na realidade não está optando por uma via mais tranquila, calma e lenta até o mesmo objetivo, mas sim está optando por um objetivo diferente. No lugar de defender a instauração de uma nova sociedade, o fazem pela modificação superficial da velha sociedade. E Bernstein foi justamente o primeiro a contrapor esses dois aspectos a favor da estratégia da reforma social, negando a tomada do poder, mas “em nome do socialismo”. Ele aconselhava, sem dizer dessa forma, o abandono da revolução social como fim transformando as reformas sociais em objetivo final.

Rosa respondeu a isso de forma brutal: “o objetivo socialista é a única coisa que diferencia o movimento social democrata da democracia burguesa e do radicalismo burguês”. Ela diz que o objetivo socialista é o único fator que transforma todo o movimento operário de um inútil trabalho de remendo para salvar a ordem capitalista em uma luta de classe contra essa ordem, pela sua abolição.

A questão é que Bernstein afirmava que o desenvolvimento do capitalismo tornava cada vez mais improvável o seu colapso e cada vez mais provável os “meios de adaptação” do capitalismo. Essa ideia levava a uma conclusão: a socialdemocracia já não deve orientar sua atividade cotidiana até a conquista do poder político, mas sim a melhora das condições da classe operária dentro da ordem existente. A essa ideia Rosa respondia de forma também categórica: “Desde o ponto de vista do socialismo científico, a necessidade histórica da revolução socialista se manifesta sobretudo na anarquia crescente do capitalismo, que o conduz a um beco sem saída. Mas se se admite a hipótese de Bernstein de que o desenvolvimento capitalista não se encaminha até seu próprio colapso, então o socialismo deixa de ser uma necessidade objetiva”.

Aqui fica evidente uma diferença fundamental. Apesar de que em 1898 ainda não tivesse amadurecido por completo a superação da teoria do colapso, Rosa, baseada no materialismo histórico dialético, no estudo econômico científico a partir de O Capital, dos mecanismos do capitalismo em uma nova época – que ainda não era plenamente a época imperialista de crises, guerras e revoluções, mas sim um prelúdio dela -, defende que o socialismo não é um IDEAL mas sim uma questão objetiva, científica. Que as premissas objetivas do socialismo seguiam sendo válidas. Que o socialismo não era uma aspiração moral, um desejo baseado em idealismo como para Bernstein, mas uma possibilidade concreta e real baseada na análise das contradições do capitalismo moderno. Só isso dá sentido a lutar pelo socialismo, porque se fosse possível chegar ao socialismo de outra forma mais fácil que fazer uma revolução seria bom, mas não é.

E por isso Rosa explica que o fundamento científico do socialismo reside nos três resultados principais do desenvolvimento capitalista. Primeiro, a anarquia crescente da economia capitalista, que conduz inevitavelmente à sua ruína. Segundo, a socialização progressiva do processo de produção, que cria os germens da futura ordem social. E terceiro, a crescente organização e consciência da classe operária, que constitui o fator ativo na revolução que se avizinha, em suas palavras. Por isso, ela questiona a ideia de “meios de adaptação” colocada por Bernstein dizendo que desde o ponto de vista de seus efeitos finais sobre a economia capitalista, os cartéis e os trusts não servem como “meios de adaptação”. Que o desenvolvimento dos monopólios e do sistema de créditos não “adaptam” mas sim aumentam as contradições do capitalismo que dessa forma não tinha como superar sua tendência à crise. Ao contrário, aumentam a anarquia da produção, estimulam contradições e aceleram a chegada de um declínio geral do capitalismo.

Mas, para Bernstein, os meios para a implantação do socialismo eram os sindicatos, as reformas sociais e a democratização política do estado. Então podemos definir que a teoria de Bernstein é uma “teoria da implantação gradual do socialismo através das reformas”. Por isso Rosa busca demonstrar como as relações de produção capitalistas dão as bases para a possibilidade de existir o socialismo, mas suas relações políticas e jurídicas colocam um muro irreversível entre a sociedade capitalista e a socialista. Por isso nem as reformas sociais nem a democracia debilitam esse muro, mas o tornam mais firme e alto, porque são reformas e “democracia” no capitalismo e não no socialismo. Por isso somente a defesa frontal da revolução socialista, como fim último, ou seja, a conquista do poder político pelo proletariado poderá derrubar esse muro. Então a teoria bernsteiniana, no que se refere a seus fundamentos teóricos, priva o programa socialista de sua base material e lhe dá uma base idealista.

Mas para Rosa se as reformas sociais são convertidas em fins em si mesmo, toda a atividade prática da social-democracia não somente não leva ao objetivo final do comunismo, senão que se move na direção oposta. Nas suas palavras: “O socialismo não surge automaticamente e sob qualquer circunstância da luta cotidiana da classe operária, senão que só pode ser consequência das cada vez mais agudas contradições da economia capitalista e do convencimento, por parte da classe operária, da necessidade de superar tais contradições através de uma revolução social. Se se nega o primeiro e se rechaça o segundo, como faz o revisionismo, se converte o movimento operário em uma simples associação sindical, em reformismo, e conduz automaticamente ao abandono do ponto de vista de classe”. E finaliza dizendo: “A maior conquista da luta de classes do proletariado foi a descoberta de que os cimentos para a realização do socialismo se encontram nas relações econômicas da sociedade capitalista. Por isso, o socialismo deixou de ser um ideal e se converteu em uma necessidade histórica”.

Nesse raciocínio, o socialismo de Bernstein seria mais próximo de um plano para que os trabalhadores participem da riqueza social para converter pobres em ricos. Por isso, para Rosa, Bernstein recaía em teorias pré-marxistas que apresentavam uma transformação gradual e pacífica da sociedade capitalista, elaboradas em um momento em que a classe operária recém começava a dar seus primeiros passos. É a defesa do materialismo histórico contra o evolucionismo vulgar do progresso que junto ao idealismo liberal atacavam a dialética. Uma lição de método dialético contra uma posição mecânica e empirista. Rosa inclusive chegou a dizer que caso a classe operária chegasse ao poder a conclusão “prática” que tiraria da teoria do Berstein seria ficar dormindo.

Essa luta teórica preparou as batalhas que Rosa encarou anos depois diante do crescente oportunismo na direção do SPD. Karl Kautsky, com quem batalhou junto contra Bernstein, foi seu novo oponente numa dura polêmica agora não sobre o objetivo final, mas sim sobre “como chegar até esse objetivo final” da tomada do poder. A polêmica era, essencialmente sobre como ligar os “combates isolados” como as eleições parlamentares, a atividade sindical, as greves (e hoje podemos incluir a atuação nos movimentos democráticos como o movimento de mulheres, o movimento negro) com o “objetivo da guerra” pra usar termos militares (a tomada do poder pelo proletariado). Este debate surge da contradição que atravessava a II Internacional entre o seu programa e a sua prática concreta, com cada vez mais peso parlamentar transferindo o “centro de gravidade” da socialdemocracia alemã da “luta de classes” para o “parlamento”. Isso também é muito atual. Essas discussões com Bernstein e Kautsky, na verdade, não se separam.

A questão é que mais profundamente a batalha por ligar as reformas com o objetivo final da revolução só começou a ser resolvido, em primeiro lugar em 1917, mas de forma generalizada teoricamente pela III Internacional nos seus Congressos especialmente em 1920, 21 e 22 quando começam a discutir um programa TRANSICIONAL em base as experiências concretas como a Revolução Russa e também a derrota da Revolução Alemã e é o importante revolucionário russo Leon Trotski quem termina de desenvolver isso somente em 1938 com o Programa de Transição. Ou seja, Rosa apontou muito profundamente em seu livro Reforma Social ou Revolução que as reformas sociais não podem virar um fim em si mesmo, que elas devem ser medidas parciais que devem ser utilizadas como ponto de apoio para o objetivo final da revolução. Entretanto nesta obra Rosa não aborda qual é a “ponte” que relaciona essas medidas parciais (reformas) com o objetivo final, e nem mesmo a posterior discussão com Kautski dá conta disso ao debater a relação entre as batalhas táticas e o objetivo final, são duas coisas diferentes. Uma é o programa (do mais mínimo até a tomada do poder) e outro é a estratégia (como conduzir as batalhas táticas). A questão é que este problema ainda não estava resolvido na época em que Rosa elaborou essa obra. Porque do ponto de vista concreto toda a batalha pelo “objetivo final” ainda era digamos assim “abstrata” porque a revolução não estava colocada “na ordem do dia”. Rosa fez essa polêmica antes da Revolução Russa de 1905 e antes da I Guerra Mundial, antes de que a discussão se desse em termos de uma nova época, a imperialista, de crises guerras e revoluções como colocava Lenin. Quando ela escreveu Reforma ou Revolução, não tinha revoluções, a última experiência tinha sido a Comuna de Paris, que foi derrotada e da qual os revolucionários do começo do século XX tiraram uma série de lições. E, ainda que sem revoluções no horizonte, a jovem Rosa de 23 anos diante de uma forte social-democracia que crescia cada vez mais não permitiu que se apagassem do seu imaginário, a partir das bases científicos do marxismo revolucionário, a necessidade de uma revolução operária e socialista. Desta defesa brilhante feita por Rosa, apesar dos limites da época, podemos pensar quais são os argumentos teóricos para os que, depois do que foi toda a história do século XX, defendem que não é possível a revolução ou apresentam outras variantes por dentro do sistema capitalista.

Os caminhos do reformismo para anular um pensamento disruptivo na juventude

O fim da URSS e a queda do Muro de Berlim, dando impulso à ofensiva imperialista do neoliberalismo, significaram o fortalecimento ideológico naquele momento do que chamamos de "triunfalismo capitalista". Isto é, tentaram vender às gerações dos 90 e início dos 2000 que o capitalismo tinha vencido e, basicamente, era o fim da história; restava aprimorar as engrenagens desse sistema para caminharmos, no máximo, à gradual ampliação e acumulação de direitos, enquanto nos atacavam com mais intensidade. Mas a crise capitalista de 2008 novamente desnudou ao mundo o que marxistas como Rosa já sabiam há mais de um século, quando polemizavam com Bernstein: longe de as contradições desse sistema estarem se harmonizando, a irracionalidade da anarquia capitalista ditada pelos interesses do lucro leva inevitavelmente a crises agudas. As gerações que vivenciam os desdobramentos dessa crise, com uma guerra no coração da Europa, na Ucrânia, longe de experimentarem a sensação de "progresso" de Bernstein vêm sendo definidas por alguns autores como aquelas que mais vêem o "fim do mundo", a partir de uma gradual decadência desse sistema, do que o fim do capitalismo.

A cada crise, mais uma vez as burguesias dos diversos países buscam aprofundar o sofrimento, a exploração e a opressão sobre a classe trabalhadora, a juventude, as mulheres, negros, indígenas e LGBTs. Vemos cada um dos direitos que foram arrancados com luta em um momento anterior, mesmo que limitados, serem ameaçados, rifados e possivelmente enterrados e, por sua vez, a burguesia busca aprovar novos ataques, mostrando que a história definitivamente não se trata de um acúmulo gradual e linear de direitos, nem de decadência. Se assim o fosse, o que explica que a classe trabalhadora no Brasil está mais próxima das condições de trabalho do século XIX do que em diversos outros momentos do transcurso do último século? Claro, o resultado dessas ofensivas capitalistas depende da resposta: do mundo árabe em 2010 aos Estados Unidos em 2020, com destaque para a França de hoje e grande presença na América Latina, a luta de classes tem teimado em reaparecer na arena internacional, na forma de revoltas, embates violentos e mesmo fortes greves operárias, mostrando que não vai ser tão simples para a burguesia recompor seus lucros avançando contra os explorados e oprimidos do mundo.

Mas Brasil dos últimos anos também nos trouxe lições. Por um lado, demonstrou que a "democracia" (burguesa), na qual Bernstein confiava como o vetor das reformas graduais rumo ao socialismo, definitivamente não tem nenhum valor "em si mesma" para as classes dominantes, já que, quando precisaram articular um golpe para acelerar ataques, em base às instituições do Congresso, do Judiciário, da mídia, e com apoio do imperialismo, isso foi feito. Para garantir a aprovação de duras reformas e ataques, como a Trabalhista e do Novo Ensino Médio, que fazem do presente e futuro da juventude trabalhadora mais precários e miseráveis, os capitalistas foram degradando os poucos elementos democráticos no interior do regime político brasileiro podre e abrindo espaço à extrema direita e a distintos autoritarismos. O bolsonarismo, que convenceu uma parte da sociedade a buscar na extrema direita a saída para a crise, com suas ideologias racistas, misóginas e LGBTfóbicas, é expressão também dessa barbárie capitalista e desse regime político ainda mais degradado.

Por sua vez, se, nos anos 2000, os governos do PT eram o pilar de um "sentimento gradualista", de que aos poucos a vida estava melhorando e que inclusive um setor da classe trabalhadora estava ascendendo, ao passo que se mantinham os pilares do neoliberalismo no Brasil e se faziam todo tipo de alianças e concessões fortalecendo a direita, agora vemos um PT que se aliou mais do que nunca aos golpistas do passado para preservar os principais ataques dos últimos anos contra a juventude e a classe trabalhadora. Se antes já "não era bem assim", gradual, o que dizer sobre "mudanças graduais" após 15 anos da eclosão da crise em um mundo marcado pelo aprofundamento da miséria e em um país com uma base de extrema direita que segue sendo um fator na realidade, mesmo que diferentemente dos anos no poder?

Já que "tudo que é sólido se desmancha no ar", as frágeis bases do gradualismo se desfizeram como poeira ao vento. Agora, a lógica é de que é preciso primeiro "acabar com a extrema direita", depois "recompor o que perdemos" nesses terríveis últimos anos e somente aí começar a refletir e construir a "viabilidade da revolução". Mas essa lógica esbarra em um elemento decisivo: nenhum desses objetivos elementares, que podem ser vistos como "imediatos", vai ser conquistado de maneira harmoniosa com a burguesia e suas instituições, muito menos com concessões aos próprios representantes da extrema direita, como Tarcísio de Freitas. A luta de classes, como costuma ser, é o único caminho, e vai precisar de forma independente do governo da frente ampla que tem importante peso burguês.

Justamente, os efeitos de anos tenebrosos de uma extrema direita no poder e tantos ataques, que não encontraram do outro lado uma resposta à altura nas ruas e nos locais de trabalho, fazem o caminho desse combate parecer uma possibilidade distante. Para alguns, o Brasil quase passou a ser o país do "homem cordial", que, enquanto a América Latina é palco de intensas revoltas, tem no seu gigante uma "ilha de estabilidade", não importa o que aconteça. Vendem isso no país dos heróicos quilombos, como Palmares, das revoltas dos escravizados, da Cabanagem, do ascenso de greves operárias que colocaram a ditadura militar em xeque. A classe trabalhadora "pacífica" do Brasil é justamente essa classe operária que já se pôs a lutar e se levantou nos momentos mais adversos, herdeira da luta negra.

Bem, a quem serve fazer parecer que esses brilhantes capítulos da nossa história ficaram no passado? A quem serve fazer parecer que é mais provável o fim do mundo do que o fim do capitalismo? Claro, aos que, no dia-a-dia querem sustentar a ordem burguesa, não derrotá-la. Aos que temem mais a desestabilização do regime do que a população padecendo nos trabalhos semiescravos, na terceirização, na uberização. A serviço disso, a passividade e a desmoralização são construídas a cada combate não dado pelas centrais sindicais e pelo movimento de massas, a cada ataque que passou sem resistência. Vide que, enquanto os Metroviários de São Paulo acabaram de sair de uma greve aprovada inicialmente contra uma ala da direção do sindicato e que impôs uma derrota parcial a Tarcísio, justamente as centrais sindicais chegaram ao ponto de convidar esse governador , da extrema direita, para o ato Primeiro de Maio, e mesmo o PSOL, que carrega o socialismo (só) no nome, em sua última resolução de direção não se opõe ao novo arcabouço fiscal aplaudido pelos bancos e neoliberais de todo tipo mas busca aperfeiçoá-lo. Tudo isso vai colaborando para reforçar uma profunda resignação, de que a luta de massas é quase impossível, de que a classe trabalhadora brasileira e o povo pobre não lutam, de que a luta de classes é, no máximo, um horizonte distante, então resta sustentar o mal menor, com alguns ataques, porque se não a extrema direita se fortalece e é pior. Ou seja, toda a forma de pensar está no campo das supostas possibilidades do momento, e que não incluiriam a luta de classes.

Assim, a visão de que a revolução é um ideal longínquo serve justamente para que, mesmo que sem entusiasmo, terminemos depositando nossas expectativas nas instituições do Estado capitalista e no governo. Querem que a juventude termine confiando em tudo o que foi parte de nos trazer até a extrema direita, sem nunca enfrentá-la, mas não na possibilidade de que a classe trabalhadora possa se levantar. Entretanto, não há um muro que separa a luta contra a extrema direita e o enfrentamento aos ataques, que se mostra a cada dia que deve se dar independentemente do governo que diz que não vai revogar nenhuma das reformas, e a perspectiva da revolução operária e socialista, como diria Rosa Luxemburgo. Não são distintas "etapas" a serem percorridas, já que são elementos que, ao se chocarem justamente com os interesses da classe que sustenta esses ataques e retroalimenta a extrema direita, podem impulsionar uma luta aguda. Não há um muro entre o combate à Reforma da Previdência na França, defendendo-se de um ataque, e a possível passagem a uma situação revolucionária. Para isso, a classe trabalhadora precisa contar com uma perspectiva disruptiva, preparada para batalhar por outros caminhos quando a luta se dá - para que mesmo a revolta se transforme em revolução.

Assim, o crescente interesse de setores da juventude filha da crise capitalista pela ideia do comunismo demonstra um importante anseio por pensar que outra sociedade é possível, que não a do fim do mundo. Estamos falando de uma sociedade que possibilite "a cada um segundo suas necessidades" e exija somente "de cada um segundo suas capacidades", reestabelecendo um metabolismo em harmonia com a natureza, como diz Marx. Estamos falando de grandes aspirações. Mas, para que esse sonho vibrante, não seja somente um "sonho", "ideal" longínquo, enquanto a barbárie parece pairando sobre nós, queremos debater com cada jovem e estudante que o "fim" que almejamos precisa encontrar um "meio" à altura de alcançá-lo, a revolução operária e socialista - sob pena de que a luta pelas reformas descolada da revolução seja, na prática, um obstáculo para esse sonho.

Para nós, a revolução não está na próxima "esquina", mas tampouco é somente um "ideal". Sua possibilidade está inscrita nas contradições desse sistema, que empurra a crises e guerras, mas também a lutas agudas que podem se tornar revoluções. Mas, para que se realize, é fundamental que os que sonham com um mundo novo depositem suas energias na construção de uma perspectiva (organização, partido) revolucionária que supere toda a conciliação de classes, que derrube o muro entre como se pensa o que se faz agora e o que se sonha para depois. Defendemos e batalhamos por construir uma esquerda que, em cada greve, em cada luta desde já, como fizemos no último período não só no metrô, mas ao lado das terceirizadas em várias universidades, organizando a "prática", prepare-se para mudanças repentinas em uma situação internacional de tanta instabilidade e tenha condições de fazer a diferença para que a enorme energia dos oprimidos encontre uma estratégia capaz de vencer.


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Diana Assunção

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