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OPINIÃO | A vacina finlandesa sem patente e o boicote da indústria farmacêutica

Poucos sabem, mas um grupo de cientistas na Finlândia está desenvolvendo uma vacina sem patentes. A vacina, apelidada de “Linux”, está com as pesquisas estancadas por falta de apoio dos governos e das indústrias farmacêuticas.

sexta-feira 26 de março de 2021 | Edição do dia

A escassez de vacinas em sido um problema praticamente global. Como mostramos nesse artigo, uma das principais razões é que o monopólio da produção por uma dúzia de empresas – monopólio esse garantido pelo sistema de patentes – limita a produção mundial. Como resultado, em quase todos os países do mundo a vacinação ainda está muito aquém do ideal.

Aqui no Brasil tal fato é agravado pelo negacionismo de Bolsonaro. No entanto, a oposição supostamente “racional” não faz nenhum questionamento ao sistema de patentes. Pelo contrário, consideram-no natural, algo contra o qual não tem muito o que se fazer. Suas críticas ao governo Bolsonaro apenas se limitam a que este não teria negociado as vacinas bem o suficiente, no entanto não entram no problema de fundo das patentes.

O argumento comumente usado para defender o sistema de patentes seria que este seria essencial para a produção de inovações tecnológicas, pois garantiria o lucro das mesmas. Tal fraseologia liberal não encontra sustentação na realidade. Como Lenin já dizia em suas análises sobre o imperialismo há 100 anos atrás, o monopólio acaba por ser um empecilho ao desenvolvimento da técnica e da ciência, dando a esse estágio do capitalismo um aspecto altamente parasitário. Tal postulado se mantém verdade até o dia de hoje.

Enquanto as grandes farmacêuticas fazem o mundo de refém na questão da vacinação, outras pesquisas que não estão vinculadas à essas empresas não recebem quase nenhum investimento – ou pior – são constantemente boicotadas. É o caso de um grupo na Universidade de Helsinque, capital da Finlândia.

Em maio do ano passado, os pesquisadores desenvolveram uma vacina sem patente. A vacina usa uma tecnologia inovadora que usa um adenovírus para transportar as instruções genéticas para sintetizar a “proteína de pico”. Tem uma imunização similar às vacinas que usam a técnica de RNA mensageiro, como a da Pfizer e da Moderna. No entanto, a vacina finlandesa não precisa ser armazenada em temperaturas tão baixas. Para melhorar, a vacina ainda possui aplicação nasal. Além da vantagem de não necessitar de seringas, a aplicação nasal pode ser mais eficaz em induzir uma imunidade esterilizante (ou seja, uma imunidade em que não se pega e nem se transmite a doença – diferente da imunidade conferida pela maioria das vacinas disponíveis atualmente, cuja eficácia maior é em diminuir sintomas e letalidade e não bloquear a transmissão), segundo um dos desenvolvedores da pesquisa.

A vacina foi apelidada de “vacina Linux”. Isso porque, além de não ter patente, a vacina é desenvolvida em “código aberto”, ou seja, todos os dados dela são publicados integralmente – algo que só é possível graças a ausência da patente. Dessa forma, além de facilitar o acesso ao imunizante, tal método ainda ajuda a garantir a confiabilidade do mesmo.

Mas sob o capitalismo, nem tudo são flores. Apesar do imenso potencial, a vacina está parada há 10 meses. Mesmo já estando pronta e tendo sido feito os experimentos pré-clínicos (em animais), seu avanço está paralisado por uma razão: não conseguem o financiamento para fazer os testes de larga escala em humanos. Estamos falando de bilhões de dólares? Segundo a revista Jacobin, seriam necessário apenas 50 milhões de dólares. Muito menos do que várias grandes farmacêuticas conseguiram de apoio estatal. No entanto, não apareceram grandes empresas interessadas em financiar a pesquisa. Mesmo após os pesquisadores terem criado a empresa farmacêutica Rokote Laboratories para tentar buscar fomento privado, a dificuldade financeira persiste.

Já o governo finlandês também não parece muito animado em impulsionar a vacina. Segundo ele, não sendo uma grande empresa, existiria muita dificuldade em torno de problemas jurídicos relacionados às responsabilidades envolvendo possíveis efeitos colaterais e outros problemas. O curioso é que a maioria dos contratos de vacinas firmados isentam as grandes farmacêuticas da responsabilidade por eventuais efeitos colaterais, transferindo essa responsabilidade aos Estados. Cabe dizer que até a 2003 a Finlândia possuía um programa público nacional de desenvolvimento de vacinas. O programa que era centenário foi então encerrado pelo governo social democrata para favorecer as grandes farmacêuticas.

Dessa forma, vai ficando cada vez mais evidente o papel que as grandes farmacêuticas aliadas aos governos – muitos dos quais são tidos como “racionais” – em contribuir para a catástrofe sanitária que nos encontramos. Cabe dizer que também existem outras pesquisas promissoras que não recebem investimento. Aqui mesmo no Brasil há pesquisadores da USP que estão desenvolvendo uma vacina nasal, mas essa pesquisa provavelmente não conta com grandes estruturas como das grandes indústrias farmacêuticas.




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