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Antunes: “A luta pela redução da jornada de trabalho e contra a divisão entre empregados e desempregados é o embrião de uma luta anticapitalista.”

Redação

Antunes: “A luta pela redução da jornada de trabalho e contra a divisão entre empregados e desempregados é o embrião de uma luta anticapitalista.”

Redação

O Ideias de Esquerda Argentino entrevistou Ricardo Antunes, professor de Sociologia do Trabalho do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH/UNICAMP). Autor de vários livros, entre eles "Os sentidos do trabalho", "Trabalho e capitalismo", "Adeus ao trabalho?", Publicou também "Riqueza e miséria do trabalho no Brasil", Vol. I, II e III (Boitempo) e Trabalho e emancipação (Ed. Expressão Popular). Colabora em revistas académicas no Brasil e no estrangeiro e é membro do conselho consultivo da revista Herramienta.
Transcrevemos aqui a entrevista que buscou dar um panorama da atual situação da classe trabalhadora diante das velhas e novas teorias pós-capitalistas, pós-industriais e do “fim do trabalho”. Analisamos o crescimento exponencial da precarização, de mãos dadas com a terceirização, imposta pelo neoliberalismo, cuja versão mais moderna pode ser vista no chamado “capitalismo de plataforma”. Diante dessas situações, Antunes oferece sua visão da luta pela distribuição da jornada de trabalho em chave anticapitalista e sobre qual projeto e qual estratégia uma esquerda verdadeiramente revolucionária deve ter diante de esquerdas consideradas progressistas que chegam ao poder com um discurso de mudança, para acabarem sendo administradores do capitalismo a partir do aparelho de Estado.

Ideias de Esquerda: Alguns autores falam em “pós-capitalismo” e “fim do trabalho”, outros dizem que vivemos em uma sociedade “pós-industrial”, no aspecto da preponderância da “industrialização dos serviços”. Mas em uma entrevista recente você falou em "recomposição do trabalho". Poderia explicar esse conceito?

Ricardo Antunes: Sim, a tese do pós-capitalismo é um completo equívoco, um erro. Nunca o capitalismo foi tão capitalista como hoje, tão destrutivo, tão explorador, de tal maneira para o enriquecimento das grandes corporações globais. A ideia de pós-capitalismo está errada na medida em que se apoia na ideia de “adeus ao trabalho” (também conhecido como teorias do “fim do trabalho”, NdE)

Escrevi um livro chamado “Adeus ao Trabalho?”, com ponto de interrogação, que foi publicado pela editora Tool na Argentina, e depois “Os sentidos do trabalho”, em ambos desconstruí aquela tese. Não existe capitalismo sem trabalho, enquanto existir capitalismo existirá trabalho.

A questão é se o trabalho sofreu uma reestruturação, porque o capitalismo é um sistema de reestruturação produtiva permanente. Por exemplo, outra tese equivocada costuma dizer que estamos em uma era e uma sociedade pós-industrial pelo papel dos serviços. Não concordo, é um erro, é uma tese eurocêntrica.

Não vivemos numa sociedade pós-industrial, porque a indústria tem três grandes momentos: o primeiro, a indústria de transformação, por exemplo, com a indústria têxtil, e toda a industrialização dos séculos XVIII, XIX e XX, podemos chamá-la de indústria de transformação. Paralelamente a esta indústria nos séculos XIX e XX tivemos a transformação capitalista da agricultura, ou a industrialização da agricultura se assim quisermos.

No Volume II de O Capital, Marx é bem claro quando diz que existe uma indústria de serviços e cita o exemplo da indústria de transportes e da indústria de armazenamento de produtos, que são indústrias, ou seja, há um processo de industrialização dos serviços. Uma coisa é, por exemplo, o serviço público de saúde, outra coisa é o serviço privado de saúde, uma coisa é o serviço público de eletricidade que não dá lucro, outra coisa é a indústria privada de energia elétrica, como temos aqui no Brasil, na minha casa a energia elétrica é fornecida pela empresa CPFL dominada pelo capital chinês. Portanto, há um processo de industrialização dos serviços que fortalece o capitalismo, não é pós-capitalista, e é claro que com isso, a classe trabalhadora ou a classe trabalhadora que nos séculos XVIII e XIX era predominantemente industrial e no século XIX e no século XX também se tornou - em segundo lugar - uma classe trabalhadora rural, o proletariado rural, desde o final do século XX - 1970, há uma explosão mundial da indústria de serviços privados, que gerou o que chamo de novo proletariado de serviços da era digital (“O Privilégio da Servidão”, 2018. NdE) Infelizmente, este ensaio ainda não foi publicado na Argentina, mas está sendo traduzido, em parte, por uma editora do Peru, espero que este livro seja publicado em breve na Argentina porque já foi publicado em outros países europeus.

Mas retornando, a classe trabalhadora é mais heterogênea, mais fragmentada, mais complexa, isso tanto na indústria como na agricultura, na agroindústria, como a indústria de serviços, e nos serviços industriais, então não há redução da classe trabalhadora, mas um crescimento dela. Naturalmente há uma redução do proletariado industrial, em muitos países - especialmente na Europa e nos Estados Unidos - há uma redução do proletariado industrial, mas ao mesmo tempo há uma expansão monumental do proletariado industrial [em outras regiões, NdE] como na China há mais de 30 anos e também na Índia.

Em outras palavras, a classe trabalhadora hoje engloba, a meu ver, todos os homens e mulheres que vivem da venda de sua força de trabalho. Criei, em 1995, uma definição literária, não é conceitual, é literária: “a classe que-vive-do-trabalho”. Ocorreu-me porque em 1995 André Gorz falava da “não classe dos não trabalhadores” (ele mesmo havia dado o script).

Qual é a não classe que vive do não trabalho? É um erro completo. Por isso eu disse: "a classe-que-vive-do-trabalho" foi uma forma resumida de dizer que, seguindo Marx e Engels, a classe trabalhadora é a classe que vive da venda da força de trabalho. A ideia dos hífens foi uma forma literária de mostrar que está mais fragmentado hoje, já estava fragmentado ontem: homens, mulheres, brancos, negros, imigrantes, jovens, velhos, qualificados, não qualificados.

A classe trabalhadora sempre foi muito fragmentada, e isso é uma imposição do capital, mas agora tem ainda mais heterogeneidade e é ainda mais complexo, essa é a minha visão.

IdE: Com base no que você descreveu, explica-se a fragmentação da classe trabalhadora, processos como a “uberização do trabalho” no que você chama de “capitalismo de plataforma”. Um capitalismo que agora extrai seus lucros da generalização da precarização, algo que se revelou cruamente, para os trabalhadores, na pandemia. Você pode nos contar um pouco sobre esse processo?

Antunes: Sim, primeiramente gostaria de esclarecer que o nome "capitalismo de plataforma" não é meu, pertence a um intelectual inglês chamado Nick Srnicek que escreveu um livro chamado "Capitalismo de plataforma", o conceito não é meu, mas gosto essa ideia de forma descritiva, não conceitual, porque não existe capitalismo de plataforma, assim como não existe capitalismo digital, não existe capitalismo do conhecimento, etc. Não, o capitalismo é um sistema, um modo de produção, mas o “capitalismo de plataforma” é empiricamente interessante porque fala da expansão das plataformas, dentro do capitalismo.

O correto seria dizer que as plataformas hoje estão dentro de tudo no capitalismo, na agricultura, na indústria, nos serviços, no agronegócio, em tudo. Hoje é quase impossível ter um emprego sem algum nível de trabalho digital. É por isso que essa ideia de capitalismo de plataforma é empiricamente interessante, mas não como conceito porque, repito, não existe UM capitalismo de plataforma. Por exemplo, se eu fosse definir o capitalismo financeiro, que é a forma hegemônica do capitalismo hoje, eu me perguntaria: qual é o ramo que mais tem crescido dentro desse capitalismo financeiro em nosso tempo? Uber, Cabify, Amazon, Rappi, Airbnb, além do Facebook, WhatsApp, enfim: existe um mundo de plataformas.

Qual é a grande jogada da “burguesia global”? O capitalismo vive uma crise estrutural, não conjuntural. A natureza foi destruída, a classe trabalhadora nunca esteve tão precária como hoje e a desigualdade é substantiva: a opressão das mulheres, a exacerbação do racismo, da xenofobia, são brutais em todo o mundo, e a questão do emprego? A classe trabalhadora hoje nas plataformas, trabalha 10, 12, 16 horas por dia, principalmente jovens, homens e também mulheres com motos ou bicicletas. Então, qual é o grande movimento da burguesia?: crise estrutural, alto nível de desemprego – a superpopulação relativa de que falava Marx -, o exército de reserva: há homens e mulheres desempregados em todas as partes do mundo. Os empregadores (com estas plataformas, NdE) criaram a astúcia de fazer com que a assalariada e o assalariado tenham aparência de não assalariados ou não assalariados, para quê? Para não cumprirem com direitos dos trabalhadores.

Se te definem como autônomo ou empresário, você não é trabalhador, então se você não é trabalhador, os empresários das plataformas dizem que você não tem direitos.

Hoje o trabalhador “uberizado” é a categoria que mais cresce dentro do proletariado em todo o mundo. Se estou desempregado, em 40 minutos consigo me conectar com uma plataforma e amanhã começo a trabalhar com moto, bicicleta ou carro. Qual é a condição? Eu não tenho nenhum direito. Se eu sofrer um acidente e quebrar o braço, não tenho seguro. Se eu tiver que tirar um mês de folga para tratamento médico, não tenho como sobreviver. Este é um trabalho “uberizado”. O capitalismo de plataforma nega a condição de trabalhador para não pagar direitos e intensificar a exploração e a pilhagem.

IdE: Em abril deste ano, você, juntamente com centenas de intelectuais, entidades acadêmicas e representantes dos trabalhadores, assinaram um "Manifesto contra a terceirização e a precarização do trabalho", no qual afirmam que nos últimos anos o trabalho semi-escravo deu um salto no Brasil. Qual é o conteúdo e objetivo desse manifesto?

Antunes: Sempre fui contra a terceirização. Quando começou a terceirização no Brasil e os jornalistas vieram perguntar o que eu achava da terceirização: eu dizia que era um desastre para a classe trabalhadora. As empresas removem todo tipo de direitos.

Há uma parte da esquerda moderada que, como a burguesia, dizia que isso era inevitável, que havia terceirização “boa” e terceirização “ruim”. Sempre fui totalmente contra isso e agora é totalmente evidente. No Brasil, nos últimos meses, milhares de trabalhadores foram encontrados em condições análogas à escravidão. Qual era a sua condição de trabalho? terceirizados. Porque a terceirização permite a escravização moderna, tanto pela falta de direitos quanto porque abre as portas para o trabalho intermitente. É o caso do entregador que se trabalhar 12 horas ganha 12 horas, se trabalhar 1 hora ganha 1 hora e assim por diante. A terceirização nada mais é do que uma fraude das leis que protegem o trabalho.

Então no manifesto que assinamos propomos o fim da terceirização, da precarização, da uberização. Não estou propondo o fim do Uber ou Amazon ou Deliveroo, o que estou dizendo é que eles têm que pagar o que corresponde aos seus trabalhadores e reconhecer todos os seus direitos.

Esse manifesto é importante porque muitos acreditam que é possível manter a terceirização por ela “não ser ruim”. Eu já havia dito que a terceirização era o caminho para a escravidão moderna, uma das formas de escravidão moderna. Eu tinha razão. Todos aqueles homens e mulheres que estão sendo recuperados, resgatados do trabalho escravo, tiveram contratos “terceirizados”. A burguesia agrária, rural, a agroindústria os contrata e depois faz o que quer com eles.

IdE: Hoje vive-se uma situação paradoxal a nível internacional, onde há trabalhadores desempregados ou subempregados e outros que têm de suportar exaustivas jornadas de trabalho. Diante disso, há um setor que defende que não é mais possível que isso mude e que no máximo se pode aspirar a uma renda básica universal. Na Argentina, a Frente de Esquerda propõe a redução da jornada de trabalho para 6 horas, 5 dias por semana, para distribuir a jornada de trabalho entre empregados e desempregados sem redução salarial. Qual é a sua opinião sobre esta proposta? Acha que é uma saída para a situação que estamos descrevendo?

Antunes: Eu sou totalmente a favor. A única resposta imediata é reduzir a jornada de trabalho. Porque a redução de 8 para 6, 5 ou 4 horas vai permitir a distribuição dessas horas de trabalho. Se eu trabalho 12 horas e você não tem emprego, nós dois vamos trabalhar 6 horas. A luta é para distribuir o trabalho entre empregados e desempregados com a redução radical da jornada de trabalho.

Há uma segunda questão que não é tão imediata, mas é crucial: reduzir a jornada de trabalho a partir da discussão do que e para quê produzir. Esta é uma questão que se colocará ao sistema do metabolismo social do capital.

Por exemplo, na pandemia percebemos que podíamos respirar melhor [com ar mais puro, NdE]. Enquanto muitas fábricas paravam e quando o tráfego de carros diminuía, porque você não podia sair para trabalhar, o que acontecia? O oxigênio melhorava. Portanto, uma proposta importante para abordar a questão ambiental é esta: reduzir a produção industrial e banir a produção industrial destrutiva. Ou seja, toda a indústria de supérfluos.

É muito importante porque não há mais tempo. Esta semana foi registado o recorde dos dois dias mais quentes. Há pouco tempo li que a ONU dizia que a temperatura de 2022 na Europa - que diga-se de passagem chegou a 40 graus na Inglaterra, o que é uma loucura, e agora no México onde as pessoas estavam morrendo de calor - era a temperatura esperada para 2050, ou seja, estamos 27 anos adiantados. Que ar vamos respirar daqui a 20 anos? A humanidade pode não ser mais capaz de respirar.

Tudo isso é resultado da produção destrutiva. Portanto, a redução da produção industrial destrutiva é vital.

Em terceiro lugar, temos que nos perguntar: produzir para quem? Pela humanidade! A pandemia mostrou que existem trabalhos muito importantes para preservar a saúde e a vida. O trabalho de reprodução e cuidado, feito principalmente por mulheres, o dos entregadores, etc, são muito importantes. Eles acabaram sofrendo e muitos morreram.

Marx falava do trabalho que cria bens socialmente úteis. Temos que lutar contra os bens que produzem valores de troca. A redução da jornada de trabalho e a distribuição das horas entre empregados e desempregados é muito importante. Quanto à renda universal, não sou contra porque se eu estivesse morrendo de fome precisaria comer. Mas isso não resolve nada para a humanidade. Se tem uma pessoa que tá na rua e tá passando fome, eu tenho que dar um prato de comida pra ela. Ou seja, sou a favor de uma renda universal como alternativa para minimizar a fome. Mas se é uma proposta da burguesia, deve-se levar em conta que é uma proposta meramente assistencialista. Às vezes a gente tem que tomar uma medida assistencial mas sabendo que ela tem esse caráter. É por isso que para mim a renda universal não é uma alternativa anticapitalista, mas sim uma alternativa puramente capitalista.

Assim, a luta pela redução da jornada de trabalho e contra a divisão entre empregados e desempregados é o embrião de uma luta anticapitalista, algo que a luta pela renda universal não tem.

IdE: Recentemente, em entrevista que concedeu à revista Brecha, em relação à esquerda, você afirmou que precisa de uma "refundação", "perder o medo do radicalismo", entendemos que em relação aos projetos social-democratas ou progressistas que integram ou apoiam governos que realizam políticas que prejudicam a classe trabalhadora, como temos falado. Na sua opinião: qual esquerda precisamos?

Antunes: No século 20, temos duas versões dominantes da esquerda, não únicas, mas dominantes. Uma delas é a social-democracia que é a esquerda da ordem. Não é por acaso que a social-democracia existia nos países desenvolvidos, nos países capitalistas centrais, imperialistas: Alemanha, Inglaterra, França, um pouco na Escandinávia.

Com o neoliberalismo, a social-democracia sueca e norueguesa, etc., não são mais as mesmas. Claro, se você for à Suécia e depois visitar o México ou o Brasil, naturalmente perceberá diferenças: um é um país imperialista e os outros não, fazem parte da "periferia".

Outro projeto que fracassou são os partidos comunistas que se desenvolveram sob a hegemonia stalinista, porque se tornaram partidos reformistas, alguns mais que outros. Mais radicais ou menos radicais, mas reformistas. Porque na questão da superação do capitalismo, hoje existem núcleos de esquerda que querem chegar a um acordo para consertar o capitalismo. O capitalismo é um sistema impossível de consertar, eles tentam tornar o capitalismo mais “social” [referindo-se à utopia de um capitalismo “mais humano”, NdE]. Isso é uma impossibilidade ontológica, o capitalismo é em si destrutivo: em relação ao trabalho, à natureza, às mulheres, aos negros e negras, aos indígenas, aos imigrantes. É destrutivo. Por isso não é possível reformar o capitalismo, é preciso reinventar o capitalismo, antes: é preciso reinventar uma esquerda para além do capital, contra o capital.

Esta não é uma questão dominante na esquerda hoje. Como é possível ter uma esquerda mais radical? A esquerda mais radical para mim é aquela que toca nas questões que estão na raiz da tragédia social. Por exemplo: uma esquerda radical, hoje tem que ser ecossocialista, mas no sentido mais profundo do sujeito. Para ser verdadeiramente ecossocialista, deve-se buscar acabar com o capitalismo.

Quais são os grupos de esquerda que têm coragem de defender o fim da propriedade privada? Nenhum dos grupos que estão no poder na esquerda que se consideram progressistas, nenhum fala disso, porque quem fala do fim da propriedade privada não ganha eleição, então se calam. Isso é dito de forma simplista porque a questão é complexa. Essa esquerda luta cada vez mais pelo mínimo. Por que Bolsonaro conseguiu vencer as eleições no Brasil? Os motivos são muitos, escrevi muito sobre o assunto, Bolsonaro, um neofascista, foi o único candidato em 2018 que se disse contra o sistema. É evidente que não é que ele era contra o sistema, ele é a expressão mais podre desse sistema, mas ele disse que era contra o sistema. O PT nunca disse que é contra esse sistema, nem o PSOL - e eu sou filiado ao PSOL - um ou outro pode dizer, mas como partido é raro ouvir que são contra o capitalismo.

Não dá para resolver a tragédia ambiental, a tragédia do trabalho, do racismo, a tragédia da opressão machista, dentro do capitalismo. Portanto, é preciso ser anticapitalista. Agora, não basta gritar. Por que a Revolução Russa conseguiu conquistar massas e mais massas de trabalhadores, trabalhadores rurais, e conquistar a maioria nos sovietes?: "Pão, paz e terra". Pão porque houve fome, paz porque foram os filhos dos trabalhadores e do povo que morreram na guerra, e terra porque estava concentrada em poucas mãos.

Quais são as questões vitais, onde a esquerda pode hoje tentar desenvolver um novo projeto de revolução socialista? Acho que é necessária uma refundação, mas não uma refundação no sentido pós-moderno do termo, uma refundação no sentido da radicalização que o partido russo realizou em 1917 [referindo-se ao Partido Bolchevique, NdE ), e que posteriormente os partidos comunistas da França, Itália, Espanha e outros, que deixaram de sustentar a partir da década de 1930, quando se tornaram partidos predominantemente stalinistas e consequentemente tornaram-se partidos reformistas que propunham alianças com a burguesia, embora o stalinismo implique muito mais do que isso. Os desafios não são pequenos.

Penso e concluo assim, se Rosa Luxemburgo - por quem tenho profunda admiração - estivesse viva, creio que diria: "hoje a questão não é mais socialismo ou barbárie", porque hoje já estamos na barbárie. A questão é ’socialismo ou o fim da humanidade’. A barbárie já está aí, uma pandemia que no país mais rico do mundo mata um milhão de pessoas! Escrevi um livrinho chamado “Capitalismo pandêmico", porque a pandemia também nos ensinou isso, dizem que no mundo mais de sete milhões morreram, embora seja muito mais, provavelmente temos entre quinze e vinte milhões de mortos, não sete.

Em outras palavras: a pandemia expôs que a maioria dos mortos era da classe trabalhadora, dos pobres, os negros no Brasil morreram mais, os indígenas morreram mais e os ricos morreram menos. Como querer reformar um sistema irreformável? A esquerda precisa ser "reinventada".

Tem um diálogo de Marx com suas filhas, e elas lhe perguntam: pai, qual é o seu maior autor, seu maior escritor, qual é o seu grande pensador e qual é o seu lema de vida? Marx respondeu rapidamente: “duvide de tudo”. Temos que duvidar de tudo, inclusive das nossas certezas, mas temos que fazer isso nos radicalizando e não nos moderando, temos que nos radicalizar.


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