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ENTREVISTA | Azenha: "Consenso do STF e da mídia segura Temer até 2018"

A realidade brasileira oferece grandes desafios para compreendê-la. Esforço intelectual, e mais ainda para aqueles que, tal como o Esquerda Diário, querem entendê-la para transforma-la radicalmente. Em uma nova série de entrevistas com jornalistas e intelectuais, de variadas opiniões políticas, buscamos oferecer a nossos leitores outras análises e opiniões. Nessa primeira entrevista do ano com Luiz Carlos Azenha focamos assuntos da atualidade, como a crise penitenciária, crise política, econômica e previsões para o ano de 2017.

Leandro LanfrediRio de Janeiro | @leandrolanfrdi

terça-feira 17 de janeiro de 2017 | Edição do dia

Luiz Carlos Azenha, é um conhecido jornalista que organiza o site Viomundo - o que você não vê na mídia e trabalha atualmente na TV Record. Antes disso trabalhou na TV Manchete e na Rede Globo, tendo sido correspondente nos EUA por vinte anos.

Veja outras entrevistas realizadas pelo Esquerda Diário: com o cientista político Rudá Ricci, com o sociólogo Ricardo Antunes em duas partes uma relativa a Temer, e outra relativa a sua crítica ao PT, com o professor e juiz do trabalho Jorge Luiz Souto Maior, e com o ex-ministro Samuel Pinheiro

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Na entrevista, realizada dia 10, antes de novos episódios de massacre no sistema penitenciário, Azenha desenvolve a ideia que vem abordando em seu site de como a "guerra às facções" encobre na verdade um controle social, similar ao que ocorreu nos EUA a partir do governo Nixon para atacar a esquerda e em particular os movimentos negros.

Abordando a crise política nacional, resposta a resposta, Azenha foi chegando a posições mais categóricas em sua previsão de que Temer sobreviva até 2018, graças aos ataques que anunciou e pelo consenso do STF e da mídia quanto a isso. Essa análise nova no campo da esquerda e do progressismo, onde poderiamos incluir o entrevistado, discrepa de previsões categóricas feitas por alguns (talvez com um certo "otimismo da paixão") de que a queda de Temer seria imediata. O "pessimismo da razão" de Azenha abre espaço a dúvidas que ele formula sobre o impacto de Trump entre outros "trancos e barrancos" . A previsão de permanência de Temer começa a ser aventada por alguns analistas, mas, alguns deles como Merval Pereira que criticamos em artigo recente, não abordam essas incertezas da economia e da geopolítica mundial que aparecem na entrevista.

Falando sobre o PT, ora distanciado, ora na primeira pessoa do plural, Azenha afirma, talvez com certo excesso, que o "PT morreu", estaria distanciado das ruas e que não representaria o precariado.

Nessa entrevista também desenvolve uma análise que abre rico campo de debate entre os militantes de esquerda, para ele Temer tem interesse que Lula se candidate, e rapidamente, à Presidência da República. Lula 2018 pode servir como uma válvula de escape da panela de pressão das insatisfações com Temer.

Além de podermos situar o entrevistado no campo do progressismo, próximo porém crítico ao PT e às intervenções de Lula no partido, fica evidente na entrevista sua preocupação com o lugar do Brasil no mundo e críticas nacionalistas a elite brasileira, mostrando a subalternidade da localização brasileira no tabuleiro internacional e como até mesmo a aposta nacional em commodities deve sofrer abalos com o desenvolvimento de uma agricultura industrial na África.

Para facilidade do leitor dividimos a entrevista em tópicos, veja ela na íntegra abaixo.

Crise penitenciária, guerra às facções e controle social

Leandro Lanfredi: Começamos o ano com o país horrorizado com nova chacina no Amazonas e mais recentemente em Roraima, você escreveu recentemente que por trás da guerra às facções está o controle social, você pode falar mais sobre como o Estado contribui para construir essa guerra às facções e como é esse controle social?

Azenha: Olha, eu falei isso muito inspirado pelo fato de que eu assisti recentemente a um documentário chamado Thirteenth ammendment [13ª emenda], feito pelo Netflix nos Estados Unidos. A partir de um movimento que existe lá [nos EUA], um país em que eu morei vinte anos, que então eu tenho uma relação próxima com muita gente lá. Um movimento que se chama Black Lives Matter, “vidas negras significam alguma coisa” em uma tradução. [Um movimento] que surgiu a partir de um grande número de casos de negros que são mortos pela polícia dos Estados Unidos.

A décima terceira emenda [à Constituição] dos Estados Unidos, é a emenda que aboliu a escravidão. A emenda diz que a escravidão só é possível para aqueles que estiverem presos, para criminosos, está escrito na décima terceira emenda. Então há uma interpretação, com a qual eu concordo, de que nos anos 70 Nixon declarou guerra às drogas e que isso foi feito logo depois do movimento pelos direitos civis, em que a esquerda estava muito mobilizada e que dentro da esquerda os negros tinham movimentos muito importantes como os Black Panthers, os Panteras Negras, tinha Malcolm X, o pastor Martin Luther King. Esses movimentos eram perseguidos pelo FBI, pela polícia, e o Nixon lançou a guerra contra as drogas como forma de encarcerar, de perseguir, monitorar os movimentos de direitos civis como um todo e os movimentos negros em particular. A partir daí, e mais fortemente a partir do governo Reagan, outro governo de direita, o encarceramento nos Estados Unidos disparou de tal forma que hoje eles têm dois milhões e setecentas mil pessoas presas. A população de homens negros nos Estados Unidos é de 6%, mas de homens negros na cadeia é de 40%. Então essa comunidade foi criminalizada, os negros foram criminalizados nos Estados Unidos, tanto quanto, vamos dizer, como o MST e a esquerda no Brasil vem sendo criminalizada, estigmatizada.

Aí dá para perceber com clareza a partir desse exemplo, consegui perceber que esse movimento que se faz de guerra às facções no Brasil na verdade ele mascara um movimento que vem desde o golpe contra a Dilma. Um movimento que vem de antes, na verdade, que vem da aprovação da Lei Antiterror. É uma tentativa, com roupagem nova, de criminalizar os movimentos sociais como um todo. Então você diz: “vamos guerrear as facções”, mas com essa guerra às facções você justifica comprar mais armas, bomba de gás lacrimogêneo, pistola elétrica que também vai ser usada nas manifestações, você vai comprar mais câmeras para instalar nas ruas da cidade. Com isso você vai olhar as facções, mas também as manifestações e movimentos sociais. Você viu recentemente dezoito indiciados aqui em São Paulo que iriam participar de uma manifestação. Um crime que não foi cometido. Eles iriam participar de uma manifestação e foram enquadrados pela polícia. Você vê uma coisa que serve como uma cortina de fumaça. Quando você fala em combater as facções, 90, 95% dos brasileiros são a favor de combater as facções criminosas que controlam os presídios brasileiros. Você lança essa cortina de fumaça e por trás disso você arma um aparato, que na verdade vai ser usado contra as facções, mas também para controlar a grande desigualdade histórica que existe no país desde o tempo da escravidão.

Nós tivemos 300 anos de escravidão no Brasil. Quando os negros foram “libertos” no Brasil, era uma oportunidade da sociedade brasileira pagar a eles a conta de 300 anos de escravidão, ou seja, dando a eles terra, que era essencial a eles para que reproduzissem suas famílias. Aí, o que que o Brasil fez? Importou italianos, alemães, japoneses, usando uma teoria que era preciso embranquecer o país. Dizia-se que o negro era ruim, sujava o sangue do brasileiro. Com essa justificativa o Brasil abriu a imigração, para trazer gente que “traga o sangue bom deles”. Eram na verdade os pobres da Itália, os fodidos do Japão, da Alemanha... Basta ir lá na origem, de onde vieram os italianos, os açorianos. Naquele momento aqueles países tinham passado pela guerra, precisavam também se livrar da pressão social de seus pobres, e eles exportaram mão de obra para o Brasil. Com isso, com essa teoria, se deixou os negros na mão. Nós temos esse genocídio dos negros na periferia de São Paulo, o que é mais ou menos o que se passa nos Estados Unidos. Olhe hoje uma imagem das cadeias. Você não vai ver um branco lá, muito raramente. São pardos ou negros. Nós temos uma situação muito parecida com a que temos nos Estados Unidos. Então, portanto, eu acho que esse combate às facções nos presídios, já se anunciou um presídio federal novo, na verdade ele mascara um controle social.

Você tem que 20% dos que estão presos serão inocentados; no Amazonas você tem que 60% dos que estão presos são provisórios, sem culpa formada, e no Brasil como um todo 40% são provisórios. O que é isso? Um controle social. Você joga o pobre na caída. Aí você coloca o pobre, não no controle do Estado, mas de uma facção ligada ao crime. Você dá ao pobre um destino: ele vai ser mega-explorado pela facção, vai ser um escravo da facção, e ele também vai estar sob controle. Aí o Estado vai negociar com a facção: “olha você fica quieto aí”. Nós temos uma parcela significativa da população sob controle de um poder paralelo mas com a anuência do Estado. Por isso que eu falo em controle social.

Nos Estados Unidos, uma das coisas mais interessantes desse documentário é quando um ativista negro conta que eles querem, agora, tirar os negros da cadeia, que saiam todos em condicional, em monitoramento eletrônico, pois existe uma empresa muito grande e importante de monitoramento eletrônico que quer lucrar. Eles vão desfazer as cadeias nos Estados Unidos e trazer centenas de cadeias para dentro dos bairros negros. Será uma nova forma de controle social. Achei isso muito interessante.

Aos trancos e barrancos Temer pode sobreviver até 2018

Leandro Lanfredi: Mudando um pouco de assunto, você e vários outros analistas afirmaram que a mídia vinha elevando o tom contra o governo Temer, e que se ele não avançasse nos ataques estaria colocado em xeque. Ele rapidamente parece ter ouvido o recado e mandou acelerar os ataques, que ou estão para ser aprovados quando o Congresso voltar do recesso, ou decretados via MPs. Como você vê as contradições do governo Temer, quais são as condições atuais, o que é possível prever para 2017 sobre o governo golpista?

Azenha: Eu acho que a disputa agora é entre o Ministério Público Federal, a PGR e o governo Temer. A esquerda está praticamente alijada dessa disputa. Essa disputa se dá no bojo do golpe. Você tem um governo Temer que deixou explicitamente em uma gravação seu projeto, que ele está seguindo, que é fazer um acordão nacional; e você tem aqueles que querem seguir com a operação Lava Jato e que terão que, eventualmente, avançar com as denúncias contra a quadrilha Temer. É só ver aqueles que o cercam, ver quem está tomando as decisões. Você tem Eliseu Padilha, parceiro do Rio Grande do Sul do Temer. Ele tem histórias com o Temer em operações da Polícia Federal lá de trás. Você tem uma disputa muito intensa.

Nesse momento específico você olha a Globo e ela está atuando indiretamente pela reforma da previdência, ela está preparando o terreno para essa reforma que é um passo muito importante que a direita está cobrando do Temer para liberar dinheiro para pagamento dos juros da dívida interna. Eu acho que esse é o movimento essencial. Eu não acreditava que o Temer conseguisse se manter no poder até 2018, mas agora estou em dúvida se ele consegue ou não. Eu acho que ele fez o que você afirmou, ele fez os movimentos que eram cobrados dele. Por esses movimentos ele tem recebido um apoio maciço da grande mídia brasileira. Eu acho que a população brasileira está em um estado de espera. Nós estamos em 2017 e ano que vem temos eleição, e isso poderá ser utilizado para que se canalize a inquietação social em direção a isso, especialmente se o Lula lançar sua campanha bem cedo.

Aí coloca-se no horizonte as eleições de 2018. Você terá uma válvula de escape para o governo Temer. Interessa ao governo Temer. Não digo que estão agindo de conjunto, que o Lula lance sua candidatura o mais cedo possível, se possível agora, em março como está se dizendo que acontecerá. Isso dá um horizonte para quem pretende protestar, como se fosse uma panela de pressão que de repente começa [a chiar]. As pessoas começam a colocar no horizonte a perspectiva de uma eleição presidencial, aquelas pessoas que se voltam contra o Temer e fazem pressão social para que ele deixe o poder, começam a canalizar essa força em direção a eleição

Então, eu passei a acreditar que talvez o Temer sobreviva justamente porque ele deu todos os passos que os barões da mídia (que são intérpretes da grande elite brasileira, na verdade, são porta-vozes) apontaram: um caminho de um mega-arrocho e de colocar a conta da crise, que é uma crise externa profunda, nas costas da população. Retirada de direitos, especialmente reforma da previdência. Uma retirada de direitos que está sendo feita de conjunto. Uma retirada de direitos que já tinha se iniciado no governo Dilma, mas com ele veio muito mais aprofundada. Uma desmobilização de todas aquelas instituições que poderiam oferecer novos direitos, um desmanche de FUNAI, de organismos das secretarias de mulheres, de organismos que poderiam aumentar as demarcações dos quilombolas…

Você tem um congresso fortemente dominado pelo agronegócio, um governo fortemente dominado pelos interesses dos banqueiros. Como ele está caminhando em direção a ceder todos esses pontos, ele está adaptando seu governo a um fim de feira para sobreviver. Acredito que hoje ele tenha capacidade de ficar no poder até as eleições de 2018, mais do que eu acreditava no ano passado.

Leandro Lanfredi: Relacionado a isso, você disse que a candidatura do Lula seria uma válvula de escape às pressões em cima de Temer. Também existem várias especulações de que logo a Lava Jato irá oferecer alguma condenação de Lula, complicando esses planos. Como você vê a Lava Jato nesse ano de 2017? Nós tivemos um judiciário muito ativo, não somente para o desfecho do impeachment, mas com o judiciário como um todo fazendo parte da reforma trabalhista, da reforma da previdência. Agora em 2017, como você vê esse embate entre a PGR, a Lava Jato e o Governo Temer, como você falou antes?

Azenha: Você tem uma guerra muito forte aí. As delações virão, provavelmente em março elas serão aprovadas. Você vai ter uma repercussão forte em função disso. Eu acho que há uma divisão forte dentro do STF em função disso. O STF é uma correia de transmissão da elite brasileira, dentro dela há uma [divisão]. Vejo o papel do Gilmar Mendes, de manter a estabilidade, digamos. Você não tem uma retomada da economia enquanto você não tiver alguma coisa razoavelmente estável. Você tem um quadro econômico muito difícil. É algo que se descarta muito, inclusive, é uma crença que se desenvolveu ao longo do governo Lula, de que o Brasil teria uma certa autonomia depois que pagou o FMI. O próprio governo Lula fez muita propaganda do pagamento ao FMI como se isso representasse uma autonomia econômica do Brasil, mas isso não é um fato. O Brasil é um país dependente no capitalismo internacional. Um capitalismo em crise. Um capitalismo em que o protecionismo, com a assunção do Trump nos Estados Unidos, vai crescer muito.

Olha o movimento do Trump querendo trazer as montadoras de volta, para gerar emprego dentro dos EUA. Isso vai ter uma repercussão mundial. Na medida em que ele começar a investir o trilhão [de dólares] que ele diz que vai investir em infraestrutura a tendência é um aumento dos juros nos Estados Unidos e com isso a volta do capital para as letras do tesouro dos EUA. Então, o governo Temer não está no controle dessas circunstâncias. Por isso ele flutua tanto. É um governo muito instável e acossado pela Lava Jato, por procuradores que acham que estão fazendo a limpeza do Brasil.

Eu registro apenas que eu não conheço, por exemplo nos EUA, onde eu vivi 20 anos, eu nunca vi uma investigação com essas características brasileiras. Uma investigação que demoniza diariamente empresas ao invés de focar nos executivos, etc. Eu não tenho nada para defender a Odebrecht. A Odebrecht tem um saber construído ao longo de 50 anos. Na medida em que você destrói a Odebrecht você destrói um saber brasileiro. Assim como é com a Petrobras, com qualquer núcleo de conhecimento. Você sabe o que é o que é isso. O engenheiro mais velho passa seu saber para o que está entrando e assim sucessivamente. É assim que se constroem as coisas. Qualquer indústria é construída assim. Qualquer país do mundo é assim. Quando você olha para a Índia, a indústria da tecnologia da informação da Índia, ela foi construída com incentivos do governo ao longo de 30, 40 anos, e ela vai frutificar lá na frente. Assim como foi com Hollywood.

O Brasil hoje, a partir da Lava Jato, curiosamente, está atacando algumas indústrias centrais que nos sobraram. Como se fosse a limpeza do Brasil. Isso significa um enfraquecimento do Estado brasileiro.

O Temer vai tentar sobreviver nessas circunstâncias muito difíceis que virão depois das denúncias da Odebrecht, vai ficar muito explícito que a Odebrecht financiava, como todo mundo sabia há muito tempo, todo sistema político brasileiro. Acho que há um esforço muito grande dentro do STF, capitaneado pelo Gilmar Mendes e com a compreensão da mídia que joga um papel muito importante, essencial, no Brasil, de segurar as pontas, de impedir que haja um novo terremoto como houve com a deposição golpista da Dilma, em nome de preservar interesses econômicos

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Nós estamos vivendo uma mega-crise, você tem Trump assumindo os Estados Unidos, você tem a China passando a mudar seu paradigma industrial. Ela não quer mais só produzir produtos baratos, ela vem para disputar os mercados, inclusive da América Latina com o Brasil. Esses mercados eram os que colocávamos manufaturados. A China está mudando seu paradigma, ela vai deixar em breve de ser essa produtora, ela já é a maior produtora de painéis solares no mundo, nisso ela compete com a Alemanha, e ela esmaga qualquer tentativa do Brasil tentar criar isso. A China deixou de ser a produtora de roupa barata, o que até ajudava a derrubar a inflação aqui na medida que ela trazia roupa barata aqui. Ela vai ser nossa competidora em muitos mercados que o Brasil ocupou durantes os governos Lula e Dilma. Se o Brasil está se voltando para a exportação, ele só tem uma saída nesse momento que é a saída pelo agronegócio. Respondendo à sua pergunta específica,

no curto prazo, eu acredito que esse consenso de parte do STF e da mídia segura o Temer até 2018, aos trancos e barrancos. Na economia, no longo prazo, eu acho que o Brasil está fodido. A verdade é essa. Foi dado ao Brasil o papel de grande exportador agrícola e de mineração, e você tem um desenvolvimento rápido da agricultura industrial na África. Nós perdemos nosso momento.

Crise econômica e o fim de feira do Brasil

Leandro Lanfredi: Justamente as commodities, em particular as agrícolas, são parte das apostas dos editoriais econômicos. A Miriam Leitão, por exemplo, tem escrito quase diariamente a respeito. Mas apesar dessa aposta, se prevê que o movimento protecionista de Trump, com a valorização dos títulos da dívida americana que, como sempre, quando há aumento nos juros lá, que o preço das commodities. Como você vê, do ponto de vista da economia, o cenário em que estamos entrando agora?

Azenha: Vamos tirar o Temer, vamos falar de economia um pouco mais a longo prazo. O Lula e a Dilma, mas o Lula mais, o Celso Amorim... Eles olharam para o Brasil num cenário mundial, imaginaram que o Brasil dentro dos Brics conseguiria alargar sua faixa de soberania, vamos dizer assim. Competir com os Estados Unidos pelos mercados da América Latina, o que de fato aconteceu. Colocar o Brasil no mundo como um grande exportador, não só [de commodities]. O governo Lula ensaiou também com o BNDES ter os campeões nacionais, formar grandes empresas, como aconteceu na Coréia. Foi assim que a Samsung, Hyundai apareceram, eram os campeões nacionais coreanos. Eles optaram por dar incentivos fiscais a determinados setores da economia e ancorar o país. Foi assim como a Índia fez com a tecnologia da informação. Como a Rússia com o posto de energia do mundo. A China inundou o mundo de produtos com sua mão de obra barata, e agora, está sofisticando sua produção. A China está passando por essa transformação nesse momento. O Brasil perdeu o bonde. Por quê?

O Brasil, nesse momento, sobra para ele o quê? Minério, por isso está mudando as leis relativas aos indígenas, para poder explorar minério em terras indígenas, atacar a Amazônia. O próximo passo é devastar a Amazônia, fazer buraco e tirar tudo o que tem. Da mesma maneira que estão fazendo em Carajás. O ritmo de exploração de ferro em Carajás é completamente antinacional. Ele não atende aos interesses do Brasil, mas ele, sim, atende aos interesses da expansão do capitalismo internacional. Você deveria exportar ferro muito mais devagar, porque aí você teria controle do preço, mas como foi privatizada e o ferro está na mão da Vale, e a Vale atende ao capital internacional, vai dizimar. Assim como fizeram com a Serra de Navio e o manganês anteriormente.

Você vai para Carajás e olha para a redondeza, é miserável. Fica pouquíssimo [no Brasil]. O Brasil passou uma lei Kandir em que você não paga imposto na exportação de produto não manufaturado, então é um crime contra o próprio Brasil. Você exporta sem deixar nada no local. Você faz um empreguinho aqui ou ali, mas o grande lucro vai para o cara que está lá fora, porque ele que faz o preço. E é o que o Temer acabou de fazer com o pré-sal. Ele desmontou a Petrobras, ele o Serra tiraram a Petrobras de ser uma empresa horizontalizada, que fatura da produção até a entrega. Eles tiraram da Petrobras o biocombustível, que é onde a BP está entrando, onde a Shell está entrando com grande força. Eles estão tirando a Petrobras de parte do refino, estão tirando a distribuição. Toda grande empresa de petróleo do mundo, ela é de ponta a ponta, ela é do campo à bomba. Eles estão desmontando a essência da Petrobras, estão concentrando a empresa na exploração do pré-sal, e rápida, o que não nos serve. Porque você não faz preço quando faz uma exploração rápida. Você está enchendo os Estados Unidos que são os grandes consumidores de petróleo. Na lógica do governo Temer, fatura rápido, foda-se o futuro. Mas é uma das poucas riquezas que nós temos. Tirando a Petrobras que poderia ser, e é ainda, grande motor da economia e da soberania brasileira. Dizem os petroleiros que eles também estão desmontando o Centro Nacional de Pesquisas da Petrobras. Tirando isso nós não temos nada.

Nós temos o quê? Terras, que estão crescentemente em mãos de empresas. Sementes que são da Monsanto, e temos veneno da terra que são Monsanto e Bayer. Mesmo o agronegócio brasileiro, parte da renda dele fica no Brasil mas grande parte vai para fora em forma de semente, de Bunge que é a infraestrutura de exportação. Nada disso é controlado pelo Brasil. Então a grande fonte do Brasil a longo prazo - esquece Temer, pensa no próximo governo, seja ele Lula ou quem quer que seja - a grande fonte de riqueza do Brasil será o agronegócio, com uma devastação ambiental profunda, com a destruição da Amazônia, com os rios da Amazônia para hidroelétrica, que não é para o povo, é para minério, uma indústria eletro-intensiva, precisa de muita energia.

Você tem o Brasil voltado para o agronegócio. E as pessoas aqui no Brasil não percebem o grande, gigantesco investimento que tem no mundo, inclusive com investimento da Embrapa na África. E a África é muito mais próxima e barata para o mercado que está se desenvolvendo hoje que é a Ásia.

Pense em Moçambique em relação ao Nordeste Brasileiro, pega um navio ali de Moçambique e você está entregando para toda a Ásia, para Indonésia, Filipinas, Vietnã, China. Existe um grande investimento em Moçambique hoje para fazer produção de alimento. Etiópia, grande investimento. Quênia, do mesmo lado [da África]. O que acontecerá no médio prazo? Vários países da África vão disputar com o Brasil nossa fonte de riqueza. Nossa fonte de riqueza é datada. Nós não estamos produzindo tecnologia. Nós não temos um Google, um Amazon, um Netflix, nós não temos tecnologia de informação para o futuro, nós não temos empresa brasileira de energia solar, nós não temos produção de energia de pequenas hidroelétricas. Nós não temos nada relacionado ao futuro da economia mundial.

É por isso que eu digo que o Brasil teve um pico, teve um vislumbre de uma posição soberana no mundo, e agora ele está começando a entrar em decadência. Eu não sei se você acompanha, se você olhar a história das nações, elas foram artificialmente criadas. Era um movimento que servia no momento à burguesia industrial, existindo a nação brasileira como distinta dos vizinhos, ela teve um vislumbre de “seremos grandes”, e aí veio para baixo.

Nós temos a história de grandes nações que tiveram períodos históricos em que elas olharam… Como a Argentina, veja o que aconteceu com a Argentina. Quando ela era uma grande exportadora de carne e tinha uma pequena população, não chamavam a Argentina como a “europa da América do Sul”, e de lá pra cá foi só decadência. Acho que o Brasil fez o mesmo movimento que a Argentina. Deu aquela olhada e já era. Você não pode comparar o Brasil com a Rússia, com a China, nem pode comparar com a Índia, porque as elites nacionais desses três países tiveram consciência. Essa que domina o país é completamente desprovida de um projeto nacional. Aí não coloco nenhuma fé no futuro do Brasil no longo prazo, olhando as circunstâncias desse mundo em que estamos vivendo.

“O PT está morto, sério”

Leandro Lanfredi: Mudando um pouco o tema, partindo do que você falou há pouco. Essa entrega da Petrobras começou no governo Dilma, uma das exigências da mídia para manutenção dela no poder era começar programa de demissão, “desinvestimentos” como chamavam, e a própria lei do pré-sal do Renan e do Serra foi feita em acordo com a Dilma. Essa semana teve bastante repercussão nas redes sociais o fato de que o PT apoiará Rodrigo Maia (DEM) na Câmara. Como você as contradições e possibilidades, digamos, para os “de baixo”? Por um lado, temos o PT e seu caminho institucional e seu discurso opositor. Você tem um crescente descontentamento com o governo Temer, uma resistência ainda aquém dos ataques em curso. Como você a situação dos movimentos sociais, dos trabalhadores, hoje em dia?

Azenha: Em primeiro lugar tem que se reorganizar, tem que se dissociar completamente do PT, que tem um projeto institucional, o que é até compreensível porque nenhum partido político do mundo cometeu suicídio. Você tem partidos que foram morrendo aos poucos, você tem o PSOE [da Espanha]. Partido é ensimesmado, ele vai morrendo.

Para mim o PT está morto, sério, porque ele está dissociado da sociedade brasileira, não porque ele seja mau, mas porque a sociedade brasileira mudou.

O PT é fruto dos anos 80. Nós tínhamos uma sociedade industrial, veja qual era a taxa de produção industrial e qual é agora. Você teve um mega-desenvolvimento dos setores de serviços, baixos salários McDonald’s da vida, telemarketing, que não estão representados pelo PT, o PT não tem esse DNA. O que mudou foi a sociedade brasileira, você tinha uma sociedade industrial, concentrada no ABC, nas montadoras. O que aconteceu desde então? As montadoras saíram do ABC, elas representam muito menos do que elas representavam então, elas foram para outras partes do Brasil, com outra organização social, consciência crítica. Número dois: nós tivemos um grande desenvolvimento da sociedade de serviços, com um precariado que não se vê representado pelo PT. O PT, não é que ele seja mau, ele cumpriu seu papel.

Agora é um partido eminentemente do Congresso e da Câmara, a gente faz força nas ruas, mas ele não tem o DNA das ruas mais, está afastado, as pessoas não se sentem representadas pelo PT. Ele foi vítima, talvez de uma das maiores campanhas midiáticas de que se tem notícia, e foi vítima do dedaço do Lula que domina completamente o partido, que massacrou as instâncias decisórias de baixo por causa de decisões, tipo, por exemplo, mata o PT no Rio para fazer as alianças.

O que fodeu o PT no Rio e em várias outras partes do Brasil foi o dedaço: em nome de fazer alianças, corta na própria carne. E o PT não faz autocrítica, se “fizer autocrítica a direita vai aproveitar”, enfim, são as contradições internas. Um partido que já não tem mais a representatividade da origem, tem a herança das lembranças do tempo do Lula. Um tempo que foi comparativamente muito legal e importante no Brasil, não é que ele tenha sido decisivo de mudanças, mas ele apontava um caminho. Eu desconto o PT como partido. Eu acho que estamos vivendo uma crise profunda do sistema representativo, uma sociedade que não reconhece mais esses partidos, esse formato de organização. PT, PSDB não representam mais, nenhum. Você tem avulsos que se apresentam como avulsos: Doria, Trump...

Estamos numa fase de transição de sistema de organização social, uma fase que pode dar um mega-fascismo ou uma revolução. Estamos numa transição muito grande. Eu acho que o capitalismo como um todo, quando você vem para o Brasil, nós somos um capitalismo dependente. Minha esperança é que a gente conseguisse desenvolver uma solução à brasileira para essas contradições. Mas ela se desfez um pouco com as ações do governo Temer. Qualquer ação que tenha a ver com o Brasil passaria, na verdade, por uma organização em torno de nossa fonte de grande riqueza que é o pré-sal. No momento em que você desmancha a Petrobras, você desmancha uma esperança. A Petrobras foi o novo, mesmo. Temos que dar a mão à palmatória aos militares no sentido de que eles apostaram muito na Petrobras, no sentido de que colocaram muito dinheiro, desenvolveram tecnologia que geraria a tecnologia da exploração do pré-sal antes do que os outros. Então a gente tem que dar a mão à palmatória. Eles foram nacionalistas nesse sentido de prever isso. Agora, com o desmanche da Petrobras, você tem uma situação....

Eu estava observando no aeroporto outro dia, você tem um negócio no aeroporto de Nova Iorque que se chama “Hudson News”, é uma franquia que vende revista e jornal. Eu estava passando por Guarulhos, aí olho e vejo e falo “caralho os caras estão ganhando dinheiro aqui até em cima da venda de jornal”. Então o Brasil se entrega ao ponto de que uma banca de jornal de Nova Iorque comprar espaço no maior aeroporto do Brasil. Veja bem, os americanos estão fazendo mais-valia em cima da venda de jornal em um aeroporto brasileiro, isso é muito terrível. Nós não conseguimos produzir acumulação de capital de uma banca de jornal de aeroporto.

Você entende o que isso significa? Os caras estão ganhando dinheiro aqui da venda de jornal, de guloseima, de tudo.

Dentro do capitalismo um país só sobrevive se ele conseguir uma acumulação de capital que lhe dê uma perspectiva de ter uma inserção mais ou menos soberana no capitalismo. O Brasil não produz uma banca de jornal, você entendeu a gravidade de nossa crise? Desse capitalismo mundial que agora vai para uma disputa forte nacionalista, protecionista, nós não produzimos uma banca de jornal.

Brasil sem inserção soberana no capitalismo internacional

Leandro Lanfredi: O governo Lula mostrou uma tentativa de uma inserção pacífica, o que mostra os limites....

Azenha: Sim, totalmente pacífica. O que ele imaginou? “Celso Amorim, vamos fazer uma aliança latino-americana, nós vamos aproveitar o fato de que os Estados Unidos têm uma inserção muito grande no Oriente Médio, têm seus interesses voltados especialmente para o petróleo do Oriente Médio, que é o que mantém a economia deles, e nós vamos na sombra dos Estados Unidos estabelecer uma rede, desenvolver nosso capitalismo com exportação para Venezuela”, etc e tal. Só que o projeto do Pentágono já de vinte anos atrás, por causa do gasto trilionário com o Oriente Médio é: “precisamos multiplicar nossas fontes de energia”, aumentar a origem. Quanto mais perto melhor.

Leandro Lanfredi: ....Venezuela, México...

Azenha: Venezuela, México, mas aí o que aconteceu? O Brasil descobriu o pré-sal. Eles traçam um triângulo, olha em qualquer site de geopolítica [submetemos ao leitor artigo de Azenha onde desenvolve e traça esse triângulo]. Nigéria, Angola, Golfo do México e o que que está na pontinha aqui de baixo, o pré-sal. É muito mais perto. O pré-sal, a Venezuela, o Golfo do México, a África são muito mais próximos e não têm problema militar, eles podem tragar esse petróleo muito mais próximo e eles começaram a desenvolver o petróleo do shale gas. Mas aí o que a Arábia Saudita começou a fazer: disse “ah é? Vamos foder todo mundo. Vamos baixar o preço do petróleo.” E aí fodeu a gente junto, numa disputa entre a Arábia Saudita e investidores americanos. Derrubaram o seu petróleo, o da OPEP porque o shale gas só vale a partir de determinado valor, e nós, enfatizando que não somos soberanos, fomos pegos nesse turbilhão, e agora somos prisioneiros dos Estados Unidos. Trump, Clinton, Bush, Obama, o pentágono, o Estado Americano têm uma visão. A visão deles é assim: “Agora, nós vamos trabalhar nosso território, que é a América Latina”. Eles vão vir aqui disputar nosso território aqui, para vender jornal aqui, o México, disputar essa região como um “Estados Unidos alargado”, o que é um sonho deles desde a Guerra Civil americana. O Sul queria isso, o sul escravista olhava para a Nicarágua, e foi vetor da intervenção americana, Honduras, Nicarágua, toda a intervenção americana na República Dominicana, foi atendendo ao interesse do sul escravista. Cuba. Agora isso é um espaço estratégico para eles na disputa do capitalismo mundial, e nós seremos tragados por isso, como já fomos com a Petrobras.




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