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SEMANÁRIO

Barroso e a fantasia “democrática” do bonapartismo judiciário

André Barbieri

Barroso e a fantasia “democrática” do bonapartismo judiciário

André Barbieri

Sobre Luís Roberto Barroso, próximo presidente do Supremo Tribunal Federal, e as peripécias de um judiciário autoritário que não tem nada a ver com a defesa dos direitos democráticos e trabalhistas de quem quer lutar contra o governo e a extrema direita.

Luís Roberto Barroso foi convidado pela direção majoritária da UNE (PT e UJS/PCdoB), e abraçado por aqueles que querem uma Oposição dócil, como a UP, para abrir o 59º CONUNE. A intervenção da Juventude Faísca Revolucionária, com a faixa “Barroso: inimigo da enfermagem e articulador do golpe de 2016”, ganhou repercussão nacional em toda a grande imprensa e seus analistas, especialmente por provocar a resposta de Barroso, reveladora - para quem ainda tinha dúvida - que o Judiciário sempre atua politicamente. O mérito de desmascarar a conduta do Judiciário em defesa do regime da exploração capitalista foi um dos aspectos que permitiu à Juventude Faísca encarnar a verdadeira oposição comunista à majoritária da UNE para muitos setores de jovens presentes - e mesmo trabalhadores da enfermagem, que vibraram em todo o país com a defesa do seu piso salarial contra a extrema direita, o governo Lula-Alckmin e o Judiciário.

A questão do bonapartismo político do Judiciário, por isso mesmo, merece exame. A reação descompensada do analista Marco Antônio Villa, que tentou sem sucesso ligar a extrema esquerda com o bolsonarismo por criticar o STF, foi engolfada pela cobertura mais geral da imprensa que buscou ou naturalizar uma atmosfera de críticas nesse novo governo (Waldo Cruz da GloboNews), ou criticar a exasperação de Barroso (Josias de Souza), que não guardou o devido decoro diante da mentira de um Judiciário “neutro”, um fundamento da conservadora filosofia liberal. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, chegou a exigir retratação de Barroso. Todos se esforçam em atirar sob o tapete a realidade de um extraordinário ativismo judiciário que elevou às alturas a temperatura do autoritarismo político do regime. E que nutriu, ao articular o golpe institucional em 2016, a extrema direita que deu origem ao nefasto Bolsonaro.

O PT fortaleceu as instituições do Estado que, como o Judiciário, germinaram a extrema direita. O PSOL, dentro do governo de conciliação de classes Lula-Alckmin, é um sustentador das medidas bonapartistas do STF que, embora conjunturalmente dirigidas contra o bolsonarismo, tem como alvo estratégico a esquerda e a classe trabalhadora. A despeito deles, é necessário deslustrar as falsas credenciais democráticas de uma casta togada que, como denuncia Marx n’A Guerra Civil em França, porta uma “fingida independência que só serve para mascarar sua subserviência aos capitalistas e a cada um de seus governos”.

Barroso, paladino dos empresários e inimigo dos trabalhadores

Barroso é uma figura marcada no autoritarismo, tanto maior foi sua gritaria para tentar fingir dotes democráticos. Primeiro violino do golpe institucional de 2016, Barroso votou favoravelmente à prisão de Lula em 2018, sempre em nome da “democracia”, que parece incluir ter atuado lado a lado com outro pilar da “democracia”, Sérgio Moro e a Lava Jato. “Esse julgamento é um teste importante para o sentimento republicano, para a democracia brasileira e o amadurecimento institucional”. Vimos o resultado do “teste democrático” de Barroso, que era saudado até pela Jovem Pan bolsonarista em 2018. Como não poderia deixar de ser, Barroso tem relação próximo com o establishment dosEstados Unidos, que como sabemos é um pilar da “democracia” na América Latina.

No CONUNE, Barroso falava demagogicamente contra o racismo. Efetivamente, defendeu nada menos que o “pacote anticrime” de Sérgio Moro, então ministro de Bolsonaro, um instrumento absolutamente repressivo que daria vislumbrava superpoderes à polícia assassina da juventude negra. Na época, Barroso se derramou em elogios a esse mecanismo policial. Em um vexatório evento de lançamento do livro de Moro e Deltan Dallagnol sobre a Lava Jato (com prefácio sob a cortesia de Barroso), o ministro do STF afirmou, sobre o pacote genocida de Moro: “É importante é prioritária [...] Ninguém assume que a culpa e se arrepende. Todo mundo diz que está sendo perseguido. E em todas as religiões o arrependimento é o pressuposto para a salvação”. O PT e a UJS preferem esquecer, mas a “democracia” de Barroso era a da pistola contra a juventude negra.

Ademais, como inimigo da classe trabalhadora, Barroso atacou não apenas o piso salarial da enfermagem, negando a reivindicação legítima desses trabalhadores da saúde, mas foi quem defendeu e apoiou no STF a lei da reforma trabalhista e da terceirização irrestrita do trabalho, que afeta majoritariamente as trabalhadoras negras e os trabalhadores negros.

Nos primeiros anos de Bolsonaro, Barroso era nada mais que subserviência ao governo de turno, como afirmava Marx. Concedeu seu voto em apoio ao homeschooling bolsonarista e à chamada "MP da Morte", do então ministro da Economia de Bolsonaro, Paulo Guedes, que autorizava as empresas a fazerem acordos individuais de redução de até 100% do salário durante a pandemia. Foi Barroso quem suspendeu o reajuste salarial de 33% que a greve dos professores estaduais de MG havia arrancado do governador bolsonarista Romeu Zema.

Com esse prontuário, qualquer credibilidade “democrática” sucumbe ao teste dos fatos. Compreendemos a discrição do “ministro da FIESP” em sua narrativa inventada ao CONUNE. Mas Barroso é apenas uma figura no interior de uma arquitetura completamente antidemocrática organizada no Judiciário. Edson Fachin, Luiz Fux, Carmen Lúcia, Rosa Weber e Alexandre de Moraes (heroicizado pelo PSOL), votaram também a favor da prisão de Lula. De fato, o pacote anti-crime de Moro era basicamente um plágio sem criatividade do pacote repressivo de autoria de Alexandre de Moraes. Dias Toffoli revogou a suspensão da reforma da previdência em São Paulo e no Rio Grande do Sul, assinando embaixo de um dos maiores ataques da gestão Bolsonaro, com quem compartilhava amistosos abraços.

Toffoli, que era presidente do STF em 2020, também chefiou a votação que autorizou a venda das subsidiárias das estatais, o que permitiu a entrega de 90% da Transportadora Associada de Gás, TAG, que era da Petrobras, autorizando a venda das refinarias da Petrobras, o que colheu aplausos de Bolsonaro. Gilmar Mendes também apoiou a reforma da previdência e não só sustentou a reforma trabalhista, como cassou acórdão que visava impedir a terceirização irrestrita. Kássio Nunes Marques e André Mendonça são prepostos diretamente indicados por Bolsonaro ao STF.

Esse é o rosto da toga, manchado por todo tipo de arbitrariedade contra direitos democráticos elementares. Apesar de Jones Manoel “aplaudir” os tribunais em sua disputa conjuntural com Bolsonaro, a verdade é a mesma: com os togados, se fortalece a extrema direita.

O que fazer diante de instituições que encastelam os privilégios judiciários?

Como dissemos aqui, o Poder Judiciário vem assumindo na América Latina a dupla tarefa de desenvolver as tendências autoritárias e apresentar-se, ao mesmo tempo, como suposto garantidor do “estado de direito”. Uma política dedicada a judicializar a cada vez mais pronunciada luta de interesses entre os atores da ordem para afastar a luta de classes e contê-la dentro da ordem burguesa. No Brasil, o judiciário foi a instituição por excelência que o Partido Democrata utilizou para avançar com os interesses das multinacionais imperialistas norte-americanas, em setores de energia e da construção civil, contra as chamadas global players brasileiras (Petrobras, Odebrecht, Camargo Corrêa, entre outras, com negócios ultramar na África). Os ataques econômicos contra os trabalhadores são de interesse primordial ao imperialismo, e o Judiciário brasileiro manteve de pé todas as principais contrarreformas do bolsonarismo e da direita, algumas vezes antecipando-as.

Múltiplos são os ataques dos tribunais aos trabalhadores. Um exemplo paradigmático foi o da privatização do metrô de Belo Horizonte. O juiz Eduardo Rocha Penteado, da 14ª Vara Federal do TRF da 1ª Região, negou os pedidos para a suspensão do leilão do metrô, que foi arrematado a preço baixíssimo por um empresário vinculado a denúncias de trabalho escravo. Enquanto isso, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) assediou a greve dos metroviários que lutavam contra a privatização, exigindo 100% de rodagem de trens em horário de pico, violando abertamente o direito de greve.

Sua próprio concepção a conecta por mil laços com os interesses dos piores inimigos dos trabalhadores, das mulheres, dos negros, dos indígenas, e da população LGBT. conformado por uma casta vitalícia e privilegiada, com tribunais superiores (como a Corte Suprema norte-americana) designados a partir de negociações entre as forças políticas predominantes e instituições como o Senado, sem intervenção do voto popular na designação de juízes e procuradores. Se originalmente este equilíbrio de poderes se fundamentou na oposição à tirania, como oposto ao absolutismo monárquico (vide Montesquieu), o certo é que seu papel histórico – em primeiro lugar nos Estados Unidos – foi limitar ao mínimo a incidência da soberania popular nas democracias burguesas, baseadas justamente em defender a legalidade da propriedade capitalista. Todo o sistema legal se baseia em constituições que por vezes datam de dois ou três séculos (várias décadas no melhor dos casos) em muitos de seus núcleos fundamentais, que servem como sacralização do “poder constituído” e limitam todo “poder constituinte” do povo trabalhador. Para o Judiciário, “até mesmo o fato de as massas serem dominadas, governadas, possuídas, tem de ser reconhecido e admitido como uma concessão do céu!” como ironizava Marx diante dos togados prussianos.

O STF e os tribunais constituem um instrumento de pressão do imperialismo, atuando através da elevação acima do eixo do campo de disputa interburguês (agora entre Lula e os bolsonaristas) para evitar o desencadeamento de processos políticos que poderiam alimentar a luta de classes e colocar em risco a ordem capitalista. Nada mais longe de uma posição socialista e anticapitalista que confiar em tal instituição. Daí a necessidade de combater o bonapartismo da toga de maneira independente, com os métodos da classe trabalhadora, e não confiar num poder que atende fielmente às ordens do establishment capitalista.

Mas instituições como o Judiciário não são eternas ou imunes às transformações históricas. Podem ser combatidas pela força histórica independente das massas. Retornando ao exemplo da Comuna de Paris de 1871, Marx dizia que esse Estado de novo tipo havia tornado realidade o lema das revoluções burguesas - o governo barato - ao destruir as duas maiores fontes de gastos: o exército permanente e o funcionalismo estatal. Dentro do funcionalismo estatal, incluía os juízes e magistrados. “Os funcionários judiciais deviam ser privados daquela fingida independência que só servira para mascarar sua vil subserviência a todos os sucessivos governos, aos quais, por sua vez, prestavam e quebravam sucessivamente juramentos de fidelidade. Tal como os demais servidores públicos, os magistrados e juízes deviam [na Comuna] ser eleitos, responsáveis e revogáveis”. Além do mais, recebiam nada mais que o salário médio de um trabalhador.

Trata-se de um programa democrático-radical indispensável diante do bonapartismo judiciário dos Barrosos e cia. Também hoje é necessário defender que os juízes devam ser eleitos pelo povo, revogáveis a qualquer momento e que recebam o mesmo salário de uma professora, abolindo suas verbas auxiliares (como o grotesco auxílio-moradia), parte fundamental do “governo caro” de qualquer república burguesa. Todos os julgamentos devem ser realizados por júris populares, abolindo os tribunais superiores, incluindo o Superior Tribunal Militar, como parte de um programa que levante abolição da Lei da Anistia, a abertura dos arquivos da ditadura e o julgamento e punição contra todos os responsáveis civis e militares pelos crimes de Estado durante o regime militar.

Tudo isso implica lutar pela revogação imediata das reformas trabalhista e da previdência, contra o Novo Ensino Médio e o Arcabouço Fiscal do trio Lula-Lira-Haddad. O governo Lula-Alckmin manteve de pé todas as contrarreformas que o subserviente STF de Barroso aprovou durante os governos da direita. Lula tem o Judiciário como aliado temporário, embora a nível estratégico o bonapartismo presidencial tenda a desenvolver divergências maiores com o bonapartismo togado na medida em que as expectativas da economia passem a ser frustradas (como explicamos aqui).

O combate ao Judiciário implica a total independência do governo Lula-Alckmin. A batalha da Juventude Faísca no 59º CONUNE, que iniciou com o repúdio a Barroso, deixou uma marca sobre o que é uma verdadeira juventude comunista que se opõe à uma direção da UNE subordinada não só ao governo, mas também aos tribunais e aos falsos “democratas” da toga.


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André Barbieri

São Paulo | @AcierAndy
Cientista político, doutorando pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), é editor do Esquerda Diário e do Ideias de Esquerda, autor de estudos sobre China e política internacional.
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