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Batalha de rap em Ibirité reúne a juventude em torno de uma arte combativa

Zuca FalcãoProfessora da rede pública de MG

terça-feira 10 de outubro de 2017 | Edição do dia

Começou em uma escola. Sendo mais exato, no banheiro durante o intervalo, rimando na clandestinidade, dois jovens faziam ecoar pela escola seus sonhos, angústias e revoltas. Daquele banheiro, nasceu para eles uma forma de resistir: as batalhas de rap. A vontade de Richard Junior e Christian Henrique de levar para mais jovens a oportunidade de expressar seus sentimentos, gerou uma emocionante batalha de rap, a “Batalha do Texas” em Ibirité, região metropolitana de Belo Horizonte..

Com jovens de diversos bairros da cidade, a Batalha do Texas (o nome texas deriva do apelido “Ibiritéxas”, dado pela juventude à cidade de Ibirité), acontece todas as segundas-feiras às 19:00 no Estádio Municipal de Ibirité, na área da arquibancada. Na edição especial de feriado no dia 09/10 a batalha reuniu cerca de 50 pessoas, sendo entre esses, universitários, secundaristas e jovens trabalhadores.

Leandro Zere, do coletivo Terra Firme, esteve na Batalha do Texas e disse ““Eu descobri a poesia por acaso, roubando um livro de poemas românticos, e na época que eu comecei a colar em sarau, alguns amigos do rap estavam viajando, curtindo de carro e foram alvejados por 111 tiros, e todos sem armas e drogas, e aquilo me fez pensar que toda vez que eu saísse de casa, eu seria um alvo, tá ligado, eu precisava ter um respaldo mas minha fita não era portar uma quadrada na cintura, então eu encontrei uma saída nas batalhas de mc’s, nos sarais de poesias, incentivando essa galera a ir pra cima desses cara que tão lá de cima e mostrar pra essa juventude qual o verdadeiro inimigo.
Aqui hoje vemos a semente de uma juventude que quer se expressar e necessita de ocupar espaços, levando sua voz e vez, e a luta segue sendo a voz. "

“Eu descobri a poesia por acaso, roubando um livro de poemas românticos na
escola”

João, também do coletivo Terra Firme e dos movimentos “Batalha da rocha” e “Slam Trincheira”, que está no rap a 6 anos, comentou que “Eu comecei na poesia no Ensino Fundamental, e estava rolando um projeto sobre Carlos Drummond de Andrade, e fomos conhecer sobre ele, e no final, tivemos que elaborar uma poesia sobre Carlos Drummond, e como eu já era envolvido no rap, eu peguei uma poesia dele, produzi um beat e recitei a poesia dele como se fosse um rap, e comecei a escrever mais, pra mostrar voz, pra mostrar que a gente pode ter voz, e pra mostrar pra essa galera que conseguimos ocupar espaços, e tomar o que nos é direito e mostrar que todo mundo consegue escrever e consegue ver poesia em todo canto da cidade”

“Comecei a escrever mais pra mostrar que a gente pode ter voz”

A batalha se desenvolveu com duelos entre mc’s até as finais e pausas para o público declamar poesias e intervir. Dani Alves, militante da Faísca-MG fez uma intervenção com a poesia “Um Suposto Marginal” feito por M.J.S., um estudante secundarista, que foi publicada no Esquerda Diário.

Durante as batalhas e as declamações, ficou visível a sensibilidade de uma juventude que sente na pele todos os dias as opressões que o sistema capitalista os impõe, e como a arte ajuda a juventude a expressar todo seu ódio contra um sistema que tenta nos subjugar pela cor da pele e contra a violência policial que nos aterroriza e mata vidas negras todos os dias, deixando sangue e sofrimento pelas vielas das favelas. Nessa edição foram ouvidos gritos, gritos que com certeza estavam aprisionados dentro de jovens que são obrigados a viver a margem da sociedade, em um sistema contraditório e desumano.

Christian Henrique, de 17 anos, um dos organizadores do evento, ressalta a importância de ocupar espaços levando arte e cultura para uma juventude que é excluída, e muitas vezes não tem acesso ao lazer na cidade de Ibirité:

“Aqui, dá pra levar a voz pra um povo que é silenciado, levar esperança pra quem não é ouvido, é uma batalha clandestina, mas que pode mudar a vida de muita gente.”

Richard Junior, de 17 anos, secundarista e organizador do evento, foi protagonista de um dos momentos mais emocionantes da noite, em que declamou “O Surto” que tinha escrito, mas até então não tinha tido o impulso de declamá-la.

O surto
Cai em sono profundo,
Me entreguei a seus prazeres em questão de segundos,
entretanto não cheguei a conclusão,
porque raios teria um sonho tão imundo?

Minha mente é confusa,
Me falta alguns parafusos,
existe um outro "eu" que é intruso,
um verdadeiro lado obscuro,
ao apagar-me, causa em mim uma escuridão.

Segundo relatos de minhas amargas lembranças,
Estava eu em casa, com pessoas de confiança,
Que me viram padecer, sem ao menos socorrer,
Hoje isso me causa insegurança.

Na minha boca cuspia sangue,
Havia pintado meu chão de vermelho,
Cor quente que preenche meu branco,
que vai deixando meu coração frio e lágrimas preenche meu travesseiro.

E eu gritava,
E aqueles que estavam ao meu lado n se quer ouviu,
E eu chorava,
e em meu chão coberto de sangue,
onde repousava como um samurai num cenário de kill bill.

O medo é quem me toma conta,
Mais uma pra aumentar minha dívida,
e é meu próprio ego que me afronta,
mas corri pra não perder me a vida.

Minha cabeça é de um sad boy,
Logo eu que sou Galo de briga,
Mas por mais que eu fuja ele me encontra,
Estou em Maze Runner, porém desse labirinto não vejo saída.

Agora estou preso e sozinho,
Mas avisa pro seu delegado,
Que quem devia estar entre as grades,
Foi o outro eu, que cometeu crime grave.

Uma prisão de falsas grades,
Vivo nessa cela e solitário,
Que pra me livrar desse ópio,
Me liberto quando me exponho no quadro.

Quebrei as barreiras da mente,
E agora minha cabeça tem uma faixa,
Que pra me curar escrevi essa faixa,
me sabendo que aqui ninguém me entende.

Eu acordo do sono profundo,
que me encontro no fundo do poço, jogado,
Mas consigo recuperar minhas asas,
mesmo que sozinho,
e hoje, seguindo meu caminho,
Reconstruo meu pequeno mundo desabado,
e tento usar de minhas lágrimas,
base pra construir meu império e usar sua base como aprendizado.

Espaços como a Batalha do Texas são fundamentais para que a juventude possa expressar suas angustias e anseios e construir um pensamento que expresse o desejo de mudar essa sociedade, extinguindo toda forma de opressão como a homofobia, machismo, gordofobia e exploração de classe, temas recorrentes na edição especial de feriado onde quem rimava e declamava poesias expressava em seus versos o desejo por uma sociedade mais justa e igualitária. A arte pode ser uma poderosa arma contra as contradições sociais na medida em que expressa a urgência pela revolução social.

Diante de todos os ataques que vem sofrendo a juventude desde governos anteriores, mas que se agravaram durante esse governo golpista, como a redução da maioridade penal, a juventude deve caminhar no sentido de desenvolver todo seu potencial incendiário, sendo a faísca inicial da fogueira que vai destruir esse velho mundo e construir um mundo novo onde possamos viver plenamente, e tomando a arte partindo de seu caráter fundamental que,segundo o revolucionário russo Leon Trotsky e o poeta francês André Breton "a arte verdadeira [...] se esforça por dar uma expressão às necessidades interiores da humanidade, tem que ser revolucionária, tem que aspirar a uma reconstrução completa e radical da sociedade, mesmo que fosse apenas para libertar a criação intelectual das cadeias que a bloqueiam e permitir a toda a humanidade elevar-se à alturas que só os gênios isolados atingiram no passado [...] só a revolução social pode abrir a via para uma nova cultura".

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