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Extrativismo da Braskem | “Bateram com a porta na cabeça dele”: população de Maceió sofre com violência da polícia em evacuações forçadas

Além de sofrer com os resultados do colapso do solo explorado pela petroquímica, gerando desalojamento e bairros fantasmas, com mais de 50 mil pessoas tendo que deixar para trás suas casas e toda uma história de vida, a população maceioense também enfrenta o abuso e a violência policial em todo esse processo.

sábado 2 de dezembro de 2023 | Edição do dia
Foto: Edílson Omena

"Bateram com a porta na cabeça dele"

Em matéria veiculada pelo jornal “Marco Zero Conteúdo”, depoimentos da população mostram a absoluta falta de noção, o escárnio que o governo tem para com a população e toda a brutalidade e violência das forças de “segurança”, com as Polícias Militar, Federal e Civil e a Defesa Civil, com relatos de agressão, arrombamentos e constrangimentos.

Uma moradora do bairro de Pinheiros, Priscila Barros, relata ao jornal que foi acordada com gritos da polícia e fortes batidas na porta:

Como eu estava com roupa de dormir, só pedi para trocar de roupa e retornar para abrir a porta. A Polícia arrombou a porta da casa, e eram mais de 30 pessoas. Eu estava com roupa íntima.

Ele (seu marido) foi pedir para esperarem pelo menos trocar de roupa e colocar a fralda da minha avó, que tem 95 anos e é acamada, com Alzheimer. Eles não quiseram entender e empurraram a porta, bateram com a porta na cabeça dele.

Eu já estava com minhas coisas encaixotadas para sair de lá, mas estava aguardando concluir a casa que compramos com a compensação, e que nem energia elétrica, gás, tinha. Eles reviraram tudo o que tenho, tudo. Minhas roupas, pertences. Bagunçou tudo. Bagunçaram a roupa do meu pai, que é falecido. Pisotearam. Minha avó, muito assustada, começou a gritar. Foi um terror. Nos tiraram a força.

Priscila conta que toda a biblioteca herdada de seu pai e todos os animais que mantinha ficaram para trás, incluindo galinhas, coelhos e guinés. “Eu não trouxe nada. Os livros do meu pai, 95% estavam já encaixotados. Parte para doar, parte para ficar para mim. Meus animais ficaram sem comida e sem água”.

Os policiais estavam acompanhados pela empresa de consultoria “Diagonal”, que foi contratada para fazer um plano de ação sociourbanístico e, acreditem se quiser, garantir o “processo participativo” da população. O depoimento de Priscila é suficiente para ilustrar bem o que a empresa realmente quer garantir:

O pessoal da Diagonal me prometeu que no dia seguinte iriam chamar um eletricista para conseguirmos ligar a energia na casa, que tivemos que ir às pressas, e também que providenciariam um alambrado para que eu pudesse colocar meus animais [...] Quando cheguei hoje aqui na casa, para dar água e comida aos animais, eles não quiseram deixar eu entrar e retiraram meus animais, levando para Viçosa.

Nossa Chernobyl

Para o professor Pedro Côrtes do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (USP), o colapso em curso em Maceió é a “nossa” Chernobyl: “Uma área de grande exclusão, onde as pessoas não vão poder voltar, pelo menos não tão rapidamente, afetando diversas famílias. É considerado hoje o maior desastre ambiental em ambiente urbano”.

Os poços de extração construídos pela Braskem equivalem em média a 40 prédios de 10 andares empilhados um sobre o outro, cerca de 1,2 km de profundidade. Esse buracos, chamados de cavernas, vão se juntando a outros, e “engolem” as edificações que estão na superfície.

Segundo a própria Defesa Civil, a área ao redor da mina 18 está afundando a uma velocidade de cerca de 2,6 cm por hora. Uma situação desesperadora de 55 mil maceioenses abandonando suas casas, com mais de 17 mil imóveis sendo esvaziados, milhares de desabrigados e um hospital tendo que ser evacuado às pressas.

Para os trabalhadores o cenário é de abandono das próprias casas, sem necessariamente saber para onde ir, isso se conseguirem sair há tempo, ou seja, um enorme risco de vida. Isso se explica pelo fato de que são os lucros que movem a atividade mineradora da Braskem, muito acima da preocupação com a segurança dos moradores da região da mina. Vemos aqui mais uma vez a natureza cedendo devido à exploração capitalista sem precedentes e os trabalhadores e população pobre pagando com as consequências. Crise ambiental criada pelo capitalismo sendo paga com a (qualidade de) vida dos trabalhadores às custas de inflar os bolsos das grandes empresas.

"Foi a pior tragédia que vivi na minha vida, com 65 anos de idade"

Em outro depoimento dessa mesma matéria, uma moradora de 65 anos, Sônia Farias, relata de maneira visivelmente abalada:

Eu moro na Rua Joaquim Gouveia de Albuquerque, minha casa não tem nenhum problema. Eles aproveitaram o problema da Braskem para fazer isso comigo. Como eu passei mal, e fui socorrida, fiquei só com a camisola que estava vestida. Agora não posso entrar na minha casa, não posso tomar meus remédios de uso contínuo. Estou em estado de choque. Meu marido saiu só com a roupa do corpo, porque deram cinco minutos. Meus três netos pequenos choravam, quando entraram os policiais armados dentro de casa. Foi a pior tragédia que vivi na minha vida, com 65 anos de idade.

Esses relatos são de pessoas que não estão morando na área de risco ao redor da mina 18, onde existe uma situação de emergência e que a prefeitura, comandada por João Henrique Caldas do PL, decretou a remoção forçada com uso das forças de repressão policiais.

Há anos os moradores vêm denunciando as áreas de risco em que estavam submetidos a permanecer, e há anos a empresa Braskem com anuência dos governos vêm resistindo em implementar a realocação pedida pelos moradores e já assinalada por pesquisadores. Agora que a situação é totalmente calamitosa, depois de décadas de exploração da região, é novamente a população que sofre de maneira dobrada, tendo que enfrentar a triste mudança de seus lares, e a repressão policial absurda, sem nenhuma informação sobre seus futuros ou para onde serão realocados.

Uma situação que já vêm gerando revolta e manifestações das populações, que exigem que sejam tratadas humanamente e recebam as indenizações e moradias dignas. A Braskem firmou um acordo na calada das comemorações da virada de ano de 2019 para 2020 que previa uma "indenização" para os moradores. Indenização aqui está entre aspas, pois este acordo previa a transferência das propriedades para o nome da própria... Braskem. Ou seja, a empresa se aproveitando da tragédia que ela mesma causou para adquirir todo o terreno ao redor. Uma sanha de lucro abismante.

O único caminho que pode ser seguido para acabar com o uso do meio ambiente a serviço dos lucros é batalhar por uma resposta operária aos problemas colocados, partindo da organização da população trabalhadora de toda a região para exigir que o Estado garanta absolutamente todas as condições básicas de se proteger do risco colocado, com, no mínimo, a garantia de abrigo às famílias nas áreas de risco. É preciso ser contra toda e qualquer repressão à população que é a vítima de toda essa tragédia capitalista anunciada. E, claro, que todos os responsáveis sejam punidos.

Além disso, é preciso lutar pela expropriação e estatização da mineradora sob gestão de trabalhadores e controle popular, atacando os lucros capitalistas, com os próprios trabalhadores da Braskem controlando um processo de transição ecológica que supere esse modelo predatório de mineração, para que os recursos sejam extraídos de acordo com as necessidades e interesses da população trabalhadora brasileira, em consonância com a preservação ambiental e das populações locais.




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