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VIOLÊNCIA ESTATAL | Carta da juventude Faísca da UERJ à família de Caio Gomes

Caio, 23 anos, estudante de Educação Física quase formando pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, na manhã do dia 19/10, havia levantado para tomar um suco, nas primeiras horas do dia, e seu sorriso, sua alegria, sua vida foram atravessados por uma bala. Ele sonhava em conseguir se mudar para se livrar do cenário de violência que impregna diversas favelas e bairros do Rio. Nesse dia ocorria uma operação policial no Morro da Coroa e Caio foi atingido em sua casa no bairro Catumbi, onde morava com sua família.

terça-feira 27 de outubro de 2020 | Edição do dia

“Carta à família e amigos de Caio,

A notícia que chegou na semana passada (19/10) partiu o coração de vocês mas também de todos que estudam na UERJ. A notícia de que Caio teve seus sonhos interrompidos por um projétil dentro da sua casa nos encheu de tristeza e também de raiva. Maria, quando você diz que está com o “coração arrasado”, representa um pouco do que sentimos. Ainda assim nossa dor não se compara a de vocês e dos amigos, especialmente a dor de uma mãe e uma irmã, que segurou Caio em seus braços enquanto sua vida era arrancada de maneira tão cruel e injusta.
Todos os relatos sobre ele feito por vocês nos emocionam. A alegria por ele transmitida aqueles que o cercavam é de longe a marca mais presente e dói saber que não mais viverão momentos alegres ao lado dele.
Os sonhos e desejos de uma parcela significativa da juventude pobre e negra são arrancados a força cotidianamente nesse sistema de exploração desse Estado capitalista.
Você Maria, como muitas de nossas mães e avós veio de longe, da Paraíba, sonhava em conseguir dar aos seus filhos coisas que nem deveriam ser sonhos: educação e a possibilidade de uma vida um pouco melhor. Você criou Caio, com toda certeza, com muito esforço, trabalho, dedicação e carinho. A alegria que ele esbanjada com certeza vem do amor e afeto que é possível sentir nas suas declarações.
Maria você se pergunta “quantas mãe?” Nos somamos a essa pergunta. Quantas mães? Quantas esposas? Quantas irmãs? Quantas amigas e quantos amigos? Quantos professores? Quantos de nós ainda perderão os seus e sentirão seus corações arrasados por mortes desse tipo? Quantos enterrarão os seus sabendo que a justiça é inalcançável, principalmente quando o responsável direto é o Estado e sua polícia? Quantas Brunas Silva, Marias, Marinetes, Lucianas, Anas, Adrianas ainda enterrarão seus filhos devido à violência da qual o Estado é o principal responsável e incentivador?
Quantas vezes mais veremos mortes assim e sofreremos por sua brutalidade e por saber também que nenhum dos nossos companheiros de sala estão seguros? Nem mesmo dentro de suas casas, que mesmo em um cenário de pandemia não deixamos de ser alvos?
Nós da juventude Faísca lutamos para que um dia nenhum jovem seja vítima do Estado e das injustiças do sistema capitalista, batalhamos dentro e fora da universidade para que um mundo novo exista. Um mundo onde mães como você Maria, mães sonhadoras, trabalhadoras, não enterrem precocemente seus filhos. Um mundo onde não precisamos sonhar em deixar os lugares onde crescemos para poder nos sentirmos seguros, um mundo onde valha a pena viver, onde a vida merece ser vivida.
Um mundo completamente novo, onde a educação, o ensino superior, não seja um sonho ou fruto de grandes esforços de nossas famílias, mas consequência natural do nosso desenvolvimento e da nossa vontade de acessar todo conhecimento produzido pela humanidade. Um mundo onde corações de Marias não sejam arrasados e cartas como essa não precisem ser escritos. Um mundo onde a vida seja bela e as futuras gerações possam dela desfrutar de forma livre, sem as maldades e opressões a que a juventude é submetida hoje. Um mundo onde a vida seja plena e os sonhos de Maria, de Caio e sua família e amigos nunca sejam interrompidos. Estamos com vocês! Caio, presente!”




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