Logo Ideias de Esquerda

Logo La Izquierda Diario

SEMANÁRIO

Centavo: “O grafite também sempre foi uma arte de protesto, de reivindicação.”

Gabriel Brisi

Dossiê

Centavo: “O grafite também sempre foi uma arte de protesto, de reivindicação.”

Gabriel Brisi

Aos 50 anos de hip-hop, com o avanço do grafite que se espalhou por todo o Brasil e assim como o pixo encontra em São Paulo. O Carcará entrevistou o grafiteiro e tatuador de Jundiaí, Gustavo Tavares vulgo “Centavo”, para trocar uma ideia nesses 50 anos de hip hop sobre arte urbana. A entrevista foi concedida a Gabriel Brisi.

Gabriel Brisi: Como você começou? quais eram suas referencias, como foi esses primeiros contatos com o hip-hop, com o grafite o pq vc decidiu seguir por esse caminho da arte.

Centavo: Comecei no grafite em 2005, só comprei a tinta e fui pra rua pintar mano. A referencia que eu tinha, dos primeiros grafites que eu vi e gostei, que achei um bagulho mágico foi um grafite do Bongas, que é lá de Caieiras e até hoje tá na ativa. Eu vi um grafite do Michael Jackson na estação Pirituba. Na época eu ia muito pra São Paulo, porque eu ia fazer um tratamento de saúde lá, minha mãe me levava na Barra Funda. Aí eu vi esse rosto, e não acreditei que os caras faziam isso com spray! Nem sabia que era o Bonga. Só fui saber isso muitos anos depois, quando eu conheci ele, aí eu comentei desse grafite aí.

Eu gostava muito de desenhar realismo: desenhava meu professor no caderno, foto de família pra dar de presente. Aí quando eu vi um rosto na parede assim feito com spray, mexeu muito comigo. Nem sabia o que era hip hop. Era tipo assim: eu queria pintar parede mano, não sei nem o porquê. Eu achava daora demais ver o grafite na parede. Eu nem acredito que eu segui esse caminho. Acho que foi meio que o grafite que me escolheu. Dentro do hip hop eu sempre gostei muito de break. Eu queria ser B-boy mas eu era muito tímido, muito durão pra dançar. Aí o grafite, o desenho, era um universo que eu ficava mais eu comigo mesmo né. Então acho que eu desenvolvi melhor e fui seguindo. Aí eu não parei mais. Dei uma pausa quando eu comecei a fazer faculdade, por conta de trampo, mas desde que eu pintei a primeira parede em 2005 eu já sabia que eu ia fazer isso pro resto da vida mano.

Gabriel Brisi: Como foi a caminhada até aqui? tipo sei que teve um momento que vc tinha que conciliar o trampo com a arte e outro trampo, como foi isso? Pensando também toda a marginalização do grafite tbm, ai tbm o papel da polícia em reprimir, o próprio Estado que vira e mexe apaga vários grafites.

Centavo: A caminhada do grafite até aqui foi assim, mais uma jornada de autoconhecimento, sabe? Isso sempre foi uma coisa que deu norte na minha vida. O desenho e o grafiti pra mim andam juntos. Sempre que eu evolui em um, evolui em outro. E é uma parada que mudou muito né, de uns tempos pra cá. Hoje a gente tem muito mais acesso à informação, a gente pode conversar com uma pessoa que mora lá em Minas, que a gente gosta do trabalho e que mora longe. É uma coisa que eu nem sei definir. Pra mim, como pessoa, com certeza foi uma coisa que salvou minha vida, me deu uma autonomia pra vida, uma coisa bem doida, sabe? Dei uma afastada quando eu fui pra faculdade. Sou formado em publicidade, fiz até uma pós graduação. Fiquei uns 5 anos sem pintar muito na rua, porque eu tinha que trabalhar e estudar e nem dava tempo mesmo. Mas foi só esse período aí mesmo. Eu me formei em 2011. Fiquei afastado desde 2007 até 2011, tinha que cuidar da casa e ajudar minha mãe. Quando eu tava nessa loucura de trampar e estudar eu nem percebia nada. Aí eu percebi o quanto fez mal pra mim ter parado. Trabalhei uns anos nessa área de publicidade e de marketing, mas eu vi que não conseguia desenvolver as coisas que eu curtia. É difícil fazer o grafite virar sua renda, você se profissionalizar. Eu não tinha muito conhecimento burocrático pra formalizar o negócio. Como que eu ia formalizar uma parada que eu fazia na rua? Eu nunca pensei em fazer o grafite virar dinheiro. Ele foi uma consequência da minha maturidade profissional mesmo que eu fui adquirindo com os anos. Aí eu entrei pra tatoo.

Comecei a tatuar aí como uma forma de complementar a renda, sair do CLT, de trampar em empresa. Foi uma coisa engraçada: eu tava fazendo grafite na rua aí o Boca, tatuador, passou lá. Ele tinha acabado de voltar para Jundiaí e me viu pintando. Daí ele parou pra trocar ideia. Ele disse que tava abrindo um estúdio de tatuagem e me perguntou se eu tinha interesse. No outro dia eu desci lá pra falar com ele e ele montou pra mim uma maquininha, meio frankenstein assim. Eu fui ser aprendiz dele. Olha que coisa doida: até o grafite que me abriu essa outra porta. Se eu não estivesse pintando o muro talvez eu nem tivesse conhecido o Boca. Então o grafite sempre cumpriu pra mim um papel principal na arte. Sou muito grato.

Você perguntou pra mim o lance da polícia né. Até hoje tem uns probleminhas, mas é muito mais de boa. Lá de 2007 até 2009 foi a pior parte. Eu tava querendo evoluir no grafite, tava tendo mais revistas e mais informação, só que aí a polícia zuava né. O que mais aconteceu comigo, de pesado assim, foi a polícia pintar nossa cabeça com tinta. Nunca deu nada mais pesado assim pra mim não. Mas é isso, eles sempre tentam apagar o grafite, que é uma manifestação cultural. Eles apagavam e a gente fazia mais. Aí eles iam lá e apagavam e a gente fazia mais de novo. Sempre como gato e rato. Mas isso foi mais lá atrás. Mas de uns 5 anos pra cá o grafite é bem suave. Se você tá parado hoje com uma caixa cheia de tinta colorida a polícia nem para mais, hoje é mais suave. Mas antes era pegado.

Gabriel Brisi: Linkando com o final da última, uma pergunta mais pra falar sobre a liberdade da arte. Você acha que o grafite tem essa potência de ser uma arte livre. Fiquei pensando isso, porque pra mim faz sentido o grafite como uma forma de arte livre e de acesso mais amplo, nas ruas. Eu mesmo conheci sua arte nos muros antes de te conhcer e já admirava pra caramba o seu corre, então essa expressão da arte até mais nas antigas mesmo como os bombs nos vagão de trem em Nova York que tinham palavras de ordem de reividicações da população, enfim o hip-hop em geral a ligação com o movimento negro etc.

Centavo: O grafite é uma das poucas artes que você faz o que você quer. Você vai lá e escreve seu nome na rua. De todas as artes que eu tive contato o grafite é a que você tem mais liberdade mesmo, o grafite é diferenciado. Ele tem mesmo essa potência que você comentou de ser uma arte livre, que liberta. Um grafite na parede já está reivindicando um direito seu, de se expressar. Acho que muita gente conhece meu trampo sem me conhecer, assim como você disse que me conhecia. Eu sempre fui um artista que sempre gostou mais de ser mais sozinho, sabe? De fazer as coisas no meu mundo, mais fechado. Gosto de pintar no coletivo também, que é o caminho de luta né. Mas o grafite é a única arte que eu entro só no meu mundo. Pode estar passando o caminhão da carreta furacão ali que eu nem escuto passar. É um momento que eu nem sei onde eu tô, só o grafite proporciona isso.

Você comentou também sobre o protesto. O grafite também sempre foi uma arte de protesto, de reivindicação. Ele vem da grafia, do protesto. É uma coisa também da pixação, vem de uma parada anarquista, do movimento punk. É um derivado de vários momentos da história que são momentos de luta.

Você falou aí do movimento negro né. Eu nem digo que o grafite é uma coisa do movimento negro, acho que é mais uma fita de um “movimento periférico”, sabe? Lógico que consequentemente, na favela, de onde o bagulho veio, a maioria das pessoas são pessoas pretas. Acho que a periferia sempre tá ligada ao movimento negro. Eu nunca falo do movimento negro, porque eu não sou uma pessoa retinta né, me considero pardo. Aí quando eu vou falar do grafite não falo como movimento negro, falo mais de movimento de periferia, que aí eu acho que já dá para as pessoas entenderem que tudo que vem de periferia é preto. Os protagonistas foram pessoas pretas. Eu acho que é preto mesmo, é de quebrada, e é isso mesmo.

Acho também que é uma arte muito democrática né mano. Quando você faz um grafite na rua assim ele já não é mais seu. Ele é da criança que tá indo pra escola, do idoso, do trabalhador que tá indo pro trabalho. É uma parada muito louca.

O hip hop, todo mundo falava do hip hop como uma cultura. Hoje eu não consigo mais falar do hip hop como uma cultura, é mais uma filosofia de vida mesmo, não tem como explicar. Do mesmo jeito que o rap salva a vida das pessoas, o break, o dj… o grafite também. O grafite pra mim muitas vezes foi uma terapia. Acho legal a questão democrática da parada: uma pessoa hoje que vai começar tem muito acesso, muita coisa boa na internet sabe? Acho que isso está evoluindo cada vez mais. Já faz 18 anos que eu to pintando: hoje eu vejo o grafite como um movimento artístico. Tipo o iluminismo, o cubismo, modernismo. Tipo assim, daqui a 10 anos nos livros de história vai ser visto como um movimento. Um dos que mais dura. O grafite é o único movimento que não para de mudar. Eu acho que ele vai ser o movimento artístico mais longo e mais difícil de definir. Tipo, o renascimento tem várias características, de tipo de pintura e técnica e tal. Já o grafite é muito diferente sempre. Sempre que você tenta colocar ele numa caixinha vem alguém e faz algo novo. Tem muitos estilos dentro do grafite. É um movimento histórico cultural aí que eu acho que vai durar mais uns 10, 15 anos em alta. Ele é o ápice da arte contemporânea


veja todos os artigos desta edição
CATEGORÍAS

[Carcará - Semanário de Arte e Cultura]   /   [Arte de Rua]   /   [arte urbana]   /   [Grafite]   /   [Arte]   /   [Artes Visuais]   /   [Negr@s]

Gabriel Brisi

Estudante de Ciências Sociais - Unicamp
Comentários