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Cinema | Close: um filme contra a LGBTfobia e as caixas pré-determinadas do amor

Close, nome original do filme dirigido pelo diretor belga Lukas Dhont, pode ser traduzido para o português como “junto”, “perto”, “próximo”, “íntimo”, “unido”. A simplicidade do título é eficiente em expressar sua temática e revelar, como mostraremos nesta crítica, também seu argumento mais profundo.

terça-feira 11 de abril de 2023 | Edição do dia

Este drama cinematográfico vem comovendo plateias por sua sensibilidade e por sua narrativa emocionalmente impiedosa, que utiliza de recursos intensos para partir o coração de seu público. A temática das consequências da LGBTfobia é o tema mais amplo do filme, acompanhando a relação carinhosa entre Leo e Rémi. Ambos garotos de 13 anos, que construíram uma amizade de intimidade, companheirismo e afeto. Quando entram para o colégio o questionamento pré-conceituoso da natureza desta relação por parte dos colegas torna-se um primeiro ponto de afastamento entre eles. As “brincadeiras” e agressões homofóbicas que se seguem termina por afastá-los por completo, levando-os a um profundo sofrimento.

Buscaremos não dar spoiler sobre os eventos mais marcantes do filme, ainda que não sejam exatamente surpreendentes em si mesmos. O roteiro não possui nenhuma grande reviravolta, nenhum plot twist. Ao contrário. O mérito do filme não está aí. A história da trama é simples e se desenvolve linearmente, com apenas um ou outro salto, mas que pode ser facilmente antecipado pelo espectador, na medida em que as cenas apenas revelam aquilo que já imaginamos quando tememos pelo pior. Tão pouco se trata de uma história super criativa, no sentido da sua premissa básica e como os eventos são explorados no desenrolar dos conflitos.

Entretanto, a excelente atuação dos artistas junto a capacidade da câmera de agarrar pacientemente o tempo das emoções dos personagens, é mais do que o suficiente para nos envolver e nos fazer chorar junto (e muito, no meu caso). Os eventos da trama carregam enorme peso emocional, mas o que nos toca é a verdade com que nos é transmitido.

A denúncia do papel destrutivo da homofobia é explícito, pois todos os conflitos partem daí. Apesar do filme, em sua camada mais explícita, manter a relação entre os garotos no campo da amizade, também é comum a interpretação entre os espectadores de que Leo e Rémi experimentaram o prelúdio de uma relação homoafetiva, entre jovens ainda se descobrindo do ponto de vista sexual. Talvez esta seja a interpretação generalizada no âmbito do senso comum, sendo também suficientemente forte para apreciar o filme, se sensibilizar e transmitir sua mensagem.

Mas também é possível interpretar que de fato tratava-se de uma amizade muito afetuosa, como propõe a sinopse e o roteiro, resguardando e ressignificando sua mensagem desde outra perspectiva. Ainda há quem atribua a um ou a outro uma orientação homossexual, dando uma conotação “assimétrica” para relação de ambos, sem deixa-la menos verdadeira em seu conteúdo, e neste caso também a mensagem não perde sua força.

Porém, justamente porque independente da interpretação que se faça, a mensagem segue forte, na opinião deste que lhes escreve, a beleza e a potência sensível deste filme está justamente na sutil ambiguidade construída na relação de amizade entre Leo e Rémi, pois a mensagem do filme possui uma segunda camada, que pode ser percebida logo nos primeiros minutos.

Se na camada mais explícita do roteiro temos a crítica às consequências impiedosas das formas mais banais da homofobia, o lugar incomum da relação de Leo e Rémi apresenta uma camada mais profunda e mais sensível de seu argumento. Trata-se também de um forte e sensível crítica às “caixas” e formas socialmente pré-estabelecidas com que expressamos o amor, regidas por normas cis heteronormativas onde o afeto esta restringido pelos limites da moralidade sexual do patriarcado.

Em suma, o filme ganha toda sua força quando percebemos que, na realidade, não importa a orientação sexual de Leo e Rémi e nem mesmo que tipo de relação estavam construindo (se é que em algum momento ela viria a se enquadrar em um tipo pré-determinado de relação). Em todos os cenários imagináveis na complexa fluidez da sexualidade, determinada pelas experiências interpessoais, pelas relações sociais, pelos sentimentos humanos, pela atração física e pelo afeto, a história do filme mantém sua comoção avassaladora inalterada.

A obra se torna inclusive, particularmente bela, e revela sua originalidade quando percebemos que a desconstrução do preconceito e dos lugares comuns do afeto e do amor foram conscientemente conduzidas pelo roteiro e pelos personagens. Assim como desconstrói os lugares comuns na hierarquia das relações, transmitindo também que, a amizade, e os sentimentos que podem envolvê-la, são tão fortes quanto às relações onde se prepondera a interação sexual, assim como sua importância em nossas vidas, podendo igualmente nos mover e nos ferir fortemente.

Ao final, a complexa análise combinatória que nos é permitido imaginar a respeito dos sentimentos e o tipo de relação que estabeleciam, dentro das sutis ambiguidades construídas pelo roteiro, o faz transmitir mensagens de múltiplas cores, igualmente potentes e lindas, para uma única relação, entre Leo e Rémi, e pode ser traduzida em uma única palavra que intitula o filme Close (íntimo).

Esta sinopse crítica é a primeira parte da análise Close: desconstruindo as “caixas” que aprisionam o amor com o “eros alado” de Kollontai, que aprofunda na interpretação do filme e seu potencial questionador em diálogo com a carta Abram caminho para o eros alado, de Alexandra Kollontai. Se você também se comoveu com este filme e quiser se aprofundar sobre os recursos de roteiro que o faz tão especial, clique neste link para ler a crítica e análise completa.




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