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TEORIA | Comentando o texto “Sobre as greves”

terça-feira 16 de junho de 2015 | 00:25

Por José Carlos, trabalhador da indústria de alimentos

Esse texto foi escrito por um revolucionário russo chamado Lênin, em 1889. Resolvi escrever um comentário sobre ele porque onde trabalho todo mundo sabe que precisaria ter uma greve para as coisas melhorarem, mas também todo mundo vê como é difícil fazer uma. Acredito que esse texto ajuda a gente a entender o que são e como ocorrem as greves, além de outras coisas. Naquela época, a Rússia vivia uma grande onda de greves e depois até chegou em uma revolução, por isso Lênin conseguiu ver tão claramente as coisas. Hoje em dia o Brasil ainda não está assim, mas a cada ano vemos mais e mais greves, podendo chegar numa situação parecida em breve.

A greve vem do conflito de interesses entre patrões e trabalhadores

Para explicar o nascimento das greves, primeiro Lênin fala sobre como nossa sociedade está organizada e como ela funciona: “Denomina-se capitalismo a organização da sociedade em que a terra, as fábricas, os instrumentos de produção etc., pertencem a um pequeno número de latifundiários e capitalistas, enquanto a massa do povo não possui nenhuma ou quase nenhuma propriedade e deve, por isso, alugar sua força de trabalho. (...) Portanto, na economia capitalista, a massa do povo trabalha para os outros, não trabalha para si, mas para os patrões, e o faz por um salário. Compreende-se que os patrões tratem sempre de reduzir o salário; pois quanto menos entreguem aos operários, mais lucro lhes sobra. Em compensação, os operários tratam tentar de receber o maior salário possível, para poder sustentar a sua família com uma alimentação abundante e sadia, viver numa boa casa e não se vestir como mendigos, mas como se veste todo mundo”.

Depois, ele mostra como a situação de vida dos trabalhadores faz a sua consciência mudar, chegando à conclusão da necessidade de uma greve: “É impossível para o operário lutar sozinho contra o patrão. Se o operário exige melhor salário ou não aceita a sua rebaixa, o patrão responde: vá para outro lugar, são muitos os famintos que esperam à porta da fábrica e ficarão contentes em trabalhar, mesmo que por um salário baixo.” (...) “Quando a ruína do povo chega a tal ponto que nas cidades e nas aldeias há sempre massas de desempregados, quando os patrões amealham enormes fortunas e os pequenos proprietários são substituídos pelos milionários, então o operário isolado transforma-se num homem absolutamente desvalido diante do capitalista.” (...) “Pois bem, para não permitir que sejam reduzidos a essa tão extrema situação de penúria, os operários iniciam a mais encarniçada luta. Vendo que cada um deles por si só é absolutamente impotente e vive sob a ameaça de perecer sob o jugo do capital, os operários começam a erguer-se, juntos, contra seus patrões. Dão início às greves operárias”.

Não é fácil chegar a essa conclusão...

Até que os trabalhadores de uma fábrica decidam se organizar e fazer uma greve, normalmente acontecem várias coisas antes, que já são fruto daquele conflito de interesses: “A princípio, é comum que os operários não tenham nem sequer uma ideia clara do que procuram conseguir, não compreendem porque atuam assim: simplesmente quebram as máquinas e destroem as fábricas. A única coisa que desejam é fazer sentir aos patrões a sua indignação; experimentam suas forças mancomunadas para sair de uma situação insuportável, sem saber ainda porque sua situação é tão desesperada e quais devem ser suas aspirações”. São formas prematuras e impotentes de luta e acabam favorecendo a repressão e o amedrontamento dos trabalhadores. Apesar disso, essas primeiras formas de manifestação já fazem parte de algo que está se desenvolvendo: “Em todos os países, a indignação começou com distúrbios isolados, com motins, como dizem em nosso país a polícia e os patrões. Em todos os países, estes distúrbios deram lugar, de um lado, a greves mais ou menos pacíficas e, de outro, a uma luta multifacetada da classe operária por sua emancipação”.

Greve: uma conclusão perigosa

A conclusão sobre a necessidade de fazer greve pesa muito na mente dos trabalhadores, pois significa uma mudança na maneira como se colocam no mundo: “Mas quando os operários levantam juntos suas reivindicações e se negam a submeter-se a quem tem a bolsa de ouro, deixam então de ser escravos, convertem-se em homens e começam a exigir que seu trabalho não sirva somente para enriquecer a um punhado de parasitas, mas que permita aos trabalhadores viver como pessoas. Os escravos começam a apresentar a reivindicação de se transformar em donos: trabalhar e viver não como queiram os latifundiários e capitalistas, mas como queiram os próprios trabalhadores. As greves infundem sempre tal espanto aos capitalistas porque começam a fazer vacilar seu domínio”.
Desde o início é preciso levar em conta os problemas que uma greve pode trazer para os trabalhadores: “Toda greve acarreta ao operário grande número de privações, e, além disso, tão terríveis que só se podem comparar com as calamidades da guerra: fome na família, perda do salário, frequentes detenções, expulsão da cidade em que residia e onde trabalhava”. Apesar disso, quem mais teme as greves são os patrões, não só pelo prejuízo das horas paradas, mas pelo movimento que ela desencadeia na mente dos trabalhadores: “Os homens que resistem a tais calamidades para quebrar a oposição de um burguês, saberão também quebrar a força de toda a burguesia”, dizia um grande mestre do socialismo, Engels, falando das greves dos operários ingleses”.

Greve é “escola de guerra”

Os garis do Rio de Janeiro, que em 2014 fizeram uma grande greve vitoriosa, deixaram entre suas principais lições uma união exemplar. A união é muito necessária para começar, mas também é um grande aprendizado das greves: “Assim, as greves ensinam os operários a unirem-se, as greves fazem-nos ver que somente unidos podem aguentar a luta contra os capitalistas, as greves ensinam os operários a pensarem na luta de toda a classe operária contra toda a classe patronal e contra o governo autocrático e policial. Exatamente por isso, os socialistas chamam as greves de “escola de guerra”, escola em que os operários aprendem a desfechar a guerra contra seus inimigos, pela emancipação de todo o povo e de todos os trabalhadores do jugo dos funcionários e do jugo do capital”.

Em seguida, Lênin destaca pontos centrais das “escolas de guerra”: 1- “Com efeito, para que as greves tenham êxito são necessárias as caixas de resistência [fundo de greve], a fim de manter os operários enquanto dure o conflito”; 2- “Em segundo lugar, as greves só são vitoriosas quando os operários já possuem bastante consciência, quando sabem escolher o momento para desencadeá-las, quando sabem apresentar reivindicações, quando mantêm contato com os socialistas para receber volantes e folhetos”; 3- “Em terceiro lugar, as greves mostram aos operários, como vimos, que o governo é seu inimigo e que é preciso lutar contra ele”.

“Mas a ‘escola de guerra’ ainda não é a própria guerra”

Depois de explicar tanto as dificuldades como o potencial das greves, para mudar a mente dos trabalhadores, Lênin mostra como só as greves não bastam: “Vendo a força que representam a união dos operários e até mesmo suas pequenas greves, pensam alguns que basta aos operários deflagrarem a greve geral em todo o país para poder conseguir dos capitalistas e do governo tudo que queiram. Esta opinião também foi expressa pelos operários de outros países quando o movimento operário estava em sua etapa inicial e os operários ainda tinham pouca experiência. Esta opinião, porém, é errada. As greves são um dos meios de luta da classe operária por sua emancipação, mas não o único, e se os operários não prestam atenção a outros meios de luta, atrasam o desenvolvimento e os êxitos da classe operária”.

Por fim, termina o texto explicando quais os passos seguintes para a nova consciência dos trabalhadores, que passaram pela experiência de grandes greves: “Das greves isoladas os operários podem e devem passar, e passam realmente, em todos os países, à luta de toda a classe operária, pela emancipação de todos os trabalhadores”.


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