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HORAS DEPOIS DO GOLPE | Consumado o golpe e planejados os ataques, no Senado e nas ruas há ruído de uma crise que não fecha

Primeiras reflexões sobre o que o dia de hoje mostrou. O impeachment não parece resolver a crise política, as movimentações para garantir os direitos políticos de Dilma e a crise que isso abriu no tucanato são mostras da continuidade da crise, ou, ao menos, um profundo rearranjo no quadro e nos atores. Por outro lado as mostras de resistência na juventude também colocam novas interrogações. Em meio a estas múltiplas tendências, pode emergir uma esquerda que tire lições do golpe e de como o PT não preparou uma séria resistência ao mesmo.

Leandro LanfrediRio de Janeiro | @leandrolanfrdi

quinta-feira 1º de setembro de 2016 | Edição do dia

Temer comemorou com um largo sorriso sua posse como presidente em apressada cerimônia. Felicitou seus ministros e os exortou que agora tinham um desafio, o retórico de “unir o país”, e um verdadeiro, de “readequar as relações dos trabalhadores e empresários”. Um exercício eufêmico para a defesa de profundos ataques às aposentadorias a aos direitos trabalhistas.

Surpreendentemente, mostrando serviço à grande mídia e aos empresários que estavam começando a subir o tom, Temer defendeu essas mesmas contra-reformas em seu discurso em rede nacional de televisão. Esse discurso foi recebido por panelaços (conforme apurou este Esquerda Diário) e gritos de “fora Temer” em várias cidades do país, ao mesmo tempo que aconteciam atos com importante peso de juventude em várias cidades. No mesmo discurso sequer escondeu suas intenções privatistas e entreguistas na viagem internacional que já começou horas depois de tomar posse.

Esta linha de ataque aos trabalhadores já era um uníssono dos editoriais dos jornais nessa manhã. Alguns acrescentavam, e “há que reprimir os baderneiros”. Competindo no afã de atender ao pleito da “sociedade civil organizada” (em forma de tablóide), a PM de Alckmin, que caçou manifestantes por horas, e a Brigada Militar de Sartori deram suas mostras de respeito ao rito democrático e as exortações republicanas expedidas nas TVs e no Senado, mesmo tom empregado por Aloysio Nunes, ex-guerrilheiro feito tucano, feito líder de governo golpista, ele chamou os manifestantes dos últimos dias de fascitóides que deveriam ser reprimidos.

Temer veio para atacar, para isso recorrem a um golpe institucional e isso ele deixou claro na reunião ministerial e no pronunciamento à nação

Para isso fizeram a patética cena de 61 oligárquicos e criminosos senhores sequestrarem o voto de milhões. Cena que teve tons da Câmara de Deputados com a advogada Janaína falando de deus como articulador do golpe e sem vacina anti-rábica o herdeiro de senhores de engenho, de família senhora de escravos, o líder do DEM Ronaldo Caiado proferir um anúncio que por ele queria era o fim do PT e fim do petismo (entendido isso como todos aqueles que tenham alguma reivindicação social). O notório corrupto Cássio Cunha Lima, líder do PSDB, da Paraíba falar em ética.

A votação do impeachment e os novos sinais na crise política

A votação do impeachment por ampla margem, 61 senadores a 20, não surpreendeu. Minuto seguinte, no entanto, a articulada votação de permitir que Dilma mantivesse seus direitos políticos abriu crise nas forças golpistas e novas interrogações em uma crise política que o golpe não fecha.

Com direito a discurso de Renan, cacique do PMDB de Temer e Presidente do Senado embrenhando a Constituição Federal, 19 senadores passaram do voto “sim” ao impeachment ao voto não ou abstenção na cassação dos direitos políticos. Minutos depois disso o tucano Aloysio Nunes, intempestivo como os ataques que o Estadão quer contra os direitos trabalhistas, anunciava que não podia mais ser líder do governo no senado, o probo tucano paraibano Cunha Lima falava que seu PSDB tinha que romper com Temer, e Aécio corria às TVs para afirmar que não, que iriam pensar com calma e que Temer havia ligado para ele para juntos entrarem em ação no STF pela inconstitucionalidade da manobra. Horas depois descobrimos que tanto Temer como todo tucanato suspenderam essa ação. Solidariedade e outros membros do golpismo “hard core” o farão. À riscos de abrir questionamentos a constitucionalidade do conjunto da obra.

Essa movimentação atende a múltiplas movimentações dentro do regime e dá mostras que a crise não se resolve facilmente com o golpe. Por um lado, o tucanato pode estar se movendo em perfil eleitoral (com vistas a outubro) e para a sucessão de 2018 (ou antes disso caso um “acidente” físico, judicial ou da luta de classes acometa Temer). Por outro, Renan pode estar em movimentação com a complexa base de senadores nordestinos que eram base do PT, votaram pelo golpe mas não podem se indispor tanto com seu eleitorado, ou indo mais longe, articula algo com o PT e Lula para compor um pólo dentro do regime, seja isso para negociar, mais e melhor, com Temer ou algo mais estável, articulado.

Muitas interrogações cruzam as movimentações parlamentares do regime. Ainda há que ver outros importantes atores que ainda não se mostraram, como os poderosos “partidos midiático” e o arbitrário “partido judiciário” com sua Lava Jato. E mais ainda um outro ator, ausente graças ao PT, o proletariado, a luta de classes.

Dilma subiu o tom, contrastando com o histórico do PT frente ao golpe

Dilma, deposta, elevou o tom em discurso. O contraste é tão forte que há que fazer um trabalho arqueológico para escavar uma declaração do sempre falante Lula nesse dia histórico. Depois de meses de Lula no protagonismo midiático e protagonismo em uma política de conchavos com a direita, tentando comprar votos na Câmara e depois no Senado, hoje o tom foi beligerante. Beligerância que não se viu pela soma de hostes CUTistas nas manifestações que animaram as cidades nessa noite. À juventude, menos controlada pelo PT coube o grito de oposição ao golpe.

O PT atuou sistematicamente todos esses meses para impedir a confluência das múltiplas lutas em curso quando Temer assumiu o poder interinamente. Fez de dias nacionais de mobilização farsas não construídas nos locais de trabalho e segue sem opor resistência aos ataques, iniciados por Dilma e aumentados e acelerados por Temer. Exemplo flagrante se dá na Petrobrás onde mesmo com tantas privatizações parciais em execução segue sem articular uma greve nacional.

Nas ruas um grito de resistência, uma faísca para incendiar a luta dos trabalhadores em um país em crise orgânica

De parte da juventude há vivas mostras de disposição de luta. Para derrotar o golpismo é preciso de um novo junho, como disse Diana Assunção, colunista deste Esquerda Diário e candidata a vereadora do MRT pelo PSOL: “Muita gente também percebeu que o PT não enfrentou este golpe e foi quem abriu espaço pra direita. (...)É hora de lutar. Precisamos retomar as jornadas de junho de 2013 tomar as ruas, mas agora já com as lições que podemos tirar: precisamos que a luta seja política diretamente contra este governo golpista, que seja coordenada pela base e a partir dos locais de trabalho e estudo, que seja em aliança da juventude com a classe trabalhadora. Abaixo o governo golpista de Temer, amanhã vai ser maior!”

A crise não se resolve com o episódio golpista de hoje

O imperialismo em diversas matérias de seus principais jornais dá conta dessa visão mais sóbria que as efêmeras comemorações com fogos de artificio na tarde de hoje.

Horas depois, confusa a direita com a divisão tucana frente ao governo Temer o que houve foi silêncio.

Com tamanha crise econômica, com a continuada crise política e suas novas movimentações, não faltam motores ao que se sente de crise e polarização social. Nos prédios do centro de São Paulo vizinhos se xingavam. Em vários bairros do país a imagem deve se repetir.

Um país longe da pacificação que quer Temer.

Salvo, se a pacificação entendermos como os métodos da polícia de Alckmin. Porém aí, tal como ocorreu em 2013 pode-se estar alimentando uma chama com gasolina. Por um lado pode Renan articular com o silencioso Lula alguma alternativa, pacto como disse Capiberibe do PSB? Há um caminho com o PT à frente de pacificar a raiva da direita, e a raiva da direita por qualquer manifestação? Há como pacificar interesses de ataques tão profundos aos trabalhadores sem resposta? As poderosas burocracias sindicais podem, mas precisarão se superar, para cumprir um papel de contenção e desvio neste cenário.

Por um caminho duro ou negociado para dar protagonismo ao PT e outros que queiram a reforma deste corrupto sistema político é preciso, romper os limites que o PT colocou ao desenvolvimento da luta de classes, antes do golpe e durante o mesmo, e assim tomar as ruas. Oferecer uma resposta aos ataques dos golpistas. Tirar lições da conciliação do PT com a direita, com os empresários, erguendo uma voz anticapitalista que contribua ao desenvolvimento dos trabalhadores como sujeito político independente nesta crise nacional.




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