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Dossiê Novembro Negro | Da justificativa do trabalho escravo à superexploração neoliberal: apontamentos sobre população negra e a educação.

O Brasil se estruturou em base a séculos de trabalho escravo e do racismo, não seria diferente com os projetos educacionais, a burguesia utiliza a educação, e a falta dela, para preparar e justificar as diversas formas de opressão e exploração. Neste texto buscamos evidenciar esta relação, que tal como do séc. XV até do séc. XIX surgiu diversas justificativas para validar a escravização dos povos africanos, o surgimento da raça “negra” e suas implicações fundamentam o racismo que permanece até os dias atuais, possuindo como um dos flancos a precarização da educação e o apagamento histórico da história negra como ferramenta para exploração do trabalho

Jenifer TristanEstudante da UFABC

segunda-feira 20 de novembro de 2023 | 17:50

Sem alma e sem razão

No cenário internacional no fim século XV, teve a descoberta do lucrativo comércio de escravos, que colocou os povos africanos como objeto a ser negociado e transportado pelas grandes navegações e, ao chegar em terra firme do outro lado do atlântico, servirem como mão de obra escrava para explorar as novas terras “descobertas” pelo países europeus, nasceu a necessidade de justificar o porquê esses seres eram designados a esta condição de barbárie. A escravização de negros africanos, bem como dos povos originários da América correspondeu ao momento de acumulação primitiva de capital, ou seja, a opressão racial foi chave para o desenvolvimento do capitalismo.

A cada século que se passava as formulações eram revisadas e aperfeiçoadas, o que começou com uma legitimação por via da Bula Papal de Nicolau V, em 1452, que permitiu as coroas portuguesas e espanholas de escravizar qualquer povo pagão, passou por atribuição da marca da maldição de Caim e pela retirada da alma dos povos africanos. No campo laico, teve justificativas frenológicas, iluministas e eugenistas, campos que buscavam por via da “ciência” fundamentar a inferioridade da população negra, tirando sua razão e classificando sua natureza como não humana, um estágio anterior entre o humano e o macaco.

Os colonizadores ao longo de anos se apropriaram da imensa bagagem de conhecimentos que os povos africanos obtinham, com suas próprias culturas, crenças e avanços cientificos, mas no processo de escrevidão foram negadas na tentativa de arrancar qualquer senso de humanidade e sabedoria dos negros.

Durante séculos a população negra é constantemente questionada, as elaborações teóricas se alinham com a necessidade do mercado, um indivíduo não humano não possui direito a própria força de trabalho, ao potencial transformador da realidade, essa força e tudo resultante dela pertence a um outro, a burguesia imperialista e colonialista. Assim, o negro, como este individuo expropriado da própria força de trabalho, com a humanidade negada, não possui nenhum direito como lazer, elementos culturais, saúde e educação, a não ser por alguma necessidade particular do senhor excravocrata.

No campo de absoluta exploração por via do trabalho escravo que a educação aparece em primeira instância como impraticável para população negra já que era submetida a extensas horas de trabalho e à violência. No Brasil as primeiras formações de escolarização foram realizadas pelos jesuítas, obviamente, com o intuito de catequização, ou seja, imposição dos seus dogmas, costumes e dominação. Este foco se justificava pelo fato que esta ordem católica instituiu-se a necessidade de dominar nativos livres das Américas, de buscar “educá-los” nos ensinamentos cristãos para deixar a vida guiada pela natureza e passarem a serem servos do Deus cristão. Obviamente que a suposta “educação” dada pela Igreja era mediada também pela repressão caso os indígenas se negassem e resistissem a ela.

Os negros, por outro lado, não eram considerados livres, vistos como objetos fundamentais da ordem economica da época, tanto por ser trabalho como mercadoria. Assim, diferentemente dos indigenas, os negros não tinham direito a acessar o reino dos céus, a catequização não se justificava, permitir a ideia do direito divino significaria negar a inferioridade inata ao povos africanos e coloca-los em pé de igualdade a homens brancos livres. Esta consideração poderia colocar em risco a dita acomulação primitiva de capital coisa que a burguesia nascente e as Coroas jamais iriam permitir perder, pois foi seu mecanismo mais lucrativo e fator determinante da acumulação da burguesia que se fortaleceu como classe com a escravização e o tráfico de escravizados.

Com a lei de fim da escravidão em 1888, a condição dos escravizados mudou, mas as demandas mais elementares não foram garantidas, pelo sistema que os explorou ao máximo, muito pelo contrário, as condições de vida, ganharam outras particularidades. Neste momento ao se tornarem livres, em “tese” os negros poderiam entrar nas escolas, que ainda eram extremamente escassas de conjunto. Mas a luta por sobrevivência não deixa espaço para educação ser uma prioridade.

O sistema de ensino no Brasil reflete sua trajetória racista e excludente, pois durante todo o periodo da escravização, os negros não tinham acesso a educação e a direitos básicos, mesmo muitos sendo letrados em suas linguas de origem e muitas vezes ter mais conhecimento que seus algozes.

E Visto que existe uma igualdade na lei que anda em profundo descompasso com a igualdade na vida, somente 108 anos depois com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), promulgada em 1996 (Lei nº 9.394/96), que a lei promove o acesso à educação, especialmente para pessoas pobres. E até o momento a educação era um bem super restrito, poucos bairros haviam escola, em 1907 com a Reforma Benjamin Constant (Decreto nº 7.566 de 1907), existia um debate sobre o acesso a educação, que buscava modernizar o ensino, mas os bairros pobres não tinham escolas, eram poucas escolas em lugares mais centrais, levando em consideração que os filhos da elite, estudavam em casa, com professores particulares além de várias atividades “extracurriculares” como outras línguas, instrumentos, economia e etc.

O neoliberalismo e o desprezo a massa da população negra

Visto o panorama geral da educação e as relações raciais, que expressam como o quadro geral de como surgiu o racismo contra o negro e como a determinar a sua inferioridade dos negros implicava a negação da possibilidade de avanço educacional, para manter sua hegemonia. a questão que podemos levantar é qual a Mas qual a relação da opressão racial e os projetos educacionais burgueses destas teorias na politica dos dias atuais?

Claramente qualquer discurso que se levanta com estes fundamentos de inferioridade racial se enquadram no reacionarismo e nas figuras da extrema direita, nos últimos anos como Bolsonaro e sua corja, que incansavelmente destilam ódio à população negra no Brasil, até comparando com animais. Atualmente no cenario internacional tem o estado de Israel com a figura do asqueroso Netanyahu a frente realizando um genocidio do povo palestino e, não por coincidência, busca fundamentar seu racismo sionista dizendo que este povo não e humano, o que valida a politica de exterminio.

No entanto, a utilização do racismo não se restringe apenas a estas figuras da extrema direita, por mais silencioso que pareça ser os ditos liberais, democráticos e os conciliadores de classe entram no jogo racista do sistema capitalista, que como vimos nasce da exploração da mão de obra escravizada. De modo geral, a burguesia não abriria mão de algo tão lucrativo como o racismo, naturalizando a barbárie e rebaixando a vida do conjunto da classe trabalhadora, balizando inclusive os próprios salários sempre por muito baixo, consequentemente, aumentam seus exorbitantes lucros. Uma mulher negra no Brasil hoje ganha em média 52% a menos que um homem branco, levando em consideração que essa maioria tem um nível bem baixo de escolaridade comparativamente. Seja no campo das interestatais, em que as burguesias imperialistas seguem até os dias atuais usurpando países semi-coloniais, mantendo estes na misérias criadas por séculos de política colonização, ou dentro das débeis burguesias nacionais, que se adaptam a esta espoliação para se manterem vivas e jogam as consequências costas da classe trabalhadoras.

A realidade que nos encontramos é de uma crise capitalista que se arrasta desde 2008, que gera guerras e genocido em massa, a ideia de um progresso harmônico cantado pelos ideólogos burgueses da restauração burguesa são questionadosquestinados mais profundamente, e deixam claro que o estágio de crises, guerras e revoluções ainda está em vigor. No entanto, a ideologia neoliberal incessantemente busca validar-se, afirma que não possui outra saída que não mudanças internas ao seu modus operandi.

Para as questões democráticas essa lógica ganha um contorno especial, a ideia de ascenção dentro do sistema capitalista como forma solucionar o problema das desigualdades vividas pelos negros, mulheres e Lgbts é sua chave mestra. Em um malabarismo de assumir que realmente estes setores vivem mazelas e não determinar que é este sistema burguês que perpetua estas condições, proporcionando saídas distorcidas.

Voltemos ao problema No caso da população negra especificamente, com a ideologia da falsa “assensão”, a ideia de “negros no topo”, admitir negros em postos de comando em empresas privadas ou publicas, forjar politicos negros que levariam os interesses burgueses a frente não foi problema algum, no inicio do seculo teve Barack Obama e agora Kamala Harris, que aplicaram ofensivas militares no oriente medio e politica de repressão policial internamente. Por outro lado, as massas da população negra, tem seus direitos historicamente negados, incluindo uma educação precária e ainda colonizadora. enquanto é impregnada por essas perspectivas de ascensão dentro do sistema capitalista, é minado todos os direitos básicos na vida, um deles é a educação.

Se não é colocado abertamente as justificativas de inferioridade da população negra, salvo por algumas figuras da extrema direita, porque a razão do negro ainda hoje é questionada? Pelo contrário, pois, ainda existe o racismo como afirmamos anteriormente, o que aparece com ideias neoliberais, mascarado na lógica do trabalho precário, na construção dos bairros, no trabalho precário, sem direitos garantidos, onde você pode ser o próprio patrão e de não precisar das instituições de ensino “padrões” (escola de ensino básico e universidades) para ser “alguém na vida”, basta saber investir e se dedicar aos seu próprio negócio, esconde uma das faces mais perigosas para a população negra e seu histórico de lutas por direitos.

Na escravidão a educação não era necessaria porque o negro na condição de escravizado era apenas um objeto, agora, a educação basica e superior deixa de ser necessaria porque a maioria dos postos de trabalho para a juventude negra não precisam desta qualificação, a educação se tornou no imaginario um perda de tempo. Ou seja, se antes a escolarização era negada porque o trabalho escravo não necessitava e acreditavasse que o negro não era capaz de apreder, agora a escolarização se esvazia de sentido pela restruturação capitalista implicando que o negro não precisa aprender, basta apenas trabalhar.

De maneiras diferentes, a burguesia nega o direito e não garante a população negra acesso a ensino de qualidade, enclausurando-a em apenas forças de trabalho. Historicamente no Brasil a movimento negro lutou pelo acesso a educação, a luta por cotas raciais nas universidade no pais foi uma grande marca disso, agora 20 anos depois, se encontra com uma nova formulação que restringiu a possibilidade dos negros, indigenas e Pcds a acessarem o sistema, pois reduziu para um salario minimo o critério de renda, e aquelas famílias que se desdobram em duplas jornadas para ter um pouco mais de renda não vão poder concorrer.

O Novo Ensino Médio e a questão negra

No início do ano o governo Lula-Alckmin tentou passar na íntegra a reforma do ensino médio, oriundo do governo golpista Temer. Depois de bastante pressão, Camilo Santana, Ministro da Educação, propõe uma reforma da reforma, que volta estas disciplinas a grade como artes, educação física, história, geografia, sociologia, filosofia, física, química e biologia. Porém, a essência da reforma neoliberal ainda permanece, os ditos itinerários formativos que busca preparar ideologicamente juventude para o mercado de trabalho precário, o naturalizando.

Esta entrada dos itinerários com a redução de carga horária significará uma educação mais rebaixada de qualidade aos estudantes, e em particular, significa menos espaço para disciplinas que possam discutir a história e cultura afro-brasileira. A luta do movimento negro questionando o conteúdo que era ensinado nas escolas, que não tocavam o ensino da história e da cultura negra e indígena, garantiu a obrigatóriedade deste conhecimento com a promulgação da lei 10.639/03. São vinte anos desta lei, que deveria tratar do estudo da História e Cultura afro-brasileira e indígena, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro e dos povos originários nas áreas sociais, culturais e políticas pertinentes à História do Brasil.

O Novo Ensino Médio além de significar um retrocesso na lei 10.639 que foi conquista do movimento negro e movimento estudantil depois de décadas de muita luta, ela também significa um ataque frontal a juventude negra. O NEM é um ataque neoliberal que prevê alterar a educação básica a favor dos capitalistas, isto é, essa reforma tem o objetivo de fornecer uma educação “empreendedora” a favor do mercado, onde não só haja espaço para ensino de cultura afrobrasiliera e indígena e possa se desenvolver um pensamento crítico antirracista, mas também que os jovens se preparem para o mercado de trabalho que só tem a oferecer precarização ou sub-emprego. No Brasil atualmente onde o governo Lula-Alckmin manteve todas as reformas, especialmente a reforma trabalhista e a terceirização irrestrita, “preparar um jovem negro para o mercado de trabalho” significa jogar ele no regime de trabalho em plataformas onde não tem nenhum direito trabalhista e, com jornadas de trabalho de 12 horas por dia. A reforma do ensino médio anda de mãos dadas com esses outros ataques e, nesse sentido, a precarização do ensino está totalmente vinculada com o aprofundamento do racismo e da precarização já que a criação de moldes neoliberais na educação básica.

O direito à educação e sua ligação com outros direitos elementares

A educação de qualidade, portanto, para a juventude negra e a todos os filhos da classe trabalhadora é uma demanda básica, porém dentro do sistema capitalista que tudo se modela pela ampliação do lucro para a burguesia, se torna algo que devemos lutar constantemente para garantir a melhora e o acesso, que só será conquistado plenamente com a classe trabalhadora negra, em aliança com o conjunto da nossa classe organizada, pois os estados na medida em que vão avançando seus projetos, vão retirando os direitos conquistados. De modo imediato a luta para revogar o NEM para que a ideologia neoliberal não entre ainda mais nas escolas pela porta da frente, a defesa das cotas e sua ampliação, a defesa de pautas de permanência estudantil nas universidade ganhou corpo este ano, algumas delas de modo isolado, mas que demonstra reserva de luta da comunidade escolar e universitária, mas devemos batalhar por mais, defendo cotas proporcionais ao número de negros por estados rumo ao fim do vestibular que é um filtro social elitista e racista de acesso ao ensino superior.

A questão central é que, principalmente em um país como o Brasil, semicolonial e dependente, a defesa do direito à educação deve ser acompanhada de outras mudanças na sociedade para que de fato se efetive. Como por exemplo garantia de pleno emprego e direitos trabalhistas, com finalidade de ensino que seja no contraturno das aulas, com direito a salário mínimo com base no DIEESE, além de bolsas para aqueles que não podem trabalhar, como mães jovens, e ainda a garantia de creches para que estas possam se dedicar a escolarização.

Demanda de emprego para toda a juventude que não compita com a escola, para evitar a grande evasão das escolas com a justificativa de ter que trabalhar, além de que jovens que trabalham em setores precários, como entregas de aplicativos, depois de uma jornada exaustante não tem condições físicas e mentais para estar na sala de aula e absorver conteúdo. Por outro lado, esta precocidade na responsabilidade e a necessidade de vender a força de trabalho existente nas famílias operárias, se dá pela baixa renda e pelo desemprego. Assim, pensar um plano para acabar com o desemprego em geral é um modo de tirar este peso das costas das crianças e dos jovens, buscando reduzir as jornadas de trabalho e dividir as horas de trabalho com os desempregados sem implicar mudanças nos salários.

De modo mais profundo quando pensamos nas jovens trabalhadoras, e em especial as mulheres negras, além da garantia de trabalho há necessidade de exigir iguais salários perante a igual trabalho. Em um sistema que divide a classe trabalhadora com o patriarcado e o racismo, o efeito ideológico se fundamenta a partir da naturalização que a massa desses setores recebem menos e estão em piores postos de trabalho. Os dados deste ano apontam que as mulheres negras recebem menos da metade, que os homens brancos em média com o trabalho no primeiro trimestre deste ano, também foi o grupo com maior taxa de desemprego, 13%.

Além disso, outro problema enfrentado que gera evasão escolar de adolescentes é a maternidade, foram 14% que justificaram deixar a escola por esse motivo. No país, segundo o SINASC, 73% das mães adolescentes eram negras em 2021, o que mostra a necessidade de subsídio para essas jovens ao passo que deve garantir o acesso a creches, para que as adolescentes possam dar continuidade ao estudo. O Estado, o mesmo que não garante aborto seguro e gratuito, para que as mulheres decidam, e o que não assegura vagas em creches para toda demanda, assim como educação sexual para garantir amplamente a prevenção da gravidez e IST’s, na verdade, foi atribuído obrigatoriedade de ensino para crianças a partir de 4 anos, as crianças de 0-3 não são asseguradas, ficando a cargo dos municípios não conseguindo nem bater a meta de 50% da demanda colocada pelo Plano Nacional de Educação (2014), com um déficit de 2 milhões e 500 mil vagas a serem criadas.

É preciso lutar por uma educação pública, laica, gratuita e de qualidade a serviço da classe trabalhadora, do povo pobre, que resgate o histórico de luta e contribuições dos negros, das mulheres e LGBTQIAP+, para defender uma educação plena que conte a história do ponto de vista dos oprimidos; É necessário batalhar por uma outra sociedade, por uma sociedade sem classes em que se elimine os interesses de exploração, eliminando as opressões desde suas raízes e construindo uma sociedade livre de miséria material e cultural, onde a educação seja uma prioridade e busque construir uma sociedade de sujeitos pensantes!




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