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GÊNERO | É possível impedir o debate de gênero nas escolas?

Mauro SalaCampinas

terça-feira 9 de junho de 2015 | 00:17

Com a perspectiva de terem que aprovar seus planos municipais e estaduais de educação, um debate tem tomado destaque em sua elaboração: a questão da igualdade de gênero e se devemos ou não discuti-la nas escolas públicas.

Sabemos que na formulação do Plano Nacional de Educação (PNE), por pressão da bancada conservadora, notadamente aquela ligada às igrejas evangélicas, foi retirado do seu texto final a formulação de que a educação deveria promover a superação das desigualdades educacionais, “com ênfase na promoção da desigualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual”. No texto final do PNE, consta apenas uma genérica “promoção da cidadania e erradicação de todas as formas de discriminação”.

Não é mero detalhe. Trata-se de tornar invisível algumas desigualdades específicas.

Agora, com a tramitação dos planos municipais e estaduais, a polêmica volta à tona. Sobretudo pelo combate à mal explicada “ideologia de gênero”.

Um editorial publicado hoje no Estado de São Paulo mostra o tamanho da incompreensão.

Sob o título “Educação sexual compulsória”, o editorial assinado por Carlos Alberto Di Franco chega ao cúmulo de dizer, entre tantos outros absurdos, que a “ideologia de gênero” geraria confusão no processo de formação da identidade das crianças; sua sexualização precoce; uma perigosa legitimação da pedofilia; o aumento da violência sexual, sobretudo contra mulheres e homossexual; além de usurpar da família a autoridade em matéria de educação para seus filhos.

Esse editorial seria apenas mais um texto para ser esquecido se as ideias contidas nele não refletissem e estivessem guiando políticas públicas para a área da educação.

Na cidade de Campinas-SP, um vereador do DEM protocolou na Câmara Municipal um projeto para inserir um parágrafo na Lei Orgânica do Município, proibindo discussões de políticas de ensino que tendem a aplicar a “ideologia de gênero”, os “termo gênero” e “orientação sexual”. Ou seja, proíbe que esses temas sejam debatidos na escola. Para o vereador campineiro, essa ideologia “é um atentado à família e aos preceitos cristãos”, um claro ataque à laicidade do Estado.

Nem vou entrar no mérito da importância de se debater essas questões diante de segregações, agressões e assassinatos diários causados pelo machismo, a LGBTfobia e a transfobia. Por ser uma “questão social”, esses temas já deveriam ser debatidos nas escolas, é claro que adequando o conteúdo e a forma para cada etapa da escolarização.

Entretanto, a importância desse debate nas escolas não é apenas algo externo à ela. Não se deve debater as questões de gênero apenas por ser uma “questão social”, mas, sobretudo, por ser uma realidade nas próprias escolas.

As crianças e adolescentes trazem questões que se impõem no cotidiano escolar, e dentre elas, as relativas à sua vivência e sua identidade.

Projetos como o do vereador campineiro podem até retirar qualquer referência sobre gênero do currículo oficial, ou mesmo constranger alguns professores a evitarem a questão, mas pouco poder terão sobre o currículo real que acontece no dia a dia das relações escolares, e acima de tudo, não servirão para silenciar as demandas trazidas pelos próprios alunos no processo de sua formação.

Não é o debate sobre gênero na escola que vai orientar a sexualidade de uma criança, embora possa ter efeito positivo sobre a compreensão da sua e da dos outros. Não é apenas no espaço formal da escola que se constituem as identidades dos indivíduos. Essas se constituem num mar de relações formais e informais que o indivíduo vivencia em sua trajetória. E acreditem, mesmo as crianças mais pequeninas vivenciam experiências que não podem ser controladas pelos adultos, sejam os pais, os professores ou os pastores de plantão.

Assim, a despeito de toda “educação” que os pais despendem em suas famílias heteronormativas, muitas crianças já chegam na escola com os germes, e tensões, de suas identidades em desenvolvimento. Elas já não se reconhecem na norma da educação familiar. Elas não se reconhecem na norma de um conceito de família que, na verdade, muitos nem chegaram a conhecer. Elas já se veem e se sentem como um “outro”. E esse “outro” quer ser reconhecido. Numa palavra: muitos alunos e alunas já chegam na escola se sentindo gay.

O debate de gênero nas escolas não é uma demanda apenas dos movimentos LGBTs e de mulheres. É uma demanda dos próprios alunos, que trazem suas experiências para a escola e impõem a ela suas temáticas. Assim, a proibição do debate de gênero nas escolas é uma medida que afetaria mais os alunos que os professores. São eles que projetos como esse tentam silenciar. Não conseguirão.




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