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ELEIÇÕES NOS EUA | EUA: Bernie Sanders ganhou, mas não foi o suficiente para se impor sobre o establishment

Bernie Sanders, o candidato autodefinido como “socialista democrático” e representante da ala radical do partido democrata, ficou com uma vitória apertada na primaria de New Hampshire em que se enfrentaram seis concorrentes à nominação para a candidatura presidencial.

Claudia CinattiBuenos Aires | @ClaudiaCinatti

quinta-feira 13 de fevereiro de 2020 | Edição do dia

Os resultados que terminaram em um empate entre três ganhadores e três perdedores, não foram suficientemente categóricos, de modo que continua prevalecendo a fragmentação, produto da crise de liderança do segundo partido da burguesia imperialista. Diferentemente da primaria de 2016 em que Hillary Clinton atuou como a representante tradicional dos interesses corporativos, o establishment democrata ainda não definiu o candidato que possa frear o ascenso de Sanders.

Os ganhadores

Bernie Sanders: o senador de Vermont ganhou, mas não varreu a competição. Comparado com seu desempenho na primaria democrata de 2016, em que havia superado Hillary Clinton com 60% dos votos, obteve 26%, apenas dois pontos a mais que Pete Buttigieg. Prevalece entre os segmentos dos eleitores mais jovens –de 18 a 24 anos e de 30 a 44 anos – , entre os que possuem baixa renda (renda anual de até 50.000 dólares) e entre os que decidiram seu voto desde muito tempo, o que implica uma adesão programática e expressa o fenômeno ideológico de adesão a um “socialismo” sui generis de amplos setores da juventude, que encontram em Sanders um canal de expressão.

Pete Buttigieg: aposta em se transformar no candidato millennial do establishment democrata, e espera emular a Barack Obama. Desde o fiasco de Iowa, no qual o aparato partidário o concedeu um delegado a mais que Sanders apesar deste ter ganhado pelo voto popular, vem colocando-se como o candidato moderado que pode renovar a cara da elite política para garantir os interesses das corporações. Compete com Sanders em um eleitorado jovem e progressista (é o primeiro aspirante à presidência abertamente gay), embora perca de lavada entre afro-americanos e os segmentos mais pobres. A força de seu eleitorado está entre os que tem rendas superiores a 100.000 dólares anuais.

Os Perdedores

Joe Biden: Ele era o candidato favorito do establishment, mas não consegue sair das últimas posições. Ele obteve apenas 8% dos votos, colhendo a profunda rejeição da elite política tradicional. Ele tentou se apresentar como o único que cumpria o critério da "elegibilidade", ou seja, o único que poderia desafiar a presidência de Donald Trump porque podia apelar para o eleitorado independente e moderado, que nunca votaria em Sanders por considerá-lo muito radical e "socialista" . Mas nenhuma pesquisa até o momento prova que ele esteja certo, e ainda é Sanders quem tem maior probabilidade de derrotar o atual presidente que está concorrendo pela a reeleição.

Do ponto de vista político, o programa de Biden de retornar a um pré-Trump normal mostrou estar fora da realidade, porque não há passado "normal" para o qual a classe dominante possa retornar após a presidência de Trump.

A ironia da política é que Biden foi a principal vítima do processo de impeachment contra Trump, que implicou seu próprio partido, já que Biden não pode escapar das alegações de corrupção que pesam sobre seu filho.

Elizabeth Warren: a senadora progressista era o mal menor de um setor da burocracia do partido e até de várias corporações contra Sanders. A tal ponto que ela foi uma das candidatas escolhidas pelo New York Times. Progressista, mas nem tanto, é a favor de reformas, mas permanece uma defensora acirrada do capitalismo (e do imperialismo americano) e aparecia como a possibilidade de conter a ala esquerda do Partido Democrata dentro de parâmetros aceitáveis para a governabilidade. Ela começou crescer nas pesquisas, mas esse impulso se deteve, ela conseguiu apenas 9%, embora continue servindo para dividir o voto mais de esquerda.

A surpresa

Amy Klobuchar: Esta senadora de Minnesota com pouca experiência em política nacional compete com Buttigieg pelo eleitorado moderado e por ser a candidata do establishment contra Sanders. É quem formula claramente um programa alternativo às propostas mais radicais, como o sistema de saúde para todos e a educação gratuita. Sem dúvida, foi a surpresa de New Hampshire com 20% dos votos, embora a maioria das pesquisas indique que será muito difícil permanecer.

Frente a este panorama, os representantes do establishment democrata, seus intelectuais e formadores de opinião optam por uma análise tranquilizadora baseada na matemática mais simples: aqueles que não votam em Sanders, embora divididos em vários candidatos, são maioria. Assim, quando na primária - especialmente após a “super terça” do dia 3 de março - um candidato se definir, o "anti-sanderismo " será unificado com vista à convenção nacional de julho em Milwaukee. Michael Bloomberg, o ex-prefeito republicano bilionário de Nova York que passou para o Partido Democrata e expressa o capital financeiro mais concentrado, está reservando para esta oportunidade. O homem está literalmente investindo uma fortuna para retardar o avanço do "socialismo" nos Estados Unidos.

Por sua vez, o sistema de indicação permanece indireto, através dos delegados que os candidatos estão conseguindo nas várias primárias. Além disso, dos 4750 delegados que nomearão o candidato a presidente e seu vice, 771 são "delegados automáticos" ou superdelegados como são conhecidos, que não são votados por ninguém, expressam os interesses da burocracia do partido e têm um papel decisivo na definir a corrida para a Casa Branca, para que quem ganha o voto popular não necessariamente seja aquele que escolhe o aparato democrata.
Sem dúvida, o voto em Sanders expressa a virada à esquerda de amplas faixas de jovens, especialmente os mais precários, de estudantes endividados, de mulheres, de comunidades imigrantes e, em menor grau, de setores afrodescendentes, produto das condições criadas pela crise capitalista de 2008. Esse fenômeno vai além da candidatura de Sanders, expressa em que reformas profundas, que foram proibidas de palavras sob a hegemonia do "centro extremo", como o sistema de saúde pública, agora estão no centro do debate político. O mesmo explica que pelo menos metade dos eleitores de Sanders nas primárias não votaria em outro candidato democrata se ele perder a indicação. Embora Sanders defenda o voto democrata unificado para derrotar Trump, como ele fez em 2016 quando pediu para votar em Hillary Clinton.

Até agora, Trump parece ter garantido metade de sua reeleição. Os números da economia o ajudam e ele ainda tem uma base eleitoral de "nicho", mas firme, radicalizada em torno de seu discurso nacionalista, anti-imigrante e orgulhosamente imperialista.

Continua fazendo demagogia em relação aos setores mais atrasados e conservadores da classe trabalhadora. Em seu discurso sobre o Estado da União, Trump falou de um "colarinho azul" (isto é, do proletariado industrial tradicional) Mas a realidade está longe dessa história. Segundo um estudo da Brookings Institution, na principal potência imperialista, 44% dos empregos são tão precários e de baixa renda que os trabalhadores não têm o suficiente para viver

Em seu discurso sobre o Estado da União, Trump mostrou que sua campanha terá o "socialismo" como um ângulo de ataque aos democratas. Mas, além da exasperação discursiva, a crescente adesão ao "socialismo", ainda que seja por hora um vago programa de reforma, começa a preocupar seriamente a classe dominante americana e seus partidos.

A candidatura de Sanders é talvez a última tentativa de conter esse processo dentro do Partido Democrata, que historicamente cumpriu o papel de evitar a radicalização política, alimentando a ilusão de que pode ser um instrumento para ir conquistando reformas. Mas não está dado que conseguirá mais uma vez.

Tradução: Raffaele Stasi




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