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A pandemia veio mudando todos os nossos parâmetros e expectativas. Há quase um ano de isolamento, de reaberturas irresponsáveis, descaso capitalista e discursos negacionistas que relembram o ponto mais alto da barbárie das inquisições, em São Paulo se decidiu, após todo o incentivo à aglomeração em nome dos lucros dos empresários, por um feriadão, e novamente nós mulheres que sentiremos o peso disso.

Virgínia GuitzelTravesti, trabalhadora da educação e estudante da UFABC

segunda-feira 29 de março de 2021 | Edição do dia

Sexta passada foi o primeiro dia de um feriado prolongado que em si mesmo, longe de trazer tranquilidade, só gera revolta. Anteciparam pela terceira vez o aniversário de Palmares, dessa vez anteciparam o 20 de Novembro de 2021 e já aproveitaram o de 2022. Mas o que esperar do PSBD racista até a medula? Um partido que odeia os negros e negras do nosso país, que com Bruno Covas à frente demite terceirizadas da limpeza enquanto impõem o retorno inseguro das aulas, contratando mães, em sua maioria também de pele negra, pra trabalhar com salários de fome enquanto todos se expõem ao vírus. 

Mas tem outro ponto que traz dores de cabeça pra qualquer trabalhador. Saber que vai trabalhar o resto do ano todinho, sem nenhum dia de folga. Os feriados, pra grande parte da nossa classe, são muito menos festivos, ainda mais com o preço das coisas que vem aumentando tanto... Um ovo de páscoa hoje não custa menos do que 30 ou 40 reais, não vai ser possível comemorar esse ano, e não temos mesmo o que comemorar. Mas em geral são dias que representam um respiro entre tamanha exploração, que vem atingindo cada vez mais a juventude, inclusive universitária.

Esses mesmos senhores antecipam feriados em nome da pandemia, na grande demagogia de "salvar vidas", logo eles que são os que colocam nossas vidas em risco todos os dias, quando reduzem as frotas de ônibus e mantém o direito dos patrões nos forçarem a ir trabalhar mesmo em meio a este caos global. Ou quando decidem reabrir as escolas de forma insegura levando a morte de muitos alunos, do quadro de apoio - que não parou um dia sequer de trabalhar desde o começo da pandemia - e de muitos professores, coordenadores e até diretores de escola.

Dá um ódio e uma angústia quando chega pelos grupos do whatsapp que uma trabalhadora contratada como eu, que estava aguardando o concurso de ingresso para quadro de apoio, que estava substituindo alguém com comorbidade ou acima de 60 anos, morre pela covid-19 e deixa um sonho ceifado em nome do lucro das escolas particulares. Os capitalistas dizem na nossa cara, todos os dias: vocês são descartáveis, e adiantamos os feriados, porque queremos seguir com todos os dias úteis de exploração para não perder nenhum centavo.

Mas apesar desse feriado, muitos trabalhadores não têm folga no feriado, pelo contrário, é onde mais trabalham. E muitos jovens trabalhadores ainda precisam garantir as aulas da faculdade, que agora que estão EAD, se sentem livres pra seguir naturalmente em meio a 3 mil mortes diárias. Mas como se concentrar pra estudar se entre o medo do Covid, há também do desemprego, de pegar um atestado e entrar na caixa, e ter que aguardar receber no INSS, enquanto a fome não espera. Quantos companheiros de trabalho não compartilham o mesmo medo de perderem o emprego por pegar Covid, ou de se afastar por uma suspeita e acabam colocando, por essa perseguição e precarização, em risco tantos outros trabalhadores?

Pras nós mulheres, o feriado com aulas EAD, trabalhos pra entregar, é ainda pior pelas tarefas domésticas e todo o aprisionamento do lar que sentimos ainda mais forte com essas medidas restritivas. Medidas restritivas que não tem efeito nenhum quando não estão acompanhadas de testes massivos pra sabermos quem isolar, em reconversão da indústria que perpassa toda a região do ABC que eu moro e optam por produzir carros, pneus e tudo que possa ser vendido, e não insumos e todas as questões necessárias para salvar vidas, deixando acabar oxigênio, enquanto os patrões junto aos governos nos dizem que "não tem o que fazer".

É um feriado com ódio na garganta que não desce. Amigos e amigas que perderam seus pais, que ficaram internados, que estão se recuperando, mas tem sequelas da Covid, e ainda temos que ver nos noticiários o presidente imitando gente com falta de ar. Um feriado que rouba o pouco descanso que temos entre uma exploração e outra, que nos contamina com medo, desânimo e um trabalho doméstico que nunca tem fim. São dilemas que nós jovens trabalhadoras e estudantes estamos submetidas, e que quando não temos o vento da luta de classes, mostrando que não estamos cada uma vivendo essa tragédia capitalista de forma isolada, mostrando que a força pra transformar toda essa miséria está tampada e sufocada pelos nossos próprios sindicatos e as entidades das nossas universidades que nos oferecem uma amarga espera pra 2022 ou a chance de trocar o genocida do Bolsonaro pelo saudoso da ditadura do Mourão, só fortalecem a dominação patriarcal de que não há saídas.

Ah... Quantos dilemas, temos, não? Talvez o que permita o feriado ser não tão sufocante é poder ler Mulheres Negras e Marxismo e poder nos sentir mais próximas de guerreiras como Harriet Tubman, Sojourner Truth, Rosa Parks como parte de mulheres que viveram situações dramáticas de vidas oprimidas e exploradas pelo capitalismo e não abaixaram suas cabeças, pelo contrário, fizeram história na luta de classes e deixaram pra nós uma enorme força moral pra encarar a luta de hoje. Luta essa que mulheres como Mirtes Renata são provas cabais de como a revolução no Brasil terá rosto e a força das mulheres negras que transformam toda dor e angústia que lhes são impostas, em luta e organização. 

É ter esse livro como uma ferramenta de luta, que as dores de hoje se mostram dores antigas, dores de um capitalismo e patriarcado que vamos ter que derrubar com a nossa própria força e organização. E por isso, junto com outras mulheres vamos lançar aqui na UFABC este livro, porque sei que outras tantas estudantes mulheres, negros e negras e pessoas trans e não binárias podem com essa arma olharem pro mundo, e saber a o futuro da humanidade, como diria Rosa Luxemburgo, se é socialismo ou barbárie, depende de nós, jovens e trabalhadores.

Se inscreve no Formulário: https://bit.ly/2NMlaok




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