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PERSPECTIVAS | Governo Temer e os testes ácidos de um neoliberalismo golpista e sem hegemonia

Dilma ajustou e privatizou com uma decisão que não se via em anos. O maior campo de petróleo do país, Libra, nos estertores de junho de 2013, era parcialmente entregue à Shell e parceiras. Os maiores aeroportos do país passaram a mãos privadas. O seguro desemprego sofreu ataque. A educação e saúde dilapidadas. Desemprego em pique. A conciliação e acordos sistemáticos com a direita, apostas no golpista STF renderam nada além de fortalecimento dos ex-aliados e seu programa neoliberal de ataques. Ele é possível de ser implementado sem mais luta de classes?

Leandro LanfrediRio de Janeiro | @leandrolanfrdi

quarta-feira 18 de maio de 2016 | Edição do dia

Temer subiu ao poder por meio de um golpe institucional que mostrou as mais reacionárias caras no Congresso. Subiu a rampa do Palácio do Planalto sob promessa de erguer uma ponte a um futuro neoliberal a ser executada em brutal rapidez e intensidade.

Temer montou um time de filhos de oligarquias políticas, banqueiros e privatizadores. Em 30 dias, com aplauso de sua central de bolso, a Força Sindical e suas aliadas UGT, NCST entre outras, apresentará um plano de sequestro ao direito à aposentadoria dos jovens e milhões de trabalhadores. As estatais estão sob mira cerrada em uma verdadeira ofensiva promocional à la Black Friday. Até o SUS está sob mira, o que dizer da educação pública.

O golpe foi vendido como a panaceia para todos males da economia. Temer fará de tudo para tentar descolar os grandes ataques aos direitos dos trabalhadores e a ofensiva de privatizações dos agressivos cortes que realizará nos gastos (incluindo saúde e educação) para tentar descolar a continuidade/aprofundamento da grave recessão de seus objetivos mais estratégicos. Quer dividir e isolar. Porém para este plano dar certo é necessário que faça um governo FHC aumentado e concentrado em poucos meses. É possível? E mais, é possível fazê-lo sem explodir a luta de classes? Que bases de apoio ele conta, e quais maiores perigos para ele?

Pressão pelo ajuste ‘express’

A lógica política sob a ótica das massas e de sua popularidade o impele à parcimônia e preparação a 2018 em benefício próprio ou de algum outro político profissional do PMDB (Eduardo Paes do Rio?).

O cálculo do apoio parlamentar, midiático e internacional impele o presidente golpista a uma ofensiva de choque e apavoramento. Uma “doutrina Bush” não na política externa mas para enfrentar-se com o inimigo interno, o proletariado e os “de baixo”. O mote de seu governo “ordem e progresso” a substituir o “Brasil para todos” e o irônico “Pátria Educadora” parecem um giro copernicano. Seu secretário de justiça, o Alckmista Alexandre de Moraes com suas promessas de repressão aos movimentos sociais sincronizou-se com as prisões ilegais de secundaristas em São Paulo apresenta-se como exemplo máximo desta orientação.

No flanco externo, sob mira do imperialismo que procura usufruir de seus ataques ao mesmo tempo que opina criticamente que melhor seria um governo respaldado pelo sufrágio para desferir tamanho ofensiva. Resultados também são necessários no exterior não só para Temer, mas também para seu chefe do Itamaraty e presidenciável José Serra. Precisa de uma “Alca-reloaded” e rápido, que mostre geração de empregos precários e aumento do fluxo de comércio e capitais para mostrar serviço. Do contrário tanto o imperialismo como uma parcela dos tucanos com vôos próprios (Alckmin, Aécio) ameaçam à primeira dificuldade abandonar o navio, como já declarou mais de uma vez FHC.

Sob pressão do arco de aliança impeachmista que lhe ergueu ao poder, começando pela grande mídia e passando pela FIESP e tucanos, Temer tem que agir com pressa. É possível fazê-lo e não desmoronar seu apoio parlamentar fruto de pressão popular contra estes ajustes e temor dos congressistas de um fiasco em outubro?

Bases de apoio para o neoliberalismo agressivo nos anos 90

Nos 90, em plena ofensiva neoliberal mundial, com o Brasil mendigando aos EUA “relações carnais” como tinham Argentina e México, havia pontos de apoio materiais e ideológicos para a ofensiva.

Ideologicamente era a época do “fim da história” dos indivíduos no lugar das classes sociais. Materialmente, um real super-valorizado oferecia uma cooptação aos setores de classe média que preservavam seus empregos (aos outros um descenso social agravado sobretudo no segundo mandato de FHC) com possibilidades de finalmente ir à Disney, e às camadas mais pobres do proletariado havia um bônus alimentar do plano Real, explorado à torto e direito pelas TVs, era chegada finalmente a época que entrava frango e iogurte nas casas. De super-miseráveis "evoluiam" a miseráveis.

Este “bônus alimentar e dos passaportes” combinava-se também com uma situação demográfica do país. Segundo o IBGE no ano 2000 (muito mais em 1994), 29,2% da população tinha entre 0 e 14 anos de idade, era os tempos de pais felizes de ter alguns avanços no consumo para seus filhos.

Servindo de ponte entre estes elementos materiais e os elementos ideológicos e da relação de forças internacionais estava a burocracia sindical. A Força Sindical, nascida em 1991 cresceu, oferecia-se como sindicalismo de resultados em oposição a um suposto sindicalismo ideológico da CUT.

A própria CUT, em seu bastião do ABC, incorporava elementos da Força e do espírito de época. Institui-se as “câmaras setoriais” para que os metalúrgicos negociassem acordos não mais como categoria mas ramo a ramo, fábrica a fábrica. Era tempo da PLR e outras medidas à la Força, secundadas pela CUT. Tempo de fundos de pensão, de aceitação da privatização das empresas pela via de entrega de ações aos funcionários (como na Vale). Era tempo de não só a Força, mas também a CUT, vestir Armani e entrar na administração dos bilionários fundos de pensão.

Nas prefeituras o PT preparava-se para administrar o Estado capitalista. Exemplos destacados eram Erundina (agora no PSOL) e o sempre denunciado Palocci. A grande greve petroleira de 1995 que ofereceu um desafio a ofensiva neoliberal foi derrotada isolando as tendências à greve geral pela CUT, dirigida naquela época pelo atual deputado federal Vicentinho (PT-SP) que se apressava, junto a Lula, a declarar à TV Globo que opinava que os petroleiros estavam se excedendo e que deveriam terminar a greve.

E hoje, com que bases é possível um agressivo e neoliberal Plano Temer?

Que bases materiais há para uma nova hegemonia neoliberal? A economia está em recessão, a mais grave desde 1930, os melhores resultados imediatos que algum fluxo de capital estrangeiro para as privatizações possa dar não contradizem como se sente a economia na vida das pessoas. Desemprego, perda de renda, e porque não perda de direitos, como a aposentadoria.

Esta perda vem depois de quase uma década (2003 em diante, mas sobretudo segundo mandato de Lula) de ganhos reais (mínimos) nos salários, de famílias que emplacavam à custa de crédito e também cotas seus primeiros filhos nas universidades. Que se apertavam para mantê-los estudando em meio a quase nulo investimento na permanência estudantil. Foram também anos, explorados a torto e direito pelo petismo, de vôos nacionais para pobres e negros a visitar suas famílias no nordeste, ter um precário e fugaz direito ao lazer em meio ao crescente trabalho precário e rotativo que caracterizaram estes anos.

O PT implementou diversas medidas neoliberais combinadas a mínimas medidas redistributivas (salário mínimo, Bolsa Família, expansão – em chave precarizante e privatizante – do ensino superior) em um contexto internacional muito diferente e contando com bases de apoio diferentes. Na América Latina era tempo de governos “pós-neoliberais” em alguns casos, diferente de nosso país, produto de jornadas revolucionárias e processos mais “quentes” que estes governos eram chamados a conter e desviar.

Anos de recomposição objetiva da classe trabalhadora, e subjetiva, de flexionar de músculos em greves, quase sem exceção controladas pela burocracia sindical. Anos de junho de 2013 e constatação planetária que o PT já não continha a luta de classes no país. A juventude lhe escapava o controle, de inundar de ruas com jovens demandando direitos sociais como transporte, saúde, educação. Esta onda impactou no movimento operário que conheceu seu maior pico de greves desde os anos 80 e que tomou para si cantos dos jovens, com os garis do Rio em sua greve contra a burocracia sindical entoando o juvenil “não tem arrego”.

Os ajustes implementados pelo PT, a ofensiva midiática, a assimilação pelo PT dos métodos mais corrompidos de governo capitalista no país, a Lava Jato e um “partido judiciário” erguendo-se arbitro todo poderoso e de avalista a agente do golpe, permitiram a derrocada. Mas aqueles anseios, esta correlação de forças não está derrotada. Para Temer e seus parceiros neoliberais e de golpe é preciso fazê-lo.
Como?

Se do ponto de vista material não há “bônus” estratégico agora, e nem um "bônus" como aquele miserável dos 90 enquanto o real tinha equivalência ao dólar, e no máximo algum conjuntural, no plano internacional por mais que exista um surgimento de uma nova direita, e seu fortalecimento em nosso continente como ponto de apoio, este fortalecimento nas instituições do Estado não significam o mesmo na correlação de forças. Só observar nossa vizinha Argentina e a resistência que tem oposto a Macri a juventude e setores dos trabalhadores estatais, mesmo com todos limites impostos pela multi-color burocracia sindical do país vizinho.

Há menos bases para uma hegemonia neoliberal hoje. A Força Sindical se apressa a cumprir seu papel dos anos 90. A mídia avançou em sua tarefa “contra-civilizatória” com diários programas de cura espiritual, perseguição policial “aos marginais” e a manipulação "global" são pontos de apoio, mas contraditórios. Até a arqui-golpista Globo deve, de tanto em tanto, ceder às pressões por direitos sociais (só lembrar do cavalo-de-pau que deram em meio a Junho). Paulinho e outros burocratas da Força Sindical podem não medir esforços em seu golpismo e apoio a medidas neoliberais, mas ainda assim precisam dar alguma cara de defesa dos interesses dos trabalhadores a suas ações. Ações estas que não terão “bônus” noventistas nem de consumo nem ideológicos. Só de Macri, anti-petismo raivoso de programas de TV e da revista Veja e similares não se faz hegemonia em 2016.

A CUT que não opôs nenhuma resistência extra-showmício ao Golpe, nem antes nem durante o mesmo se opôs aos ajustes fossem eles de “seu” governo, dos tucanos ou das patronais (as montadoras que entraram em greve o fizeram contra o PPE defendida pela mesma), com sua trajetória frente ao golpe e com sua trajetória “exemplar” nos 90 pode também adaptar-se ao golpe depois de um tempo. Mas pode a CUT não opor alguma resistência controlada que seja ao ataque a aposentadoria e várias de suas principais bases sindicais a serem privatizadas? E mesmo esta oposição controlada com a possível emergência do sujeito incontrolável da juventude isto pode abrir cenários mais duros de luta de classes a se enfrentar com este neoliberalismo golpista.

Cenário tático e estratégico, juventude versus ajuste do golpismo e sua mão dura

A juventude desenvolve uma onda de ocupações do Rio Grande do Sul ao Ceará. Enfrentam-se com a tentativa de derrota-la pelo medo da repressão, ilegal, em São Paulo, e a mistura de negociação e incentivar gangues “Desocupa já” no Rio. Junto a isso os universitários das prestigiosas USP e Unicamp estão em greve e ocupando reitoria e faculdade. Os trabalhadores da USP também entram nesta luta que une em todo seu potencial a luta contra os ajustes a luta contra o golpe agora personificados juntos, e mais trás em si o germe perigoso da aliança operário-estudantil.

O desenvolvimento deste sujeito pode colocar em xeque esta tentativa de neoliberalismo sem hegemonia? Ou será possível impô-lo com mãos das PMs e de Moraes? É possível, mas não parece um cenário calmo para os negócios capitalistas, e mantém, por esta via mais viva a esperança de retorno do petismo mais tarde (mesmo em 2018) como recurso para conter este descontentamento.

Descontentamento nas ruas é também sinal de crises na frente impeachmista mas com pluralidade de interesses que por hora une-se a Temer. À juventude e a classe trabalhadora cabe ir além de querer um retorno dos ajustadores e privatizadores do PT em sua luta para derrotar os golpistas. Erguer da luta pela derrubada do golpista Temer um questionamento a todo este regime da bala e do suborno. Por isto o MRT e este Esquerda Diário propõe que com a força das mobilizações da juventude, da educação, contra os ajustes e o golpe se arranque os grandes sindicatos e centrais sindicais de seu imobilismo e lutemos por uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana.




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