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SEMANÁRIO

“Icebergs à deriva” é ferramenta de combate diante da realidade do trabalho em plataformas digitais

Diana Assunção

“Icebergs à deriva” é ferramenta de combate diante da realidade do trabalho em plataformas digitais

Diana Assunção

Em um momento de enorme fragmentação da classe trabalhadora a publicação do livro “Icebergs à deriva - o trabalho nas plataformas digitais” da Boitempo Editorial, organizado por Ricardo Antunes, é um grande alento.

O sugestivo título remete à ideia de um bloco ou massa de gelo de grandes proporções que se desprende de uma geleira, um glaciar ou uma plataforma de gelo continental que, à deriva, é levado pelas águas dos mares. Talvez tratando do processo fragmentário e de atomização que significa a precarização e terceirização do trabalho, a ideia de “icebergs à deriva” remete justamente à imagem de inúmeros blocos desprendidos e submersos de trabalhadores que se encontram neste momento “plataformizados”, ou então “uberizados”, sem absolutamente nenhum direito ou regulamentação. Como supostos empreendedores e donos de si mesmos, estão submersos em um mar capitalista de superexploração e precarização das condições de trabalho sem precedentes.

É por isto que a rigorosa pesquisa apresentada em “Icebergs à deriva” é urgente. O crescimento acelerado, nos últimos anos, da chamada “economia de plataformas” colocou em relevo um verdadeiro “boom” destes serviços e da precarização do trabalho resultante. Como a apresentação do livro aponta, se fez necessário buscar uma compreensão do fenômeno social do trabalho em plataformas nesta fase em que o trabalho digital, em sintonia com a chamada indústria 4.0, se expande em velocidade e qualidade como nunca, com uma forte acentuação durante a pandemia da Covid-19 que, ao mesmo tempo, mostrou também que estes icebergs também poderiam se encontrar e resistir “em bloco” colocando de pé a primeira luta organizada em meio à pandemia, quando milhares de pessoas estavam sob a quarentena e os trabalhadores de aplicativos de entrega se transformaram nos verdadeiros “essenciais”, movendo tudo e fazendo sua greve geral se sentir em todo o país.

Neste sentido, buscar as categorias que melhor podem explicar o que é o trabalho uberizado ou plataformizado é, portanto, um dos principais objetivos do estudo, o que é um grande mérito e importante função social neste momento de retrocesso dos direitos da classe trabalhadora. Isso implica questões relacionadas não somente ao mundo do trabalho, mas também ao âmbito do direito do trabalho e no que diz respeito às demandas de regulamentação. Segundo o professor Ricardo Antunes “(...) a conceitualização do trabalho uberizado remete originalmente às precárias condições de trabalho presentes nas plataformas que prestam essa modalidade de serviços”, o que se relaciona ao fato de que a uberização, ou plataformização, é uma acentuação do processo de precarização do trabalho que se deu ao longo de todo o processo de ofensiva neoliberal da década de 1990 fruto da decadência capitalista.

O livro é dividido em três partes começando por “A construção dos icebergs no capitalismo de plataforma” com textos fundamentais que dão uma dimensão do significado e das consequências práticas do que é definido como “capitalismo de plataforma” e sua nefasta destruição dos direitos trabalhistas. Nesta primeira parte, no artigo “Trabalho e (des)valor no capitalismo de plataforma: três teses sobre a nova era de desantropomorfização do trabalho” Ricardo Antunes desenvolve a reflexão sobre a pandemia como um momento de laboratório do processo de avanço do capitalismo de plataforma, a recuperação de modelos referenciados no começo da Revolução Industrial no que diz respeito, por exemplo, às jornadas de trabalho, e apresenta a ideia de que estaríamos entrando em uma nova era de desantropomorfização do trabalho. A segunda parte traz numerosos artigos acerca da temática “Icebergs à deriva: expansão e descontrole”. E a terceira parte “Icebergs em descontrole: regulamentação, resistência e rebelião” apresenta reflexões atuais e necessárias sobre a resistência diante de tamanha devastação e desagregação da classe trabalhadora. Cabe dizer: desagregação que também tem a cumplicidade dos representantes sindicais que, ao invés de organizar a luta dos trabalhadores por seus direitos, cumprem o papel de facilitar a implementação de ataques por parte dos patrões, como o próprio processo de precarização. Expressão disso é que a ampla maioria dos sindicatos hoje não reconhece os terceirizados, quarteirizados, trabalhadores de plataforma, entre tantos outros trabalhadores, como parte de suas categorias, ainda que trabalhem nos mesmos locais de trabalho.

Uma questão a se aprofundar seria a temática que abarca o entrelaçamento do trabalho uberizado ou plataformizado entre as trabalhadoras mulheres, os trabalhadores negros e es trabalhadores LGBTQIAP+, e a opressão que enfrentam. Já começamos a ver as ofertas de “lavagem de louça” a R$ 15,00 pelos aplicativos, transformando a limpeza, um dos serviços terceirizados mais “clássicos” da ofensiva neoliberal, e dos que mais descarregam a precarização sobre os ombros das mulheres, em mais um produto descartável nas plataformas digitais. Em um país como o Brasil, o maior país de população negra fora da África, analisar os dados que computam a quantidade de trabalhadores uberizados ou plataformizados que são negros se coloca como uma necessidade para mostrar que inclusive medidas como a igualdade salarial entre homens e mulheres, e entre negros e brancos, somente se fará valer em nosso país quando se colocar fim a estas formas nefastas de precarização do trabalho.

Ao contrário dos que proclamaram o fim da história, não devemos ter dúvidas de que o futuro do trabalho se definirá na luta de classes e saber analisar essas mudanças hoje é uma arma para intervir nos futuros processos e neste sentido somente a organização e atuação da própria classe trabalhadora, com independência política em relação à burguesia e suas instituições, poderá reverter esse processo de precarização.

Por isso publicações como esta apenas reforçam a vigência do Manifesto, também impulsionado pelo professor Ricardo Antunes e centenas de intelectuais, pesquisadores e ativistas da área, contra a terceirização e pelos direitos plenos aos trabalhadores de plataformas, que já conta com mais de 5 mil assinaturas. Recomendamos a todos que leiam atenciosamente o livro “Icebergs à deriva” por se tratar de uma ferramenta de combate para toda a classe trabalhadora.


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Diana Assunção

São Paulo | @dianaassuncaoED
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