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STF | Kassio Nunes, um ministro do STF para Bolsonaro, agronegócio e todo golpismo chamar de seu

A nomeação do desembargador Kassio Nunes por Bolsonaro constitui uma apoteose de símbolos do abraço mútuo entre Bolsonaro e as demais forças do regime do golpe que o acolheu como filho indesejado e após múltiplas caneladas. Cada detalhe de quem elogiou e quem criticou a nomeação dentre os grandes atores burgueses, ilustra muito bem um movimento político multifacetado mas que tem pontos de convergência muito sintomáticos não somente da conjuntura mas também dos interesses em confluência.

Leandro LanfrediRio de Janeiro | @leandrolanfrdi

quinta-feira 8 de outubro de 2020 | Edição do dia

Em resumo esse movimento poderia ser descrito como a continuidade e aprofundamento do regime do golpe, a saber: 1) privatização e entrega ao imperialismo e continuidade de ataques aos direitos sociais e dos trabalhadores 2) servilismo aos interesses do agronegócio e da expansão fundiária 3) estabilização do regime com, fortalecimento bolsonarismo e do centrão mesmo que às custas de parcelas da extrema direita, da Lava Jato e de algumas denominações neopentecostais.

A surpresa de quem lê Bolsonaro escolhendo suas palavras e não seus interesses e ações

A nomeação de Kassio Nunes surpreendeu alguns aliados de Bolsonaro e a grande mídia nacional. Gostam de tomar os demagogos por suas palavras e não por suas ações, e ainda por cima escolhem quais palavras dão mais valor do que outras. Bolsonaro havia prometido um juiz “terrivelmente evangélico” e ao nomear um católico se surpreenderam. Achavam que seria um Bretas, Ives Gandra, alguém de público e notório reacionarismo nos costumes. Mas nomear uma estrela, mesmo que uma de reacionarismo, é nomear um risco já que nunca houve um impeachment de um ministro do STF e para isto ocorrer é necessário 2/3 do Senado. Uma estrela também implica maior chance de voo próprio, coisa que sistematicamente Bolsonaro tem limado dentre os seus, basta lembra de Santos Cruz, Mandetta, Moro, toda malta de parlamentares do PSL que romperam com ele, e agora a o ex-superministro em fritura permanente, Guedes.

Bolsonaro também havia dito que queria um ministro do STF que tomasse “cerveja comigo no fim de semana”, ou seja alguém que ele mandasse um zap e estaria a disposição para realizar articulações políticas. Essa segunda declaração de perfil não foi valorizada pela grande mídia na análise da nomeação, ficaram só com o “evangélico”.

Bolsonaro quer um Toffoli, um Gilmar Mendes para chamar de seu. Ele nota quanto custou construir essa relação com Toffoli e Mendes, quanto percalços teve com todo STF, incluindo os atuais parceiros de convescote. Sob mentoria de Mendes e de Toffoli há um aparente treinamento ao neófito Nunes neste tipo de serviço de conchavo brasiliense (ele conhece versões de praças menores) e manutenção do regime, agora golpista. Se Mendes era alguém que FHC e todo tucanato podia ligar a qualquer momento este soube se adaptar a novos tempos, se fez campeão da Lava Jato contra o PT, depois garantista e agora é conselheiro de Bolsonaro. É uma peça chave para avançar no golpismo e depois para consolidá-lo. Já Toffoli soube pular do petismo para nomear todo um gabinete de interlocução com os militares e por essa via também virar comensal do capitão que ocupa o Planalto.

Essa nomeação, de alguém que Bolsonaro diz “100% alinhado comigo” rasga explicitamente a aparência de separação entre poder Executivo e Judiciário, aumentando a influência do primeiro sobre o segundo. Mas trata-se de uma aposta, uma vez que dada a dificuldade de remover um ministro do STF muitas vezes esses “viram a casaca” conforme interesses próprios e alheios os acudem. Do ponto de vista de Bolsonaro a nomeação lhe garante maiores interlocutores e “margem de manobra” sobretudo com tantas dores de cabeça judiciais que pairam sobre seu clã. Ter maior margem de manobra é um interesse fundamental para quem quer se perpetuar no poder e garantir a continuidade da agenda de um regime golpista que o aceitou no poder (mas não era sua primeira opção como ficou evidente em meados de 2018 e nos primeiros meses da pandemia).

Mas não só Bolsonaro ganha com a nomeação, todo o regime do golpe e seus interesses

Os elogios a Kassio Nunes foram variados mas tocam todos eles em alguns interesses fundamentais da agenda golpista de 2016, ou seja, que vão muito além de Bolsonaro. Assim que a notícia da nomeação vazou os analistas do mercado financeiro elogiaram. Como não, afinal Kassio Nunes, muito antes do STF lá nos idos de Agosto de 2016 já tinha tomado medidas para que a Petrobras burlasse a lei e avançasse com privatizações.

Uma figura tão propensa a falar “in Fux we Trust” como o politicamente finado Dallagnol, Merval Pereira do Globo elogiou a escolha ainda que com ressalvas porque não atende os interesses da Lava Jato, essa ala do golpismo que ele sempre apoiou. Se a mais estridente figura da Globo elogia o currículo, mesmo com ressalvas, é porque além de ser privatista ele é palatável por mostrar uma trajetória coerente com mais fatores de poder e seus interesses.

Outra pessoa que elogiou publicamente Nunes foi a senadora Kátia Abreu. Ex-presidente da maior entidade do agronegócio, a CNA, ex-ministra e defensora de Dilma, e depois vice de Ciro Gomes, a “moto-serra de ouro” disse: “Eu presidia a CNA [Confederação Nacional da Agropecuária] e entraram com ação para suspender o uso do glifosato no plantio da soja. Seria o caos se acontecesse. Eu o visitei para levar argumentos, ele julgou e não suspendeu o uso”. O glifosfato é um agrotóxico proibido na maior parte dos países do mundo porque é uma das substâncias mais cancerígenas conhecidas pela humanidade. Eis este bom serviço prestado por Nunes a lhe aplainar votos para confirmar a nomeação ao STF.

Kassio Nunes pode não ser “terrivelmente evangélico” mas é terrivelmente pro-agronegócio e grilagem. Outra medida do desembargador também mostra suas credenciais ruralistas, ele autorizou que não indígenas tomassem terras de reserva, ele legalizou a grilagem ocorrida, sem nenhuma surpresa, em local de forte agronegócio (Mato Grosso). Sem surpresa, um senador bolsonarista, policial federal, deste mesmo estado que também é de onde Gilmar Mendes é oriundo, o elogiou publicamente no Senado em 2019 (antes da cassação do mandato do mesmíssimo senador).

Este senador (agora cassado) que o elogiou era José Medeiros, do Podemos, mesmo partido pelo qual sua cônjuge serve em gabinete do senador Elmano Ferrer (Pode-PI). Tal como o marido, primeiro nomeado pelo PT, ela transitou de cargos de senadores petistas para a tal cúpula do centrão.

Kassio Nunes é bem quisto por toda cúpula do centrão. De Renan Calheiros (PMDB-AL) a Ciro Nogueira (PP-PI). Bem quisto no centrão a mídia agora o qualifica de “garantista”, um garantismo à la Gilmar Mendes se espera: ao gosto da relação de compadrio e interesse com o réu.

E como não podia deixar de ser o caso, também não faltaram elogios a Kassio Nunes pelo PT, seja através do conhecido lobby feito por Wellington Dias, governador deste partido ou no elogio não muito velado feito por advogados afins ao partido ou do próprio partido, tal como fizeram o petista Wadih Damous que preferiu elogiar dizendo que não era uma nomeação do nível (rebaixado) que se espera de Bolsonaro ou do criminalista Kakay (defensor não só do PT mas também do centrão) que disse ““Ao invés de dar ao futuro ministro poderes de unir o PT e o Centrão é mais honesto ver o simples: ele está à altura do cargo de ministro do Supremo”. O autor deste artigo desconhece uma crítica petista a Nunes. E não é para menos.

O partido de Lula, que se coliga com a direita e extrema-direita de norte a sul do país, aposta que junto da direita e da extrema direita, removendo qualquer ameaça ao regime golpista, este o aceite novamente, não irá criticar alguém que tem bom trânsito no privatismo, no agronegocio, no centrão, criticar quem é bem quisto por estes setores vai na contramão da quintessência de toda atuação prática do PT agora: mostrar a toda cor de golpismo que ele aceita que tudo fique como está, só quer ser parte (coligada) do mesmo.

Quais alas do golpismo se sentiram alijadas com a nomeação?

Quem não gostou da nomeação foram as alas do Bolsonarismo que estão sendo alijadas do poder para dar lugar ao centrão e a todo pacto com o regime do golpe, incluindo o STF. Além de ex-bolsonaristas que romperam junto com a Lava Jato, houve críticas (e choro) público da fascista Sara Winter e vídeos estridentes de Malafaia, que aproveitou o ensejo para criticar a relação preferencial de Bolsonaro com a Universal e não com sua Assembleia de Deus Vitória em Cristo.

Moro também criticou a nomeação, mas prontamente apagou o tweet crítico. Para tornar ainda mais explicita a movimentação, Bolsonaro fez questão de sublinhar e pisar ainda mais na ferida Lava Jato. Tendo rompido com a Lava Jato que tanto o protegeu, estando Moro no seu governo durante quase dois anos, Bolsonaro agora diz que "acabou com a Lava Jato". O fisiologismo e corrupção da extrema direita, sem Moro assim como quando Moro estava no governo, segue de pé. A diferença é que os amigos de Bolsonaro voltaram a estar onde estiveram na origem: no Centrão, que vinha aborrecido há anos com a implicação de seus nomes na mira dos moristas.

O atual presidente do STF, Fux, notório Lava Jatista também fez chegar a imprensa o seu incômodo do nome de Kassio Nunes ter sido negociado com Toffoli e Mendes e não com ele. Nessa reclamação parecem se misturar o ego ferido de um ministro conhecido por vaidade e o alijamento de sua ala política lava jatista no grande pacto nacional em curso. Um pacto que teve sua apoteose simbólica, como dissemos nessa nomeação.

Apoteose de símbolos do pacto do regime do golpe

Os atores políticos golpistas que criticaram a nomeação são exatamente os mesmos que estão sendo alijados desta estabilização e pacto do regime do golpe. São alas evangélicas, grupos proto-fascistas, a Lava Jato e seus defensores. Todo restante dos atores saudaram a iniciativa, começando pelo Bolsonarismo e seus filhos. Da Globo ao agronegócio e mercado financeiro, passando pela representação política de todo eles: o centrão. A própria atitude do PT perante o nomeado, uma atitude de elogio tímido ou absoluta ausência de crítica também ilustra simbolicamente nesse caso toda sua atitude perante o regime do golpe: acomodação e aceitação.

Nada mais simbólico para selar essa nomeação que um abraço – sem máscara em meio à pandemia– de um ministro antes tido como petista (Toffoli) com Bolsonaro, em um encontro doméstico que contava também com a presença e aval do golpista Mendes tão bem quisto entre o tucanato e a Globo.

Essa confluência de símbolos do pacto golpista e de seus interesses no caso Kassio Nunes também aponta o caminho para enfrenta-los. O caminhos praticados pelo PT, coerente com seu DNA de conciliação, aproximam-no do regime e do abraço de Toffoli, é o oposto do que é necessário. É necessária uma batalha contra todo o regime do golpe, que se abraça para nomear e defender seus interesses, de reforma administrativa, de privatizações, de avanço de glifosfato, grilagem, desmatamento. O caminho é um de preparar e desenvolver o enfrentamento nacional contra Bolsonaro e Mourão, e o regime do golpe institucional. A esquerda não pode aceitar as regras do jogo golpista, como faz o PT em cada passo, incluindo o caso Kassio Nunes, a conciliação preparou a trilha do golpe e dos abraços do Judiciário golpista com a extrema direita. Esse caminho passa pela independência de classe e pela luta para impor uma nova Constituinte.




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