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SEMANÁRIO

Kohei Saito: Marx e o chamado do antropoceno

Juan Duarte

Kohei Saito: Marx e o chamado do antropoceno

Juan Duarte

Resenha de O Capital na Era do Antropoceno de Kohei Saito

A preocupação com a crise climática e ecológica impacta enormes setores da população mundial, principalmente os jovens, que buscam ferramentas para entender a situação e pensar em uma saída. Nesse quadro, destaca-se a publicação de Hitoshinsei no Shihonron [1] [O Capital na Era do Antropoceno] de Kohei Saito no Japão em 2020, e seus mais de meio milhão de exemplares vendidos naquele país e o subsequente título de melhor livro do ano pelo Asian Book Award 2021, também expressa outra coisa: uma crescente consciência desses setores para o capitalismo como foco do problema e até para o comunismo como solução. É que o livro de Saito, recentemente publicado em espanhol [2], demonstra de forma bastante didática o papel central do capitalismo na geração da crise, desmancha as soluções para reformar o capitalismo, tanto as do capitalismo verde quanto as do “keynesianismo ambiental”, como o Green New Deal, e levanta a possibilidade e necessidade de avançar para um “comunismo de decrescimento”. Da mesma forma, sua publicação demonstra uma revitalização da reflexão marxista. Até o Financial Times, uma das principais redes do jornalismo burguês, deu conta do fenômeno: “’Decrescimento’: o marxismo está de volta para a era moderna”, intitulou, notando que, a julgar pelas tabelas do livro, “o Japão agora deve ser lambido pelas chamas revolucionárias” [3].

Diferentemente de outras publicações do autor, este é um livro que tenta intervir em um nível amplo com uma posição anticapitalista. Embora polêmico e com certas inconsistências, oferece uma abordagem acessível, com inúmeros exemplos concretos e cotidianos do que o pensamento ecológico de Marx tem a oferecer no Antropoceno (“uma faceta que permaneceu adormecida por aproximadamente cento e cinquenta anos”). E como veremos, é muito.

Kohei Saito (Tóquio, 1987) concluiu seu doutorado em filosofia em 2014 e atualmente é professor associado da Universidade de Tóquio. Seu primeiro livro, O ecossocialismo de Karl Marx. Capitalismo, natureza e a crítica inacabada à economia política [4], que estamos prestes a publicar nas Ediciones IPS [5], foi publicado em inglês como Karl Marx’s Ecosocialism. Capitalism, Nature, And The Unfinished Critique Of Political Economy [6], homenageado com o Deutscher Memorial Prize – um prêmio para pesquisas marxistas – e traduzido para mais de seis idiomas. Capital na era do Antropoceno é seu segundo livro e recentemente se publicou, em inglês, Marx in the Anthropocene. Towards the Idea of Degrowth Communism [7] [Marx no Antropoceno. Rumo à ideia de um comunismo decrecionista], onde continua e aprofunda sua leitura da obra de Marx. Em número anterior deste semanário, Esteban Mercatante revê alguns dos principais conceitos teóricos que Saito aí desenvolve na sua leitura de Marx, juntamente com algumas controvérsias que suscita.

As fraturas metabólicas do capitalismo e seu deslocamento tecnológico, espacial e temporal no cenário da crise

A primeira parte do livro é dedicada a discutir a magnitude da crise climática e ecológica, sua origem capitalista e o caráter ilusório das saídas no quadro do capitalismo.

O quadro geral, infelizmente, já nos é familiar. A crise já começou, estamos passando por uma onda de calor puro e prestes a cruzar perigosamente diferentes "limites planetários" [8] do sistema Terra. Estamos perigosamente perto de nove “pontos sem retorno”: mudanças climáticas, perda de biodiversidade, ciclos de nitrogênio e fósforo, mudanças no uso da terra, acidificação dos oceanos, aumento do consumo de água doce, destruição da camada de ozônio, concentração de aerossóis atmosféricos e contaminação química (com plásticos para exemplo). Embora o acúmulo de gases de efeito estufa tenha começado fortemente desde 1850, após a Segunda Guerra Mundial ocorreu a chamada “grande aceleração” e quase metade do consumo de combustíveis fósseis ocorreu desde 1989.

Saito coloca o eixo na naturalização dos objetivos de “crescimento” do capitalismo, ideia reforçada a tal ponto que o Prêmio Nobel de Economia em 2018 foi para William D. Nordhaus e um trabalho sobre a economia das mudanças climáticas que sustenta que a melhor forma de lidar com este último é por meio do crescimento econômico e do desenvolvimento tecnológico. Essa é a mesma posição do establishment que molda tudo, desde as políticas "desenvolvimentistas" de diferentes governos até o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU ou o próprio Acordo de Paris ("preso às premissas do crescimento econômico", de acordo com o autor). Onde levava o modelo premiado da Nordhaus? A um nível de aquecimento de 3,5 graus no final deste século, um cenário catastrófico (estamos apenas num nível de aumento de 1,1 graus, com as consequências que todos sabemos), mas que é o mesmo que o rumo atual admitido pelo último relatório do IPCC.

O autor retoma a crítica dos sociólogos Brand e Wissen [9] de que o "modo de vida imperial" para sustentar "um modelo baseado na produção e consumo em massa", geralmente considerado atraente nos países desenvolvidos, baseia-se na pilhagem dos recursos naturais e do trabalho em países subdesenvolvidos (acrescentemos que nestas sociedades também existem classes sociais, a generalização é incorreta pois nem todos consomem igualmente, crítica que, por exemplo, Matt Huber faz corretamente a Brand e Wisen). Uma "sociedade de externalização" dos ônus ambientais aos países periféricos via extrativismo, mas cuja margem está se esgotando. O livro aponta como Marx, ao analisar o metabolismo que o capitalismo estabelece na relação entre a humanidade e a natureza, a partir da expropriação e mercantilização dos bens naturais comuns e do trabalho para gerar lucros, gera diferentes alterações e rupturas dos metabolismos naturais, como o metabolismo do carbono a partir de 1850 para produzir a energia necessária para produzir mercadorias (e disciplinar a classe trabalhadora, como sugere o historiador Andreas Malm e retoma Saito). Esse processo tem consequências, desequilíbrios ou ônus sobre a natureza (e o trabalho) que o capitalismo está “transferindo”, deslocando possíveis crises.

Seguindo a análise de Marx sobre a quebra do metabolismo do solo em O Capital, Saito identifica três transferências centrais: tecnológica – como a partir da quebra do metabolismo do ciclo de nutrientes do solo no século 19, o capitalismo desenvolveu fertilizantes químicos que repararam esse ciclo através da produção de nitrogênio, mas ao mesmo tempo custo de usá-lo cada vez mais, com o consequente uso de combustível fóssil e acidificação dos solos (hoje, as propostas de geoengenharia ou carros elétricos por exemplo–; espacial –a conquista de territórios para obter guano na época, que hoje aparece implantado em chave extrativista como "imperialismo ecológico" que saqueia a periferia (extrativismo de combustíveis fósseis em países como a Argentina, sob capitais imperialistas que se vendem como "sem emissões líquidas" em seus países de origem)-; e temporal – na época de Marx, com o desmatamento excessivo das florestas, mas hoje aparece na forma de uma crise climática; acumular os resíduos da produção de energia só aprofunda as catástrofes no tempo, e enquanto a burguesia toma consciência disso, mais aproveita o tempo para explorar, como estamos vendo, o máximo possível antes que essa possibilidade de negócio se esgote.

As saídas capitalistas são ilusórias, apenas deslocam a crise

Saito dedica um capítulo inteiro ao “keynesianismo ambiental” de soluções como o Green New Deal, que ele define como “o último baluarte do funcionamento normal do capitalismo”. É impossível, ele aponta, seguindo o cientista ambiental Johan Rockström, “desvincular” as emissões de dióxido de carbono do crescimento econômico. No máximo há um "reacoplamento" nos países centrais, que transferem o ônus para as periferias. As emissões devem ser absolutamente reduzidas e, para isso, deve-se renunciar ao crescimento econômico. Nesse sentido, retoma o "paradoxo de Jevons", o economista inglês do século XIX que, estudando a exploração do carvão, advertia que a melhoria da eficiência tecnológica, que deveria levar ao consumo de menos energia, no capitalismo faz com que consuma ainda mais.

Não há, por exemplo, como alguns apontam, um “pico do preço de petróleo” (Peak Oil) diante do qual os capitalistas buscariam outros caminhos menos poluentes: se o preço do petróleo bruto convencional sobe por escassez, eles vão para o óleo de xisto via fracking, que agora é lucrativo para eles, enquanto exploram o convencional tanto quanto possível, o mesmo com energias renováveis e qualquer opção de "capitalismo verde". Os carros elétricos são um bom exemplo: segundo a Agência Internacional de Energia (IEA), passariam de 2 milhões para 280 em 2040, mas a estimativa de redução de emissões é de apenas 1%. Enquanto isso, na periferia, o saque de lítio para baterias garante a destruição de ecossistemas e comunidades. O mesmo se aplica às tecnologias de captura de dióxido de carbono. Em outras palavras, não há saída pelo mercado.

Decrescimento como opção estratégica

Saito defende no livro uma posição de decrescimento (“um sistema econômico que não depende do crescimento”), mas aponta que isso só é possível em uma sociedade não capitalista, ou seja, comunista. Nesse sentido, ele ataca diferentes abordagens de "decrescimento sob o capitalismo" como opções inviáveis: "o problema é que a busca por lucros, a expansão de mercados, a terceirização, a transferência, a exploração da força de trabalho e o saque da natureza constituem a essência do capitalismo. Renunciar a tudo isso e frear significa, na prática, abandonar o capitalismo” [10]. A verdadeira opção racional é, segundo o autor, “reformar radicalmente o trabalho, acabar com a exploração e a dominação de classe, e articular uma sociedade livre, igualitária e justa: esta é a autêntica teoria do decrescimento no Antropoceno” [11]. Sua proposta central, se quisermos evitar saídas tanto do “fascismo climático” (“a proteção estatal das classes privilegiadas enriquecidas diante da ameaça de vítimas ou refugiados climáticos” [12]) quanto do “maoísmo climático” ( “Estados ditatoriais que empreendem medidas mais efetivas e igualitárias contra as mudanças climáticas”) ou simples “barbárie” (a guerra de todos contra todos a partir da vitória de 99% contra 1%) [13], será então “integrar Karl Marx com decrescimento” (que Saito fará como hipótese interpretativa de sua obra) e lutar por um comunismo de decrescimento.

O autor parte da caracterização de que, nos últimos anos, entre os jovens de todo o mundo, a chamada geração Z e os millennials, surgiram correntes de opinião anticapitalistas em torno da crise climática, e que "o decrescimento começa a se destacar como teoria das novas gerações” [Ibídem, p. 104.]. Por sua vez, ele diz que há uma "reabilitação de Marx", que as ideias de Marx estão voltando ao centro da cena à medida que as contradições do capitalismo se agudizam. É evidente que a Saito pretende dialogar com este setor.

Saito também se dedica a argumentar contra outras variantes, como o "aceleracionismo de esquerda" do "comunismo de luxo totalmente automatizado" de Aaron Bastania, que afirma que "no comunismo que é alcançado por meio da inovação tecnológica capitalista, o crescimento econômico totalmente sustentável será uma realidade” [14]. Também aponta contra o “ecomodernismo”, que defende a ideia de dominar a terra por meio da tecnologia, onde localiza a obra de Bruno Latour. São, aponta, evasões da realidade que negam a necessidade da luta de classes e a luta pelo comunismo.

Um olhar polêmico sobre as ideias de Marx

Depois de aplicá-la de fato para analisar os contornos da crise climática, Saito oferece neste livro uma síntese bastante didática de grande parte de seus trabalhos anteriores para resgatar a visão sistemática de Marx sobre a ecologia, em torno do eixo no conceito de metabolismo e na integração dos cadernos de Marx referentes às ciências naturais. Parte importante deles era até então desconhecida e o autor faz parte de sua edição dentro do Marx-Engels-Gesamtausgabe 2 (MEGA 2) [Obras Completas de Marx e Engels]. Boa parte dessa jornada retoma as afirmações anteriores de John Bellamy em A Ecologia de Marx. Materialismo e natureza [15], e desenvolve-se no Ecossocialismo de Karl Marx

Mas neste livro, Saito dá mais alguns passos em sua interpretação, fazendo novas definições polêmicas, a saber, que haveria na obra de Marx, segundo Althusser, três "cortes epistemológicos": primeiro, ele teria sustentado um determinismo da forças produtivas (1840/1850), expressas no Manifesto Comunista e no artigo “Crítica da Índia”, ligadas a uma ideia de progresso linear; a partir daí, via Liebig, teria passado para uma visão ecossocialista de sustentabilidade expressa no volume um de O Capital (década de 1860) e; finalmente, teria atingido um "comunismo decrescente" depois de 1868, expresso na Crítica do programa de Gotha e na "Carta a Vera Zasúlich".

Esta última virada de Marx seria apreciável em seus cadernos, a partir da leitura da obra de Carl Fraas e de uma reavaliação de sociedades pré-capitalistas como a comuna russa (Mir) ou o marco alemão, que mostrariam que a crise ecológica estava no centro de suas preocupações e que havia abandonado a ideia de "crescimento econômico" junto com a ideia de progresso. Marx, afirma ele, não pôde completar O capital "pelo excesso de sua transformação teórica". “O comunismo de decrescimento – escreve – nada mais é do que a nova interpretação da visão da sociedade futura do último Marx, nunca antes proposta. Nem mesmo seu amigo Engels entendeu. O resultado foi que a visão histórica de Marx permaneceu até agora mal interpretada, como uma visão unilinear da história como progresso, e os supremacistas das forças produtivas impuseram o paradigma das ideias de esquerda” [16]. Este teria sido o obstáculo para que o marxismo posterior não pudesse criticar os problemas ambientais.

Essas afirmações sobre a obra de Marx parecem exageradas e sem fundamentos sólidos. Em Ecossocialismo de Karl Marx, por exemplo, o autor mostra justamente como, a partir de seus manuscritos econômicos e filosóficos, a preocupação de Marx com os efeitos da alienação capitalista sobre a natureza tem um forte sentido ecológico em sua crítica à economia política, que só se materializa com o conceito do metabolismo no Capital e daí em diante. A respeito do suposto "determinismo das forças produtivas", como coloca John Bellamy Foster, já na crítica ao prometeanismo mecanicista de Proudhon em Miséria da Filosofia (1847) percebe-se que Marx era muito crítico das visões prometeicas que apostavam no desenvolvimento da tecnologia e da indústria sem questionar as relações capitalistas de produção. Embora seja verdade, como diz Foster, que a ideia de sustentabilidade não é desenvolvida como será em O Capital, a exaltação dos avanços da burguesia visa apenas destacar suas contradições e unilateralidades, a crítica de certos ecossocialistas de o suposto prometeanismo do Manifesto é infundado. A necessidade de superar o antagonismo entre a cidade e o campo do Manifesto visa também superar revolucionariamente os desequilíbrios produzidos pelo capitalismo [17] e boa parte do texto visa argumentar com as ideias reacionárias de Malthus, com as propostas da segunda parte do Manifesto, que se referem à regulação dos fatores ecológicos.

O percurso teórico subsequente, com a teoria do metabolismo em O Capital, a leitura de Liebig e a posterior leitura de Fraas, etc., parece mais um aprofundamento e concretização da análise ecológica, do que uma "ruptura". Kevin Anderson tem apontado, em debate com a acusação de “orientalismo” de Edward Said que Saito assume, a distância entre a proposta de Marx e a crítica a uma suposta afirmação da história como progresso linear eurocêntrico [18]. Também aqui, no máximo, há um aprofundamento de preocupações já presentes.

A abordagem decrescente que Saito faz do positivo parece intimamente ligada ao diálogo com essas ideias que ele vê como muito prenhes entre os jovens e sua interpretação dessa suposta filiação a um determinismo das forças produtivas na obra de Marx, ao qual ele atribui um papel excessivo ao omitir de sua declaração qualquer referência às disputas estratégicas entre o stalinismo e o marxismo revolucionário no século XX (mesmo às conquistas ecológicas da própria experiência da revolução russa, questão que autores como John Bellamy Foster ou o historiador Andreas Malm abordam) [19]). Em vez disso, a necessidade de regular a relação metabólica entre a humanidade e a natureza de forma planejada, uma proposição marxista básica, alcançável apenas através do comunismo, já constitui uma negação da lógica do crescimento capitalista. Mas não pode ser simplesmente incluído no termo "decrecionismo", entre outras coisas porque, especialmente durante o período de transição para o comunismo, o "decrescimento" de alguns setores da produção de luxo acompanhará o crescimento de muitos outros dedicados ao criação de infra-estruturas sociais fundamentais e satisfação de necessidades adiadas, embora obviamente estes desenvolvimentos devam incorporar a consideração de um equilíbrio com o metabolismo natural (que no capitalismo é ignorado). Foster, por exemplo, aponta que embora a noção de decrescimento possa ser sustentada com reservas –já que atinge duramente a ideologia capitalista de “crescimento”– e que de fato deve ser detida em certos aspectos, ela tem problemas para se formular como estratégia. Ele propõe, em vez disso, falar de ecossocialismo [20].

Atribuir hipoteticamente essa posição a Marx só parece justificado por essas posições do autor e seu interesse em dialogar com essa corrente de opinião.

Problemas estratégicos

Finalmente, o ponto mais inconsistente do livro é a distância entre os objetivos comunistas que ele propõe e a estratégia para realizá-los. Em geral, ele afirma corretamente que a chave é mudar a produção de baixo para cima através da luta de classes, única forma de acabar com a crise climática, consertar as fraturas do metabolismo e realmente lutar pela “abundância” dos bens comuns. E elenca o que chama de "pilares do comunismo de decrescimento": transição para a economia do valor de uso; Redução da jornada de trabalho; proibição da divisão uniforme do trabalho; democratização do processo produtivo; reavaliação das atividades essenciais.

Mas, ao mesmo tempo, é eclético em relação aos temas revolucionários: por um lado, acentua constantemente a relação entre a exploração do trabalho e a expropriação e destruição da natureza e a necessidade da luta de classes; mas, por outro, afirma com Manuel Castells que o caminho para a superação do modo de vida imperial é através dos "movimentos sociais" (e as referências à leitura do Império por Negri e Hardt não parecem sem consequências neste sentido) como o Sunrise, o Zapatismo, os indignados de Barcelona, a Vía Campesina ou as cooperativas (um “comunismo realizável”).

Em alguns casos, a incoerência é ainda maior: dá o movimento municipalista Fearless Cities (cidades sem medo) como exemplo da transição para o comunismo, e em particular a cidade de Barcelona governada por Ana Colau com base na sua Declaração de Emergência Climática que “demonstra sua orientação para o decrescimento”. Como uma cidade baseada em um modelo de turismo focado no consumo e no trabalho precário prefiguraria o comunismo do decrescimento é um mistério. Ou seja, embora Saito aponte bem para a precarização do trabalho e a necessidade de os trabalhadores assumirem o controle social da produção, entre o programa de medidas imediatistas que propõe e as articulações políticas que apoia, não há construção de nenhum sujeito que pode impor uma ruptura do capitalismo. No melhor dos casos, alguns paliativos municipais são gerados ou lutam-se por reformas parciais, enquanto o capitalismo global continua produzindo seus desastres – agravados hoje pela guerra na Ucrânia e suas consequências geopolíticas. Portanto, há uma lacuna intransponível entre a aspiração do comunismo decrecionista e o roteiro proposto.

Do nosso ponto de vista, dado o diagnóstico compartilhado da crise, a tarefa estratégica que se desenha é dupla: construir dentro do movimento ambientalista uma perspectiva estratégica socialista que vincule suas lutas às da classe trabalhadora e, ao mesmo tempo, lutar para que esta assuma de um programa que incorpora as demandas ambientais como parte de seu programa de transição para o socialismo, que exige o enfrentamento das burocracias sindicais e a independência política dos patrões e dos governos. Uma articulação política hegemônica [21], para a qual um partido revolucionário é essencial. Em pequena escala, as experiências de Madygraf [22] reajustando ecologicamente sua produção, promovendo encontros socioambientais e participando da luta socioambiental, ou da Fasinpat [23] articulando-se com o povo mapuche para obter insumos de forma sustentável e respeitosa das comunidades nativas, mostram o potencial de uma articulação neste sentido [24].

No geral, além dessas críticas, o livro faz uma crítica profunda e conclusiva a qualquer opção de sair da crise climática por meio da reforma do capitalismo e aproxima o público em geral do que ele tem a contribuir na perspectiva ecológica marxista. Ao mesmo tempo, fornece novos elementos para recriar o pensamento marxista, uma perspectiva de futuro comunista diante da crise.


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FOOTNOTES

[1Tokio, Shueisha, 2020. Ainda não foi lançado no Brasil

[2Buenos Aires, Penguin Random House/Ediciones B, 2022.

[3Lewis, Leo, Financial Times, 5/11/22. Consultado em https://www.ft.com/content/b1a505ac-c36f-4b4d-9ab0-6f5d9d0e185d em 5/4/23.

[4Publicado no Brasil pela Editora Boitempo

[5Editora argentina ligada ao PTS, partido irmão do MRT

[6Nova York, Monthly Review Press, 2017.

[7Cambridge, Cambridge University Press, 2023.

[8Conceito desenvolvido pelo cientista ambiental Johan Rockström.

[9Brand, Ulrich y Wissen, Markus, Modo de vida imperial. Vida cotidiana y crisis ecológica del capitalismo, Buenos Aires, Tinta Limón, 2021.

[10Saito, Kohei, O capital no antropoceno, ob. cit., p. 111.

[11Ibídem, p. 115.

[12Ibídem. p. 95.

[13Ibídem., p. 94.

[14Saito, Kohei, O capital no antropoceno, ob. cit., p. 174.

[15Editado no Brasil pela editora Civilização Brasileira

[16Saito, O Capital no antropoceno, ob. cit., p. 165.

[17Foster, ob. cit., p. 190.

[19Malm propõe tomar a experiência do comunismo de guerra como exemplo para uma transição ecológica. Ver Malm, Andreas, Corona, Climate, Chronic Emergency: War Communism in the Twenty-First Century, Londres, Verso, 2020; y Garrisi, Marina, “Pandemias, crisis climática y leninismo ecológico. Debate con Andreas Malm”, Ideas de Izquierda, 06/12/20, disponível em https://www.laizquierdadiario.com/Pandemias-crisis-climatica-y-leninismo-ecologico-Debate-con-Andreas-Malm-182404.

[20Foster,John Bellamy, “El patrón de crecimiento y la acumulación capitalista”, Ideas de Izquierda, 06/02/22, disponivel em https://www.laizquierdadiario.com/El-patron-de-crecimiento-y-la-acumulacion-capitalista.

[21Maiello, Matías, De la movilización a la revolución. Debates sobre la perspectiva socialista en el siglo XXI, Buenos Aires, Ediciones IPS, 2022, p.207.

[22Antiga fábrica da gráfica Donneley na Zona Norte de Buenos Aires, que agora é gerida pelos seus trabalhadores

[23Antiga fábrica ceramista Zannon, em Neuquém na Argentina, que após um processo intenso de luta em no início do século foi ocupada e gerida pelos seus trabalhadores.

[24Ídem
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