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POLÍTICA | Merval Pereira do Globo e sua aposta na estabilidade de Temer

Os limites da análise e da previsão da economia e da política sem considerar os “de baixo” e as incertezas na geopolítica mundial. Um diálogo crítico com artigo de Merval Pereira n’O Globo, para pensar o que prever da situação política no país e se o cenário traçado pelo colunista significaria uma “consolidação do giro à direita”. Tema de debate com colunistas do flanco político oposto ao de Merval, entre o progressismo, petismo e a esquerda.

Leandro LanfrediRio de Janeiro | @leandrolanfrdi

segunda-feira 16 de janeiro de 2017 | Edição do dia

Merval Pereira, principal colunista político do Globo e influente porta-voz de um setor da elite brasileira favorável a mais Lava Jato e menos “pacto à la Renan”. Sua defesa da Lava Jato e uma mudança mais profunda no regime político e partidário nacional é feito com algo mais de cuidado do que nos discursos de um Dallagnol por exemplo, ou seja “mais Lava Jato” mas sem muito maior desestabilização sobretudo na economia. Em sua interessante coluna desse domingo prevê como maior probabilidade a realização de um cenário de “sucesso parcial” de Temer: ou seja, garantindo parcialmente toda a agenda de ataques. Isso levaria a uma consolidação de um giro à direita no país? Que limites há para o cenário “mais provável” que o principal analista da Rede Globo nos oferece?

Em “Sucesso parcial” o colunista, em diálogo com a empresa de consultoria Macroplan, traça quatro cenários principais para o governo Temer e prevê que o mais provável é a sobrevida de Temer até 2018 com alguns êxitos do ponto de vista da elite. Vejamos o que seria esse cenário e alguns limites da análise de Merval que sempre é rica do ponto de vista do judiciário e da elite, mas sempre falta a ação dos “de baixo” e tende a isolar as tendências nacionais dos fatores externos, alheios ao poder de ação da FIESP e Rede Globo, o mais importante deles atende pelo nome de Donald Trump.

Merval toma a análise da Macroplan e explicita quatro cenários: 1) queda de Temer como produto da Lava Jato, do TSE ou da “escalada de violência”; 2) “Sarneyzação”, o que implica sobrevivência como zumbi político administrando crises e sem conseguir impor uma agenda, ou seja sem passar os ataques aos direitos sociais e trabalhistas; 3) “sucesso total”, Temer não só implementa com laureis os ataques como a economia “rebrota”; 4) “sucesso parcial” – consiste em implementação parcial da agenda de ataques sem conseguir animar a economia. Os reveses com a Lava Jato, crise penitenciária e ainda dificuldades parlamentárias (como expressão distorcida dos “de baixo”) para os ataques impediriam um céu de brigadeiro e um novo ciclo, mas os lucros se recuperariam um pouco e a FIESP poderia dizer: “deu pro gasto” que tivemos para coloca-lo na Alvorada. Não seria um “ponte” mas uma “pinguela para o futuro” razoavelmente funcional.

Os cenários de “sucesso” podemos, para enriquecer a análise, comparar com a crise vivida em nosso país vizinho, a Argentina. O cenário “sucesso total” seria, com todos limites das comparações, algo como o papel de Duhalde na Argentina pós-2001, garantindo a perversa desvalorização do salário e abrindo caminho para um novo ciclo, o kirchnerista, só que aqui isso se daria em uma imagem espelhada à direita, digamos tucana. Já o parcial seria algo intermediário entre um Macri que é tão neoliberal como a correlação de forças o permite, e o cenário “Duhaldista”, pois mesmo uma reforma da previdência “parcial” é algo muito mais estrutural do que Macri tem conseguido no país vizinho, as semelhanças e diferenças nos limites do “giro à direita” nos dois países será tema de outro artigo.

Tempo político e fatores de estabilidade e instabilidade

Os principais fatores mapeados por Merval são a situação da economia, a satisfação dos empresários com os ataques, o judiciário, e a base de sustentação de Temer no Congresso. O trânsito entre os cenários se daria, fundamentalmente, pela satisfação em atender aos interesses da elite (reforma da previdência, trabalhista, em resumo, aumentar a taxa de lucro).

O judiciário, com uma agenda própria, pode embaralhar esse terreno, mas com riscos de suas ações atrapalharem o andamento dos ataques, já vimos que até mesmo os messiânicos procuradores e alas do STF costumam ter suas asas cortadas, como ocorreu no assunto Renan Calheiros, garantido em seu posto para bom andamento da PEC 55. Logo, olhando para os “de cima”, parece razoavelmente correta a análise de Merval, o cenário “destituinte” parecer menos provável que o de sucesso parcial, ao qual atribui uns 40% de probabilidade de ocorrer.

A crise penitenciária e "de segurança" que Merval nomeia, tem gerado desgaste ao cunhador da frase do "acidente pavoroso", porém, não está claro quanto que mais "guerra de facção" não pode ser funcional a Temer-Moraes lançarem projetos repressivos e assim, em nome de combater as facções, buscar nesse flanco fortalecer a baixíssima popularidade do governo golpista.

Para além dos fatores citados, há alguns que escapam ao colunista do Globo e complicam a análise: tempo, geopolítica e os “de baixo”.

Até dezembro todos editoriais da grande mídia, dando voz a uma insatisfação da elite, erguiam às nuvens seus gritos para que atacasse mais fortemente e com maior rapidez. Temer parece ter atendido ao chamado e apressou-se em promover um pesado ajuste contra o funcionalismo carioca (com o aval de Carmen Lúcia do STF), apresentar uma reforma da previdência digna de prêmio FMI de maldade, e ainda a traçar as linhas gerais de uma reforma trabalhista que daria aos brasileiros um padrão Bangladesh de direitos trabalhistas.

Com esses anúncios de intenções basta? Aparentemente, se olharmos estaticamente para os editoriais e declarações no presente mês de janeiro, sim. Mas daqui a pouquinho, dia 20 deste mês, a dança da economia e da geopolítica mundial pode entrar em novos ritmos. Trump assume a Casa Branca. Ao contrário das felizes projeções de Miriam Leitão que aposta num ótimo ano para as commodities, há de se esperar que os passos protecionistas do novo presidente americano, mesmo que muito menores na prática do que na campanha, levem a um fluxo de capitais aos títulos da dívida dos EUA e consequente barateamento das commodities, gerando maiores dificuldades na economia brasileira, como Daphnae Helena argumentou ainda em novembro.

O tempo de promover as reformas pode se acelerar se um cenário como esse ganha vida e o “sucesso parcial” tornar-se completamente insuficiente, gerando pressões para que a Lava Jato, o TSE e o congresso joguem novamente um papel destituinte em nome dos ataques aos direitos.

Outra importante ausência é o que farão os “de baixo”. Se bem que Merval cita repetidas vezes a baixa popularidade de Temer e talvez as complicações no Congresso, para ele talvez elas sejam expressões distorcidas disso, mas desde junho de 2013 não se deve descartar o desenvolvimento de questionamentos mais ou menos massivos nas ruas e um apoio popular a esses questionamentos.
Vimos os garis irromperem em pleno Carnaval de 2014, vimos os secundaristas paulistas pararem Alckmin no final de 2015 e uma grande onda de ocupações estudantis por todo o país em 2016. Exemplos suficientes para “apostar” que emergirão? Ainda não, Lula e o PT atuam para canalizar o descontentamento às eleições de 2018 e não para sua “irrupção”. Seguindo a orientação do PT as principais centrais sindicais, como a CUT e a CTB, e importantes movimentos sociais como o MST e UNE também são opositores na justa medida de descomprimir a raiva com os ataques de Temer mas não para “transbordar o copo”. Até mesmo ações violentas como a raiva que manifestantes expressaram contra a FIESP foram bem recebidas em setores de massa. Entre a raiva aos ataques e a condução ordeira da oposição a eles há coisas que podem sair do controle e agregar fatores de instabilidade que não entram no cálculo de Merval.

Supondo que Lula e outros consigam conter essa insatisfação à “sua justa medida”, seria a realização do cenário de “sucesso parcial” uma consolidação do giro à direita? Isso é tema para outro artigo para marcar quais são os limites do giro à direita e quais continuidades e descontinuidades ainda há com a etapa aberta pelas gigantescas manifestações populares de 2013 que mudaram os marcos da crise nacional, abrindo espaços à direita e à esquerda.

A aprovação da PEC 55, da reforma da previdência (parcial que seja) e da reforma trabalhista (parcial que seja), significariam conquistas importantes para a elite nacional e para as transnacionais aqui instaladas. Porém, essas “conquistas” nem sempre significam hiatos duradouros. Vale para isso voltar a nossa vizinha Argentina, a década super neoliberal de Menem não significou o “fim da história”. Aprovar a reforma da previdência pode ser mais fácil que fazer os trabalhadores a engolirem.

De todo modo, trata-se de evitar chegar a esse cenário. Para além da análise, aqui se trata de se preparar e atuar para a entrada em cena do fator ausente na análise da elite, a emergência dos trabalhadores. Em primeiro lugar como sujeito consequente da resistência, superando os limites que Lula e o PT impõem, e a partir das forças necessárias para isso, forçando os sindicatos da CUT a outra orientação que passa por organizar um verdadeiro plano de luta contra as contra-reformas, contribuir para a evolução dos trabalhadores de sujeito de luta a sujeito político independente que possa oferecer a todos setores oprimidos uma outra resposta às crises econômica, política e social que vivemos.




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