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Somos milhares de mulheres trabalhadoras todos os dias encarando com força tantas barreiras e dores que essa sociedade nos impõe, e ainda assim sobrevivendo e fazendo o mundo funcionar. Temos que nos organizar e usar essa força pra construir uma sociedade livre de opressão e de exploração.

quarta-feira 28 de fevereiro de 2018 | Edição do dia

Há mais ou menos uma semana, em meio à rotina que levo de ir e voltar do trabalho em ônibus lotado, pensando no cansaço do dia, ou na janta por fazer, ou na dieta e nos exercícios e no sonho de emagrecer pra me sentir bonita, ou nos últimos acontecimentos, pensando na intervenção federal no Rio de Janeiro e no 8 de março que se aproxima, recebi uma nota pelo WhatsApp que lamentava mais um feminicídio.

Tratava do feminicídio de Vânia Mara de Melo. Difícil não se abalar e não derramar lágrimas quando vemos situações de injustiça e violência, é muito natural, somos seres humanos. Mas nesse caso, embora nada saiba sobre essa mulher, sei que ela trabalhava em uma agência de Correios, assim como eu. Que tinha apenas 37 anos. Que certamente lidava com o mesmo sistema lerdo e estúpido de atendimento que eu uso todos os dias (SARA, para os íntimos). Que possivelmente se estressava com situações parecidas de clientes insatisfeitos, ou com a precariedade do trabalho nos Correios. E foi executada a tiros, na própria agência, pelo ex-namorado.

Ex-companheiros deveriam ser lembranças, que às vezes a gente tem quando ouve uma música romântica ou vê uma foto antiga. Mas pra tantas mulheres representam uma ameaça ou um algoz.

Doeu muito pensar o quanto eu profundamente desejo que nada disso acontecesse comigo ou com nenhuma companheira de trabalho, as atendentes da minha agência ou de outras, as que realizam a função de carteiro nas ruas, as que são guerreiras nas greves em defesa dos nossos direitos, ou com as mulheres que eu vejo todos os dias apertadas comigo no ônibus, ou minha mãe, ou minhas tias, ou minhas primas, ou minhas companheiras de militância. E o quanto eu sei que o meu desejo não basta.

Hoje, mais uma vez, a notícia do dia foi de um feminicídio, aqui na cidade onde moro – Campinas. Maria de Fátima, 39 anos. Casada, dois filhos, evangélica. Moradora da região do Campo Grande, uma das mais populosas dessa minha cidade, onde mora grande parte dos trabalhadores. Provavelmente ela era muito diferente de mim, eu não sou evangélica, não tenho filhos. Mas ela saiu pra caminhar de manhã, como eu penso em fazer todos os dias e geralmente não faço, porque perco a hora e me culpo de não ter ido. Ela foi estuprada, e embora tenha tentado se defender (segundo os indícios nas unhas), foi esfaqueada e degolada.

Quão terrível é imaginar um fim desses pra nós ou pra qualquer uma das mulheres em nossas vidas? Quanta dor estão sentindo seus filhos, familiares e amigos? Por que coisas assim acontecem, são monstros ou a sociedade monstruosa em que vivemos alimenta coisas desse tipo?

Cada fato novo reafirma que Campinas não é uma cidade segura para as mulheres, e os dados de mais recentes, de janeiro de 2018, apontam que o número de estupros cresceu na comparação com janeiro passado, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, divulgado em diversas mídias*.

Pensar em tudo isso realmente me dá vontade de chorar e muitas vezes eu choro, acho que é normal. Ainda mais quando penso que esses exemplos são a ponta do iceberg de uma montanha de violência que essa sociedade nos impõe. Que está nos assédios, estupros e feminicídios, mas está também nos ônibus cotidianamente lotados, que nos esmagam e humilham, no excesso de trabalho, nas doenças e acidentes provocados pelo trabalho, nas duplas, triplas jornadas enfrentadas pelas mulheres, nos abortos clandestinos, nas diversas faces do racismo que violenta ainda mais as mulheres negras, na violência policial, na ditadura da beleza.

Nós mulheres, em especial as mulheres trabalhadoras, somos tão fortes que enfrentamos tudo isso, todos os dias, e apesar de tudo, ainda estamos aqui, ainda sonhamos, ainda fazemos planos e lutamos, e ainda amamos. E somos tantas, tantas que lotamos os ônibus, as filas dos serviços públicos, as fábricas, os call centers. Somos faxineiras, atendentes, professoras, cozinheiras, operadoras de produção. Fazemos tudo funcionar e existir, no mercado de trabalho, e dentro das nossas casas e podemos, sim, não apenas sonhar com um mundo sem feminicídios, mas nos organizar pra que esse mundo exista, pra que esse sistema de opressão e exploração seja posto abaixo e a gente construa, junto aos nossos companheiros trabalhadores, que também precisam ser convencidos da importância essencial dessa luta, uma sociedade onde possamos ser livres, onde o fruto do nosso trabalho não seja o luxo de uma minoria, mas qualidade de vida e liberdade para todas e todos.

Estamos nos aproximando do 8 de março, que mais do que uma data de calendário, é um momento de reflexão e luta, quando inevitavelmente nos lembramos de tantas mulheres lutadoras que vieram antes de nós e nos permitiram chegar ao mundo e encontrar alguns tantos direitos e avanços, conquistados por elas com suor e sangue. Isso também nos faz querer cumprir um papel e pensar o que vamos fazer por nós e pelas mulheres do futuro. Temos que aproveitar esse momento pra usar tudo isso que pensamos e sentimos cotidianamente como força pra nos organizar e lutar.

Convido a todas as mulheres de Campinas que compartilham dessas ideias e sentimentos que expressei nesse texto a participar do bloco do Pão e Rosas no próximo dia 03, quando será realizado um ato no centro de Campinas em referência ao 08 de março. Estaremos juntas com outros grupos de mulheres gritando pela vida das mulheres, contra os ataques aos direitos trabalhistas e à aposentadoria, mas também na luta por um plano nacional de emergência contra a violência, e depois vamos conversar sobre tudo isso e muito mais, planejar nossos próximos passos, almoçar juntas e confraternizar no nosso espaço em Campinas, a Casa Rosa, logo após o ato.

03/03/2018
Às 9h – concentração do ato em Campinas
Local: Estação Cultura

Almoço – logo após o ato
Local: Casa Rosa – Av. Anchieta, 51 - Centro




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