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Musk e Moraes: disputas e tensões imperialistas no Brasil

Mateus Castor

Musk e Moraes: disputas e tensões imperialistas no Brasil

Mateus Castor

Os tweets de Elon Musk contra Alexandre de Moraes deveriam trazer muito além de discussões sobre a “regulamentação das redes” e "PL de Fake News”. Nos questionemos, afinal, sobre os motivos geopolíticos e econômicos para que um senhor do mundo resolva intervir no regime político brasileiro e, consequentemente, levar este embate à arena internacional. Por fim, pensemos sobre uma questão central para a luta dos explorados e oprimidos do Brasil: o governo de Frente Ampla, com capitalistas e o STF, pode enfrentar as ingerências imperialistas?

Os meios em disputa para um princípio imperialista em comum

As posições de Elon Musk são públicas, sul-africano mas radicado nos EUA, seu alinhamento à ala trumpista do imperialismo norte-americano não é segredo para ninguém. A administração Biden, que encontra atualmente dificuldades com sua competitividade nas eleições ao final do ano, atuou decididamente em 2022 para disciplinar o bolsonarismo e as Forças Armadas à respeitar os resultados eleitorais das eleições brasileiras, com declarações abertamente críticas às posições bolsonaristas de desconfiança nas urnas eletrônicas.

Ocorre que os governos de turno mudam. A essência e os interesses estratégicos do imperialismo norte-americano, estes não mudam nunca. Se ontem a ala democrata do imperialismo julgou pela estabilização do regime brasileiro e a retirada do poder do maior aliado de Trump na América Latina, amanhã as coordenadas imperialistas podem ser outras, quase opostas, fato que se encaixa com a crise do regime bipartidário americano. Mesmo assim, é preservado um princípio lapidar de qualquer administração imperialista: a ingerência, intervenção e opressão a outras nações, especialmente na América Latina que é chamada por este setor imperialista de seu “pátio traseiro”. Musk é, propriamente dito, um burguês dirigente do imperialismo norte-americano e patrocinador da extrema-direita mundial. Esta, por sua vez, ainda mantém importantes posições no regime político americano, como por exemplo a Suprema Corte, que tem maioria conservadora e trumpista, além das forças policiais e governadores de Estados, setores nos quais o bolsonarismo também se faz uma força atuante do regime brasileiro (polícias, governo Tarcísio, governo Zema, governo Ratinho, etc).

Elon Musk, assim, deixa uma mensagem para o futuro, válida a partir daquilo que toda extrema-direita mundial aposta como praticamente certa: a vitória de Trump em 2024. Deixa também uma mensagem para a ala pró Frente Ampla do regime brasileiro. Com a vitória de Trump, o tabuleiro geopolítico mudará. A correlação de forças entre a Frente Ampla, em especial o pacto entre STF e Governo Lula-Alckmin, e o bolsonarismo, também mudará. Donald Trump permitirá que o trumpismo brasileiro - nada mais que o bolsonarismo - se mantenha fora do pleito eleitoral por 8 anos? Permitirá que seus admiradores que o idolatram e, consequentemente, se subordinam em absoluto por seus interesses na arena internacional, continuem a ser disciplinados pelo STF? Estas são perguntas em aberto. As eleições americanas ocorrerão ao final do ano, fatores disruptivos (luta de classes, conflitos comerciais e militares) internos e externos podem ocorrer nos EUA, mas tais questões são coordenadas por trás das declarações de Elon Musk.

Os meios de ingerência imperialista estão em disputa, agora o fim em si, a manutenção da subordinação do Brasil, é um comum acordo entre democratas e trumpistas.”Vamos dar golpe em quem quisermos! Lidem com isso!”, é mais um tweet de Musk no contexto do golpe na Bolívia em 2020 que seria compartilhado por qualquer personalidade de Washington, como foi a participação do Departamento de Estado na criação da Lava Jato.

A dupla dependência brasileira e as intromissões francesas

Vale ressaltar que as twittadas intervencionistas de Musk ocorrem após a visita cheia de afagos e paparazzis de Macron ao Brasil, cujas fotos com estética de casamento deixaram satisfeitos todos os assessores diplomáticos franceses e brasileiros. A mensagem foi clara. Embora as dificuldades nas negociações entre Mercosul e União Européia graças ao agronegócio francês, o Brasil levará em conta, com carinho, os interesses franceses na Amazônia, assim como encaminhará um projeto conjunto para a fabricação de um submarino nuclear, para a felicidade da Marinha brasileira e francesa. Tal aproximação do Brasil com a França desagrada Washington em seu conjunto, tanto democratas como trumpistas, na mesma proporção.

Logo após os tweets de Musk tornarem-se pauta na opinião pública, o próprio Judiciário, através de um Procurador do MP, pediu para que o Tribunal de Contas suspendesse os contratos milionários entre o governo federal com a Starlink, por considerar “afronta a soberania nacional”. Até agora, a iniciativa não encontrou apoio no governo Lula-Alckmin, que declarou através da Secom que “jamais falou em rever contratos do governo federal com a Starlink ou qualquer empresa de comunicação.”

Entretanto, temos cerejas do bolo que dão um quê de deboche a qualquer defesa “da soberania nacional” contra Elon Musk que parta dos agentes do Estado brasileiro. O sistema de comunicação das frotas da Marinha brasileira recebem auxílio nada mais e nada menos que da Starlink, é o que indica as informações totalmente nebulosas sobre o contrato, sem licitação, feito pelos generais no final de 2023. Diante desta dependência, ainda que relativa, da “segurança nacional” brasileira com a empresa de Musk, faz todo sentido que este se sinta à vontade para se colocar como mais um candidato a poder moderador da política nacional, junto com STF e Forças Armadas.

Tendo continuidade no governo Lula, a Starlink opera no país desde 2022, relação firmada durante o governo Bolsonaro. Hoje, entre os 398 mil assinantes de internet via satélite, a Starlink possui 150 mil, 37,6%, segundo a Anatel. Na Amazônia, cerca de 90% das cidades possuem clientes da Starlink, em especial em regiões isoladas e de difícil acesso. "O Ibama informa que se tornou recorrente encontrar antenas Starlink nos garimpos", consta em reportagem da BBC, como ocorrem em março quando 24 antenas foram apreendidas em áreas de garimpo ilegal. Vemos aqui uma ligação explícita entre Musk e os setores econômicos e políticos que são base do bolsonarismo, no caso o garimpo amazônico, região que a França também busca avançar postos.

Seria também totalmente absurdo deixar de lado as reaproximações entre Brasil e China, levando em conta o aumento de importância do próprio BRICS para Pequim. Se os negócios de Musk não só tiveram continuidade no território nacional entre os governos Bolsonaro e Lula, como aumentaram (Amazônia e Marinha), o governo também moveu suas peças com a China durante o mesmo período. A indústria automobilística chinesa está chegando com mais peso à economia nacional após reaproximação entre Brasília e Pequim. No final do ano passado, diversas montadoras chinesas anunciaram que aumentaram suas operações no Brasil, em especial dos grupos GWM e da BYD, dona do carro elétrico mais vendido no país em 2023, são cerca de 8 montadoras. Em janeiro de 2024, a Hozon Auto Neta, outra montadora de carros chinesas, também anunciou que entrará no mercado brasileiro.

A Tesla de Elon Musk está atrás nesta corrida pelo mercado de luxo de carros elétricos no Brasil, e resolveu estrear sua primeira loja no Chile, em um luxuoso shopping. O bilionário parte de outras trincheiras mais abertas do imperialismo na América Latina, no caso o governo Milei. Nesta sexta-feira, ambos se encontraram no Texas, e o presidente libertário argentino ofereceu apoio a Musk diante da reação de Alexandre de Moraes em processar o dono do X após os tweets. Tal encontro, no qual debateu-se sobre “trabalhar juntos para promover soluções de livre mercado” exemplifica a força do trumpismo na Argentina, um posto avançado na América Latina que uma segunda administração Trump com certeza aproveitaria, a partir da completa subjugação de Buenos Aires, para recuperar suas posições.

As movimentações e relações econômicas sustentadas pelo Brasil com EUA e China formam uma pirâmide instável, apoiada no solo por um só vértice. As arestas que se encontram nesse vértice desequilibrado representam estas duas forças sob o Brasil, gerando a dupla dependência brasileira com as duas potências, que nos últimos anos estabeleceram-se como a grande rivalidade da geopolítica mundial. Na amazônia e em frotas da Marinha de um lado, no mercado tecnológico de carros elétricos e encontros de gala entre generais brasileiros e chineses do outro, as últimas movimentações econômicas e geopolíticas de americanos e chineses no Brasil, nos trazem para uma questão central: no meio dessas dependências, como se sustenta a soberania nacional?

Chegamos, assim, a questão final:

O governo de Frente Ampla, com capitalistas e STF, pode enfrentar as ingerências imperialistas?

Não, é impossível. Se hoje, com as eleições de 2022 sendo um marco, o STF alinhou-se ao partido Democrata e colocou-se como parte dos defensores da velha hegemonia neoliberal contra a ascensão da extrema-direita, em 2018 foi diferente. Semanas após a prisão de Lula, em abril de 2018, o ministro do STF, Luis Barroso, esteve presente em um evento em Harvard no qual afirmou: "O que você pode sentir é que os militares, como todo mundo no Brasil, estão preocupados e querem mudar as coisas para melhor. Como eu também". Barroso deu esta mensagem para a administração de então nos EUA, Donald Trump. Em maio, ocorreria o locaute de caminhoneiros e Bolsonaro daria um salto nas pesquisas eleitorais. Vale ressaltar as ligações entre o Judiciário, através da Operação Lava-Jato e o “deep state” americano, com agentes que tiveram contato direto com os procuradores da operação que daria impulso para a ascensão da extrema-direita com o golpe institucional em 2016.

Em 2022, as alianças se transmutaram e o STF era visto como um ator “em defesa da democracia”, junto com setores do capital (carta em defesa da democracia), encabeçados pela chapa de Frente Ampla de Lula-Alckmin. Alckmin era, bom lembrar, a grande alternativa da burguesia nacional e imperialista em 2018, mas foi superado pelo bolsonarismo. Nesta conjuntura, setores da direita não-bolsonarista do regime brasileiro, que buscavam preservar os ataques de Temer e Bolsonaro e aperfeiçoar mecanismos neoliberais de gestão, consagrados pelo Arcabouço Fiscal de Haddad e também pela PL da uberização, calcularam em prol da estabilidade social para reproduzir as conquistas burguesas vindas desde 2016. Buscaram sustentação internacional em Biden, adversário de Trump, que deixou pública suas posições contra qualquer plano e execução golpista dos trumpistas brasileiros.

A classe dominante brasileira encontra-se encurralada entre seus dois maiores “parceiros” econômicos e políticos, que são rivais pela hegemonia global. Contudo, em diversos momentos históricos, esta classe dominante, ao olhar para baixo e somente sentir o medo de perder sua dominação débil diante de ascensos da luta de classes, sempre blocou com o imperialismo. O fizeram em 1964 de forma aberta, em 2016 de forma mais velada, voltarão a fazer quando for necessário para a manutenção do capital brasileiro, que só se sustenta esmagando qualquer traço de “soberania nacional”.

O bolsonarismo, como direção do capital brasileiro, não foi jogado fora, foi colocado no banco de reservas para desde sua ameaça permanente pressionar a frente ampla a maiores acomodações à direita. Elon Musk anuncia aquilo que nós do Esquerda Diário sempre denunciamos: a conciliação de classes não derrotará a extrema direita, pelo contrário, prepara o terreno para o seu retorno. O imperialismo norte americano se prepara para isto, e deixou sua mensagem para o regime político brasileiro, dando esperança aos bolsonaristas. Diante das declarações de pura ingerência americana por parte de Musk, Alexandre de Moraes mostra sua impotência ao ver acima de si aqueles que tutelam os que se postam como defensores da democracia nos últimos anos, sobraram até críticas dentro da própria Frente Ampla para Moraes e o STF, críticas que só fazem sentido porque passaram a colocar esse setor golpista do regime como o grande agente da luta contra Bolsonaro, e não como o que ele é, subordinado ao imperialismo e atuando conforme esse interesse de classe pender.

A questão que fica é, como aqueles que se colocam na verdadeira trincheira em defesa dos direitos dos explorados e oprimidos, tão brutalmente atacados nos últimos anos e sustentados pelo atual governo, se preparam? A conciliação de classes do PT deu um exemplo em 2016 dos desastres que pode produzir para as massas, não deixemos a tragédia se repetir como farsa, e preparemos uma alternativa revolucionária, com independência de classe, que enterre a extrema-direita e enfrente o imperialismo norte-americano e qualquer ingerência de bilionários no país.


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Mateus Castor

Cientista Social (USP), professor e estudante de História
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