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NÃO TEM ARREGO | 10 anos da greve dos garis do Rio de Janeiro

Nessa semana se cumprem 10 anos da histórica vitória da greve dos garis da Comlurb no Rio de Janeiro. Com sua luta conquistaram 36% de aumento salarial, aumento no ticket refeição e outras reivindicações menores. Eles impuseram uma derrota esmagadora à empresa e à prefeitura. Foram 8 dias de greve com enfrentamento constante contra as forças do estado burguês, da prefeitura, a mídia e a empresa.

sexta-feira 8 de março | Edição do dia

"A gente vai la na central para mostrar a minoria que eles estão falando, vai continuar a greve sim! até chegar a estado de calamidade pública se for necessário. A gente está aqui para negociação, eles vão aceitar o que a gente quer e não o que eles querem. Pronto acabou, eles perderam o lixo está no chão e ninguém vai tirar!”

Gari grevista em entrevista dia 1 de março

A greve dos garis esteve longe de ser um raio em céu sereno. 8 meses antes explodia nas principais cidades do Brasil as manifestações de junho. Foram enormes manifestações que reuniram milhares nas ruas. As massas não confiavam mais nas falsas promessas de melhora da vida na base do consumo e que os anos de governo do PT trouxe um aumento da precarização e terceirização do trabalho no Brasil que hoje vemos ainda mais profundas. Lutas pela aparição do ajudante de pedreiro Amarildo Dias de Souza ou a forte greve de professores no rio ainda na esteira das manifestações de junho no Rio de Janeiro expressam, junto com as demandas por mais saúde e mais educação, o caráter progressista das jornadas de junho de 2013 que mostrou o caminho e preparou as bases para a explosiva greve dos trabalhadores do asseio da COMLURB no Rio de Janeiro.
A unidade da categoria foi fundamental. A insatisfação crescia nos trabalhadores com péssimas condições de trabalho, falta de equipamento, equipamentos vencidos, perseguição e assédio constante por parte da gerência, baixos salários. Essa insatisfação foi se organizando num movimento sem lideranças claras e através de grupos no facebook foram sendo coordenadas ações iniciais de trabalhadores da categoria de diversas gerências nos dias finais do mês de fevereiro com passeatas no centro da cidade e na Tijuca.
Após uma ferrenha batalha que durou longas horas na porta do sindicato, a categoria arrancava com a mais absoluta determinação o documento assinado pelos dirigentes sindicais que oficializava o começo da greve para o dia seguinte, sábado 1º de março, aniversário da cidade e sábado de carnaval. A burocracia sindical é claro, era contrária a greve, e além de se recusar a assinar o documento de início da greve, negociou condições indignas com a patronal, muito aquém das exigências e necessidades dos garis. Os garis em bloco recusaram a negociação feita de porta fechadas e sem a categoria, e obrigaram a burocracia a decretar a greve. Assim, na sexta feira 28 de fevereiro por volta das 22h após quase 12 horas de pressão ao sindicato iniciava-se a greve dos garis. Nessa sexta-feira abria-se oficialmente o carnaval. O prefeito Eduardo Paes fazia a entrega das chaves da cidade ao Rei Momo. Mal imaginava o pemedebista que quem assumiria o controle da cidade nos 8 dias seguintes seriam os garis da COMLURB.
No dia seguinte em cada gerência se organizaram piquetes convencendo mais trabalhadores a se juntarem ao movimento grevista. Lá foram surpreendidos por um novo documento assinado pelo sindicato que negava a declaração de greve do dia anterior, mas o documento não significava nada frente à enorme força e decisão dos garis. Os que não se convenceram na sexta-feira de que o sindicato estava do outro lado da barricada e atuava sistemática e decididamente para derrotar a categoria se convenceram na manhã do dia 1º de março.
O sindicato havia perdido o controle da categoria e frente à força do movimento grevista foi obrigado a assumir as posições dos garis em luta, contra a sua própria vontade ao mesmo tempo que o boicotava e se pronunciava publicamente denunciando que a greve era “política” pela participação e apoio de estudantes.
A ação dos grevistas não foi um movimento aventureiro. Os garis analisaram a situação a cada passo que eles avançavam. Conscientes e confiantes da sua força, da sua organização, e do apoio da população. Isso começando pela feliz coincidência da data do dissidio cair na semana do carnaval. A luta dos trabalhadores também precisa de sorte. Os garis a tiveram e a aproveitaram conscientemente. Organizando os piquetes nas gerencias que já estavam paralisadas os garis foram expandindo o movimento, mapeando as gerências que continuavam trabalhando e organizando delegações de trabalhadores que iam nessas gerências e convenciam os trabalhadores a também paralisar.
A empresa tentou desmontar a greve por todos os meios possíveis, afirmando que era bagunça de uma minoria de 300 garis (que para desgraça de Eduardo Paes e da prefeitura acabou relacionando os garis e toda a greve ao filme dos guerreiros espartanos) demitindo os trabalhadores por SMS, enviando a polícia amedrontar os trabalhadores nos próprios endereços das suas residências. A justiça declarou a greve como ilegal. Mas todas essas tentativas só fortaleceram o movimento de trabalhadores que estavam decididos a mudar a sua realidade.
A empresa e a prefeitura cada vez mais pressionados pela categoria e por uma cidade que em pleno carnaval acumulava montanhas de lixo que mesmo com a contratação de fura greves continuava fortemente nas ruas, mudando a paisagem da ‘cidade maravilhosa’. No terceiro dia de greve abriram-se as negociações com o movimento grevista. Aqui se expressou outra das fortalezas da emblemática greve dos garis de 2014. Frente a abertura da empresa a negociações formou-se uma comissão de 10 trabalhadores para representar a categoria. Já no primeiro dia a comissão se dividiu entre os que queriam aceitar o oferecido pela prefeitura (que era muito aquém do demandado pelos garis) e aqueles que queriam ir por mais. Mas a categoria consciente das suas próprias forças decidiu continuar avançando. Tirou os delegados mais recuados, elegeu novos representantes para conformar a comissão e manter as demandas da categoria nas negociações com a Comlurb. Esse processo de renovação da comissão aconteceu repetidas vezes ao longo dos 8 dias de greve.
Esse elemento de democracia operária foi um diferencial dessa processo de luta dos garis que contrasta com a maioria dos processos de luta operária onde quem controla os movimentos da greve é o sindicato atuando como um corpo separado se colocando acima do conjunto dos trabalhadores. Esse elemento de democracia operária, em contraste com a democracia burguesa como é hoje que restringe o ato democrático a um mero voto cada 4 anos, busca separar as massas do governo do Estado.
Essa pequena experiência da greve dos garis que coloca as massas decidindo cada passo dessa luta se acontecesse numa escala e proporções maiores pode virar a base do poder da classe operária dirigindo os rumos da economia e da sociedade. Os sovietes: órgãos da insurreição e a base da ditadura do proletariado. Da mesma forma que os garis trocaram seus representantes da comissão de negociação cada vez que alguns dos integrantes ia contra os interesses do movimento grevista a história da classe trabalhadora mostrou que essa é uma das fortalezas da organização dos trabalhadores, e assim o identificou Marx na Comuna de Paris onde os delegados eram revogáveis a qualquer momento se a base assim o decidia.
O trabalho dos garis é profundamente estratégico um serviço que é absolutamente necessário para a reprodução do capital, e a cidade se paralisa se o lixo não for recolhido. A pesar do forte efeito da greve dos garis na cidade, os garis conquistaram o apoio amplo da população contra a empresa fortalecendo ainda mais o movimento. Junto a isto o apoio e a solidariedade de trabalhadores de outras categorias de trabalhadores como petroleiros, metroviários de São Paulo, professores e setores de estudantes que se organizaram para apoiar e lutar junto aos garis por suas demandas foi mais um pilar de apoio da luta dos garis.
A palavra de ordem mais emblemática da luta dos garis de 2014 “Não tem arrego” foi inspiração para diversas outras greves que aconteceram posteriormente. Expressa a confiança nas próprias forças, nos métodos da própria classe trabalhadora, determinação e ambição. Todos estes elementos que as novas forças políticas de esquerda revolucionária que venham surgir dessa profunda crise no Brasil devem ter como elementos fundacionais: Confiar na classe trabalhadora, confiar na auto organização, nos métodos e nas energias das trabalhadoras e trabalhadores brasileiros. A greve dos garis foi vitoriosa porque os trabalhadores tomaram consciência do papel que cumprem na sociedade, como produtores de tudo que existe ideia que é a base do movimento que os pode levar a gerir a sociedade de outra forma.
Se a classe trabalhadora está chamada a assumir a sua tarefa histórica, deve o fazer com seus próprios métodos: os da luta de classes. Os garis não se restringiram pelos limites da legalidade e da institucionalidade burguesa como faz hoje a maioria da esquerda brasileira e também o PT que hoje apresenta mais características de um partido burguês do que um partido da classe trabalhadora, governando com ex PSDBistas e até com bolsonaristas renegados.
Com todas suas limitações a greve dos garis mostrou como os trabalhadores podem se colocar numa posição hegemônica na sociedade sendo a linha de frente e oferecendo um programa de saída para as misérias que o capitalismo oferece hoje como o único horizonte possível. Pensar os rumos que o brasil poderia ter tomado se a greve dos garis tivesse iniciado um movimento classista, anti burocrático pela retomada das demandas de junho de 2013, para garantir plenos direitos aos trabalhadores e setores pobres do Brasil, por saúde pública, transporte público e de qualidade, educação, em defesa da petrobras, contra o racismo e a violência policial, tal vez não teríamos visto surgir os engendros da extrema direita do movimento verde amarelo, tal vez a direita não teria se sentido tão encorajada assim como para implementar o golpe institucional de 2016 e tal vez Bolsonaro nunca teria chegado a presidência. Só um movimento classista que resgate as lições dessa greve como seus pilares poderia ter mudado a história recente do Brasil. Hoje depois de governos golpistas, de extrema direita e de frente amplíssima com a direita vemos que nada mudou, que todos os ataques que fizeram contra os trabalhadores continuam em pé e para além de imaginar como teria sido, devemos batalhar para fortalecer novas experiências como a de 2014 que venham surgir para poder levar elas o mais à frente que elas possam chegar. Na semana dos 10 anos dessa maravilhosa experiência queremos resgatar suas lições para o futuro da esquerda revolucionária brasileira.




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