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Na Palestina, isto não é uma melancia

Andrea D’Atri

Obra de Sarah Hatahet, disponível em The Palestine Poster Project

Na Palestina, isto não é uma melancia

Andrea D’Atri

A primeira colheita de melancias que se tem registro ocorreu no Egito há aproximadamente cinco mil anos. Essa fruta, que em quase todo o mundo se come fresca, em fatias, tem um lugar de destaque na gastronomia palestina, onde é utilizada em saladas, mas também assada na grelha ou sua casca marinada.

No entanto, sua importância cultural não se limita ao papel que possui nas comidas palestinas. Por suas cores branca, verde, vermelha e preta, se converteu em um símbolo para representar a bandeira da Palestina, depois que Israel proibiu sua exibição pública em Gaza e Cisjordânia.

Nos anos de 1980, as forças de ocupação confiscaram as obras de arte da Galeria 79, da cidade de Ramallah, um centro de atividades culturais que foi fechado pelas autoridades do Estado de Israel. Naquela época, três renomados artistas plásticos palestinos foram detidos. Os soldados israelenses advertiram Silman Mansour, Nabil Anani e Isam Badr que deveriam eliminar as alusões políticas de suas obras de arte. O próprio Mansour comentou que o chefe das forças repressivas israelenses lhes disse: “Por que fazem arte política? Por que não pintam belas flores ou nus?”, antes de ordenar que eles mostrassem suas pinturas previamente para determinar se eram aceitáveis ou se seriam censuradas. A ordem era que não pudessem sequer usar as cores vermelha, verde, branca e preta porque eram as cores da bandeira palestina. Isam Badr então disse: “Bem, se eu pintar uma flor com essas cores, o que você fará?” E o oficial respondeu: “Será confiscada. Inclusive se fizer uma melancia, ela será confiscada”.

Foi então que a melancia se converteu no símbolo da primeira Intifada, a resistência conhecida como a “guerra das pedras”, que começou em 1987 e terminou com 3162 palestinos e 127 israelenses mortos em 1993.

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Após os acordos de Oslo daquele ano, a proibição de exibir a bandeira palestina foi revogada, mesmo que isso novamente tenha se tornado motivo de conflito diante de cada avanço dos colonos sionistas e da resistência à ocupação, como durante a segunda Intifada, que iniciou em setembro do ano 2000 e terminou em fevereiro de 2005, com mais de 5000 palestinos e cerca de 1000 israelenses mortos, além do isolamento definitivo da Faixa de Gaza.

Khaled Hourani, que junto com os artistas plásticos Mansour e Anani é cofundador da Academia Internacional de Arte da Palestina, em 2007 pintou uma fatia de melancia para seu Atlas Subjetivo da Palestina, a qual chamou “Watermelon Flag” (Bandeira de melancia), criando um design que se multiplicou aos milhares em cartazes, bandeiras, roupas, grafites, redes sociais, etc.

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Em 2021, ativistas de todo o mundo relataram que as plataformas de redes sociais estavam restringindo conteúdos relacionados à Palestina e até eliminando contas. Por exemplo, uma organização palestina de direitos digitais sem fins lucrativos, informou que a plataforma Instagram ocultava os comentários que continham o emoji da bandeira palestina ou introduzia automaticamente a palavra “terrorista” nas traduções de alguns perfis que continham esse emoji. Então, o uso do emoji de melancia se difundiu para evitar a censura dos algoritmos.

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No Instituto de Arte de Roterdão (Países Baixos), nesse mesmo ano, os estudantes penduraram uma faixa com os dizeres “Detenham a limpeza étnica, Palestina livre”, durante os ataques a Gaza no mês de maio. Mas o reitor ordenou a retirada do cartaz e a perseguição contra os ativistas pró-palestina aumentou. Assim, os artistas Christian Ovesen e Emma Astner pintaram a melancia de Hourani, acompanhada da frase: “Ceci n’est pas une sandía” (“Isto não é uma melancia”), parafraseando o “Ceci n’est pas une pipe” do reconhecido quadro do pintor surrealista belga René Magritte.

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Em Israel, o movimento Zazim, de árabes e judeus contra a ocupação e por outras causas dos direitos humanos, justiça social e ambiental, lançou uma campanha em junho deste ano, organizando táxis em Tel Avi com imagens da melancia de Hourani, contra a proibição que governo de Nethanayu emitiu naqueles dias sobre o uso de bandeiras palestinas em reuniões com mais de três pessoas. Ao lado da imagem da melancia é possível ler “Isto não é uma bandeira palestina”.

Paradoxalmente, a ideia da melancia foi sugerida sem intenção por um chefe do exército da ocupação israelita no intuito de censurar o trabalho de artistas palestinos. Contra a censura, o imaginário popular deu à melancia um lugar de destaque na resistência dos territórios ocupados, mas também em cada canto do mundo onde bate um coração pela Palestina Livre.


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Andrea D’Atri

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