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Novo superciclo de commodities e nova disputa de mercados pelos imperialismos?

Leandro Lanfredi

Novo superciclo de commodities e nova disputa de mercados pelos imperialismos?

Leandro Lanfredi

As altas de diversos produtos são conjunturais ou estáveis, indicando um novo superciclo? Como essas tendências se relacionam com uma corrida por lucros e controle de terras, empresas e materiais?

Há um acalorado debate nas revistas e jornais especializados em investimentos se o mundo estaria vivendo um novo superciclo das commodities. Prestigiosas mídias como The Economist, Financial Times e Bloomberg expõem diversas opiniões sobre o tema. Do ponto de vista de países especializados em exportação de matérias primas, como os países da América do Sul, essa pergunta também implica tendências de médio prazo para suas economias, ou no mínimo para determinadas regiões dos países, como no caso brasileiro, e o que isso pode ser base para tendências políticas e da luta de classes.

Em meio ao debate dos financistas mostraremos como há tendências estruturais de alta em algumas commodities (outras não) e como isso se relaciona não somente a transformações na economia mundial, mas também a mudanças na geopolítica mundial que colocam em um plano muito superior o controle de mercados e suprimentos, a importância desse controle é maior do que acontecia até recentemente, em períodos “menos turbulentos” de neoliberalismo, quando havia aparência que China, EUA e todos poderiam ganhar ao mesmo tempo. O retorno, ainda que inicial, de uma partilha do mundo por empresas gigantes e potências ressignifica características “clássicas” da fase imperialista do capitalismo, tal como era definido por Lênin há mais de um século.

Super-ciclo?

Jumana Saleheen e Lavan Mahadeva, especialistas em commodities argumentam na prestigiosa Financial Times que não há nada de “super” no ciclo atual. Trata-se, para eles, de aumento na demanda de produtos duráveis em meio à pandemia, aumentando o consumo de metais bem como um componente especulativo no preço devido a fluxo de capitais fugindo da inflação. Argumentam, também, que um “super-ciclo” seria uma tendência de alta de duração de 10 a 35 anos, e que não haveria indícios de tal comportamento. Prognosticam que todos os preços irão cair, com exceção parcial do ferro e alumínio devido a transição verde na China e especialmente o cobre deve manter alta por meia década ou mais. O cobre, é consenso entre analistas, tem maiores gargalos na oferta já que sua produção é muito poluente e poucos países, fora nosso vizinho Chile, o produzem abundantemente. O cobre é, bom lembrar, é crucial nas transições capitalistas “verdes”.

Outro especialista escreveu no mesmo jornal Financial Times, que há um “boom especial”. Para Mackenzie por alguns meses/poucos anos haverá um desequilíbrio entre oferta e demanda afetando muitas commodities. O componente de fluxo de capitais também não deve ser duradoura para este autor. Sua visão, diferente dos autores citados anteriormente, não vê manutenção de altos preços no ferro, apontando que há diminuição no investimento em construção na China. Porém, como todos, remarca os minerais cruciais na transição verde: “as perspectivas de uma economia mais verde recompensa o cobre, o níquel, lítio e outros metais necessários para a geração de eletricidade e baterias.”

Na Bloomberg do Canadá, país especializado em commodities, há entrevista com Jim Rogers, sócio do bilionário Soros que aposta não somente em alta das commodities por anos, como vê países produtores como o Canadá tendo crescimentos do PIB superiores aos EUA em toda a próxima década. A agência Reuters, por sua vez, coloca Cathie Wood do poderoso fundo de investimento “Ark” para prognosticar uma “séria correção” nos preços das commodities.

A revista The Economist, em nota editorial aponta tendências de altas mais sustentáveis em algumas commodities mas não em todas como nos anos 2000. A revista da city londrina mostra oferta inelástica no cobre e na soja, e por outro lado estabilidade ou ligeira queda no preço do petróleo, prognosticando flexibilidade na oferta de shale americano e possibilidade de acordo EUA-Irã, aumentando as exportações desse. Essa possibilidade de aumento de oferta, balancearia em níveis razoáveis (tipo o de hoje) o aumento na demanda. Importante frisar como analistas de petróleo estão longe da visão senso comum que os combustíveis fósseis estão prestes a entrar em decadência. A OPEP, por exemplo, vê a demanda europeia entrando em um platô nos próximos anos, mas uma demanda mundial de petróleo crescente até pelo menos 2045 (!), a demanda crescente de gás natural ultrapassará a data do combustível líquido.

No “ouro negro” é importante frisar que não há grandes projetos de petróleo barato (como o pré-sal por exemplo) em andamento no mundo, portanto abocanhar o existente (e a preço de banana como as privatizações da Petrobras organizadas por Bolsonaro, militares e STF) é um tremendo negócio. Outros grandes projetos no mundo não são nada baratos com a tecnologia de hoje em dia (areia betuminosas do Canadá e Venezuela) e também muitos países proíbem o barato mas altamente poluente “fracking” amplamente utilizado nos EUA.

A centenária revista marca como tendências de alta além do cobre e da soja os metais críticos. Segundo seu editorial, plantas de energia eólica demandam 9 vezes mais metais do que termelétricas a gás, carros elétricos seis vezes mais metais que carros a combustão (o que aponta todo um tema para futuras elaborações sobre a irracionalidade da “transição verde” no capitalismo). Só o lítio terá segundo a Agência Internacional de Energia um aumento de 4000% no seu consumo até 2040, tornando-o uma commodity relevante no próximo período. Segundo a matéria, o banco Goldman Sachs prevê que até 2025 o cobre (que está em seu maior preço da história) aumente mais 50% em seu preço.

Curiosamente nenhuma das grandes revistas de economia (com exceção da soja na Economist) aborda as commodities “brandas” e alimentícias em suas previsões, apesar de que essas commodities são bastante relevantes nos cálculos de preço das commodities em geral. O índice mais prestigioso do mundo das commodities é o Bloomberg Commodity Index e este é composto do seguinte modo: energia (petróleo, gás, gasolina) compõe 29,97%, os grãos (soja, trigo, outros) 22,65%, os “brandos” (café, açúcar e algodão) 7,23% e as carnes (5,57%), já os metais 15,56% e os metais preciosos (ouro, prata, platina) 19%. Na ausência de uma análise dessas revistas (para além da soja) tentaremos mostrar um fator social (econômico e demográfico) que pode estar empurrando-as em uma valorização persistente.

Os alimentos tendem a continuar caros?

Do ponto de vista da oferta há gargalos na soja como a Economist já notou. Esse gargalo não é absoluto, há abundância de terrenos não explorados para agricultura capitalista em larga escala na Amazônia e em parcelas da África, porém esbarram em problemas ambientais no Brasil (que Bolsonaro e militares tentam varrer) e concorrência com outras matérias primas na África. Parcelas tropicais da África estão vendo surgir grandes plantações de dendê (que é o óleo mais utilizado do mundo e não a soja e permite concorrer com o predomínio do sudeste asiático nessa commodity).

Investimentos em produtividade para competir com o agronegócio das Américas (EUA, Brasil, Argentina, Uruguai, Canadá e crescentemente Bolívia e Paraguai também) demandam anos de maturação, concentração de terras, expulsão de camponeses e outras violências que podem não ser muito fácil de realizar em países africanos que já atravessam guerras interestatais, guerras civis e conflitos étnicos. Soma-se a isso que não há no horizonte dos próximos anos investimentos chineses desse montante que possam alterar substancialmente a localização da América do Sul como fazenda do mundo.

O peso do agronegócio tem crescido na economia brasileira, mas também tem crescido a participação brasileira no mercado mundial de commodities agrícolas. O Brasil, por exemplo, é responsável por 135 milhões de toneladas de uma oferta mundial de 363 milhões de toneladas da oleaginosa, tendo uma produção 17% maior que o segundo colocado, os EUA. O aumento da terra utilizada pela soja no Brasil empurra o maior rebanho bovino do mundo Amazônia a dentro e também pressiona contra terras usadas para a cana de açúcar, levando a altas nessa commodity que o Brasil também lidera a produção mundial. Na Argentina e nos EUA a soja encontra outros gargalos, como a concorrência com trigo e cevada (que também andam com altas importantes). O Brasil é o maior produtor e exportador mundial de soja, açúcar, carne bovina, carne avícola, café e figura entre os maiores produtores mundiais de carne suína, milho e algodão. As tendências nessas commodities somadas têm um grande peso no país.

Como argumentado sobre a soja acima, não há um gargalo de oferta tão absoluto na agricultura como nos minérios, porém há tempo de maturação e produtividade diferenciada das terras (e dos agrotóxicos que cada país permite – sem limites aqui desde o golpe institucional e especialmente desde Bolsonaro). Ou seja, não há, do ponto de vista da oferta limites que permitam falar que a alta de agora pode prolongar-se por muitos anos, podem surgir novos países com oferta abundante (particularmente através de investimento chinês) mas esse não é o sinal no curto prazo. O preço atual pode conter elementos especulativos oriundos do efeito do fluxo de capitais às commodities em geral (incluindo agrícolas), mas o valor pré-pandemia era, mesmo assim bem mais alto do que o preço praticado em 2007 em pleno boom das commodities e antes do estouro da crise financeira de 2008. Há sinais prolongados de alta.

Ao mesmo tempo que há certa inelasticidade de oferta no curto prazo e há certa demanda crescente (não no ritmo alucinante das terras raras, níquel-cobalto, lítio, cobre) mas crescente mesmo assim, devido a urbanização asiática e africana. Sem arriscar que o valor atual, que beira recordes históricos, prevaleça, há de se esperar, no mínimo, um patamar elevado nos próximos anos.

Considerando 6 dos 10 países mais populosos do mundo (excluindo EUA, Brasil, Rússia e México que são predominantemente urbanos há décadas), os outros países populosos exibem as seguintes taxas de urbanização anual: China (1%), Índia (0,4%), Indonésia (0,6%), Paquistão (0,2%), Nigéria(0,8%) e Bangladesh (0,8%). Ou seja, só entre esses países há um acréscimo anual de 24,7 milhões de pessoas urbanas por ano, muito mais que uma Grande São Paulo por ano. Para além destes países, há populosos países africanos como Angola e Ruanda que estão se urbanizando acima de 5% ao ano. A urbanização implica expulsão de camponeses, impedimento de auto-sustento alimentar (mesmo que parcial) e maior inserção dos produtos alimentícios consumidos nas cidades no mercado mundial de preços.
Esse processo é nada harmônico, envolve no século XXI renovada crueldade de todos últimos séculos sob o capitalismo, violentas expropriações de terras, trabalho semi-escravo de migrantes sem documentos na China, fim dos subsídios agrícolas na Índia (que moveram imensas greves e manifestações operárias e de camponeses) e uma tendência a alta do preço dos alimentos mundo à fora. Vale lembrar a importância do preço dos alimentos nos levantes do ciclo de revoltas da Primavera Árabe e como a fome e a inflação pesam nos violentos distúrbios na África do Sul depois da prisão do ex-presidente Zuma.

Olhando de conjunto, há uma aposta generalizada na alta ou estabilidade em níveis altos de algumas commodities (cobre, lítio, soja, cobalto, terras raras), sobre outras commodities há muito mais divergência entre os analistas burgueses, prevalecendo uma visão de que pelo menos no curto prazo haverá altas relevantes (ou manutenção do preço alto). O impacto dessas tendências em diferentes economias nacionais é desigual, dependendo da prevalência de qual commodity e qual a importância dela na economia nacional.

No Brasil, dadas essas tendências há de esperar uma continuidade do boom do agronegócio e o desenvolvimento de novas fronteiras minerais (daí tanto debate sobre mineração em terras indígenas já que o Brasil tem reservas relevantes de alguns minerais críticos e terras raras – 18% destas no mundo – só perdendo para a China, mas quase não exploradas). Porém no Brasil essa tendência regionalmente relevante não é suficiente para promover um boom de consumo nos grandes centros já que as commodities – como regra geral – empregam muito pouco e não são sozinhas um motor para o consumo como aconteceram nos anos lulistas. Isso pode apontar para desigualdades nos ritmos econômicos e sob sua base apontar diferentes contradições na política e na luta de classes, promovendo uma possibilidade de certa “fortaleza” do bolsonarismo no interior do país, insuficiente para construir maioria, mas suficiente para prolongar crises e ter a extrema direita ou algum outro representante reacionário do agronegócio como um ator político relevante.

A alta das commodities, concentração monopolista e controle imperialista

Com exceção parcial de algumas commodities agrícolas, a maioria das commodities são mercadorias que demandam um grande investimento de capital. Uma nova plataforma de petróleo para o alto-mar custa centenas de milhões de dólares, uma nova mina de níquel-cobalto (50% das reservas do mundo estão na República Democrática do Congo) custa bilhões de dólares e demora anos até “maturar”, o mesmo vale para o ferro, bauxita (alumínio), lítio, grandes reservas de petróleo em alto-mar, nem falar as unidades de refino de terras raras concentradas na China.

No Congo onde estão as maiores reservas de Cobalto há importante presença chinesa. As poucas minas fora do Congo são presa de gigantes de outros países, como a da Vale na Nova Caledônia – colônia francesa que tem intenso movimento pela independência – cuja venda foi concluída evidentemente para empresa franco-suíca e movimentou violentos protestos no arquipélago. O cobre dominado por empresas anglo-australianas é saqueado do Chile, o ferro brasileiro por empresas privatizadas ou estrangeiras como Vale e Samarco (deixando seu rastro de destruição para trás).O abundante alumínio brasileiro é dominado por gigantes imperialistas. O lítio na Argentina, Chile, Bolívia por empresas chinesas ou de potências imperialistas ocidentais.

Até mesmo no agronegócio há imensa concentração, as sementes transgências são de um punhado de empresas imperialistas e as “traders” também. A produção de commodities metálicas críticas é altamente concentrada em um punhado de monopólios, exibindo uma concentração muito maior que no petróleo, primeiro porque a dispersão desses metais é menor, segundo que os custos ambientais de extraí-los nem sempre é tolerável, concentrando a produção nos países dependentes e semi-coloniais. Junto dos grandes jazigos de minerais críticos há também uma abundância de golpes e movimentações militares, como vimos em diversos países da África e também na confissão pública de participação no golpe da Bolívia pelo bilionário americano Elon Musk - interessado no lítio do país vizinho —> https://www.esquerdadiario.com.br/Elon-Musk-ataca-os-povos-oprimidos-Vamos-dar-golpe-em-quem-quisermos-Lide-com-isso].

O golpe institucional brasileiro tinha em sua agenda uma série de ataques à classe trabalhadora brasileira, mas tinha com particular prioridade acabar com controles ambientais, privatizar empresas de energia e relacionadas a commoditeis agrícolas tais como: Petrobras, PBIO, BR Distribuidora, Eletrobras (os correios permite acumulo num outro nicho, o e-commerce). A ênfase de todo golpismo e não só Bolsonaro e Guedes, mas também militares, congresso, STF, é de garantir a gigantes imperialistas lucros excepcionais com o solo (e subsolo) brasileiro e formar pequenas fortunas particulares de empresários brasileiros que atuem como sócios menores. Nada melhor em meio a tendência de alta no preço das commodities que toda uma infra-estrutura pre-existente seja abocanhada a preços irrisórios. Há poucos negócios no mundo tão rentáveis como esses. Não à toa a Bovespa não para de subir, particularmente devido a valorização das empresas privatizadas (ou em curso de privatização) relacionadas às commodities.

Essa política de entrega das riquezas nacionais aumenta os traços semi-coloniais e de dependência do país e ao mesmo tempo o coloca como um dos palcos de disputas imperialistas por controle de matérias primas. Todos levantamentos imperialistas apontam que depois da China a maior reserva mundial de terras raras é o Brasil (tendo 18% das reservas mundiais na maioria dos estudos), e esses elementos são cruciais para novas tecnologias militares, de comunicação, magnetismo, eletricidade, entre outras aplicações. Pouco antes do impeachment Dilma firmou um acordo de produção desses metais com a Alemanha, em uma das primeiras medidas de governo Temer revogou esse acordo (em prol de qual imperialismo ainda há que se ver porque seguem sendo pouco usadas no país).

A disputa pelo controle dessas matérias primas já levou Trump a oferecer a Dinamarca para comprar a Groenlândia e uma das primeiras retaliações da China aos EUA na guerra comerical foi controlar a exportação dessas matérias primas críticas, aumentando drasticamente seu preço e ameaçando desabastecer ramos da produção americana e europeia. Cada imperialismo tem estudos e mais estudos de quais são os materiais críticos para suas tecnologias militares, seus interesses comerciais e suas “transições verdes”. Um bom exemplo é um estudo americano que busca cruzar quais materiais a União Europeia, O Japão e os EUA tem interesse em comum, remarcando sempre o excesso de dependência de todos os três de produção chinesa ou de empresas controladas pela China.

Com o incentivo da alta dos preços das commodities o que vinha se desenvolvendo como disputa imperialista pelo controle de matérias primas críticas pode estar passando por um aumento, uma corrida talvez, ainda mais motiva pelos lucros fáceis. Lucros ainda mais fáceis em privatizações aviltantes como as brasileiras. O nível de controle de mercados e matérias primas pelas potências é ainda incipiente, mas já é algo que está permanentemente no horizonte, no mínimo no que tange a terras raras e alguns metais críticos. Trata-se de uma característica atual muito mais marcante na economia e na relação entre os Estados do que era poucas décadas atrás. Reatuliza-se assim, mesmo que incialmente, uma das definições centrais do que é a fase imperialista para Lênin, tal como ele define em seu Imperialismo fase superior do capitalismo: a partilha do mundo pelas potências para gerar monopólios de matérias primas, de mercados para exportação de capitais, esferas de influência e tudo que permita lucros monopolistas.

Junto da barbárie humana, ambiental, de opressão dos povos pelo imperialismo reatualizando-se também é preciso reatualizar o que pode derrota-lo: a luta internacional dos trabalhadores contra o imperialismo e o capitalismo.


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Leandro Lanfredi

Rio de Janeiro | @leandrolanfrdi
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