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ANÁLISE | O agronegócio na economia e política brasileira em meio à guerra comercial EUA-China (Parte II)

Esse é o segundo artigo que trata da guerra comercial EUA-China e sua relação com o agronegócio no Brasil. O setor agrário brasileiro pode vir a ganhar ainda mais peso político pós 2018. A necessidade de uma esquerda anti-imperialista e de independência de classe, baseada na classe trabalhadora, para enfrentar o imperialismo.

Leandro LanfrediRio de Janeiro | @leandrolanfrdi

André Barbieri São Paulo | @AcierAndy

sexta-feira 29 de junho de 2018 | Edição do dia

A força do agronegócio na economia e na política

O desenvolvimento desigual e combinado no campo brasileiro, que salta em penetração e dominação pelos monopólios imperialistas e pelo capital financeiro, que salta em produtividade, superando o rendimento por hectare dos EUA como mostramos na parte 1 deste artigo acontece em meio a crescentes instabilidades fruto da guerra comercial EUA- China, também acontece às expensas das condições de trabalho e das condições fitossanitárias, usando e abusando de venenos. Este desenvolvimento também se traduz em uma crescente importância do agronegócio na economia como um todo que tem recursos drenados para subsidiar o campo como mostramos acima. Como consequência, gera um novo equilíbrio federativo em relação à economia, e mais ainda em relação à política.

Enquanto a agricultura representava 12% do PIB em 1984, tendo caído a 6% em 1993 – subindo novamente sob FHC a níveis próximos do final da ditadura – aumentou vertiginosamente nos governos do PT, alcançando 23,5% do PIB em 2015, mesma porcentagem encontrada em 2017.

Este salto está relacionado com o aumento da produção, mas também com a valorização das commodities movidas por especulação e aumento do consumo da China e todos os países asiáticos que se urbanizam. Esta tendência de preços elevados para commodities agrícolas pode ficar sob risco com a tendência a aumento da guerra comercial entre EUA e China, mas hoje por hoje já implica em uma incipiente reconfiguração e equilíbrio entre os estados na economia nacional.

Diversos estados têm importantes produções agropecuárias, como nota-se em São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Entretanto, alguns estados se destacam como um “cinturão da soja, do boi e do milho” e que passaram a ter maior relevância nacional no último período: Santa Catarina e Paraná no Sul, todo o Centro-Oeste, abrangendo Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás, e suas fronteiras agrícolas no Norte, Tocantins e Rondônia. Os estados deste “corredor da soja” somavam 7,24% do PIB em 1939. Hoje, correspondem a 17,24% (ou, se preferirmos, duas vezes Minas Gerais), como mostramos no gráfico abaixo.

Elaboração nossa com dados do IBGE

Mantida a tendência atual, em poucos anos o somatório de Nordeste e deste coração do “Brasil Rural” pode vir a contribuir mais ao PIB nacional que o Estado de São Paulo, coisa que nunca se viu desde meados do Século XIX.

Ano a ano o país vai concentrando mais e mais a propriedade da terra. Um processo que deu um salto nos governos do PT. Em 2003, quando Lula assumia o poder, os latifúndios concentravam 214,8 milhões de hectares. Ao entregar a chave do Palácio do Planalto para Dilma, os latifúndios já ocupavam 318 milhões de hectares. Durante o governo Dilma esse processo continuou, e seguramente com pouco mais de dois anos de Temer deve estar ainda maior graças a várias medidas para regularizar ações de grileiros na Amazônia.

O índice GINI (onde zero é maior igualdade e 1 maior desigualdade) de concentração de terra no país era de 0,826 em 1992, passando a 0,816 em 2003, e sob governos do PT foram erguidos de volta aos índices de Collor, alcançando 0,820 em 2014.

O desenvolvimento capitalista no campo combina as formas mais velhas de trabalho escravo (a JBS é alvo de dezenas de denúncias) com modernas formas de terceirização. A última pesquisa RAIS do Ministério do Trabalho encontrou 3 milhões de “empresas sem funcionários” no campo brasileiro, ou seja, temos milhões de minifúndios e boia-frias com CNPJ. O mais velho e o mais moderno vão se combinando.

Com todo este peso econômico – que agora pode se beneficiar dos acordos com a China – não espanta que a “agenda” do agronegócio também ganhe um peso preponderante dentro do Congresso Nacional.

Essa bancada (a Frente Parlamentar Agropecuária) é maior que qualquer partido; sozinha, pode derrotar um impeachment (172 votos “não”), ou aprová-lo, por exemplo. Dentre as bancadas conservadoras e patronais, a mais chamativa é a chamada “bancada do boi”. A Frente Parlamentar Agropecuária tem como membros signatários, segundo seu site, 214 deputados e 24 senadores. Cada latifundiário do país parece estar se tornando deputado, ou fazendo um deputado.

O interesse do agronegócio, no entanto, permeia a ação de muito mais parlamentares do que esses membros oficiais e signatários. A título de exemplo, Kátia Abreu (PDT-TO), ex-presidente da Confederação Nacional da Agricultura, não é uma das senadoras signatárias desse grupo, que tem hoje como presidente a deputa Tereza Cristina (DEM-MS) e inclui entre seus nada ilustres membros, o deputado Nilson Leitão (PSDB-MT) e o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO).
Destrinchando por região os membros signatários dessa frente, em relação ao número dos deputados e senadores por região, chegamos a dados impressionantes da “dominação” dessa bancada no que aqui chamamos de “Brasil Rural” (Paraná, Santa Catarina, todo o Centro-Oeste, Rondônia e Tocantins).

Elaboração própria baseado em dados do site da “Frente Parlamentar da Agropecuária”

Esses parlamentares e partidos conservadores e reacionários foram a base do golpe institucional, dos ataques de Temer como a reforma trabalhista, e de medidas como o “Escola sem Partido” e de que os trabalhadores rurais trabalhassem sem salários . Observando este quadro de um “partido do campo”, vinculado à entrada do capital financeiro estrangeiro no Brasil, vem à mente a maneira como o marxista italiano Antonio Gramsci, quando trata dos partidos da burguesia nacional, que em países como o Brasil sempre estiveram ligadas ao campo e subordinados ao imperialismo "O chamado ’partido do estrangeiro’ não é propriamente aquele que é habitualmente apontado como tal, mas precisamente o partido mais nacionalista, que na realidade, mais do que representar as forças vitais do próprio país, representa sua subordinação e servidão econômica às nações ou a um grupo de nações hegemônicas" (C13§2).

Determinados ramos do capital (da indústria, dos bancos, os donos da renda da terra) expressam frações distintas no interior de uma só e mesma classe burguesa, que por vezes podem entrar em disputas internas. Entretanto, fica patente como o controle estrutural do capital financeiro (a fusão do capital industrial com o capital bancário, estudado por Lênin) em nossa época não admite exageros como a tentativa de colocar um suposto “capital produtivo bom”, de um lado, e o “capital financeiro”, de outro. Essa separação mecânica é base de um discurso para seguir a mesma entrega aos donos da dívida e aos latifundiários como faz o PT, mas também é parte fundamental do programa de Guilherme Boulos, candidato presidencial do PSOL – que separa o capital “produtivo” do “especulativo”, sem atinar com as novas determinações econômicas da época (que explicam o forte controle dos bancos sobre o campo, além da indústria), propondo-se a seguir pagando a dívida que enriquece aqueles que estão avançando também para dominar o campo e as indústrias. Esta separação não auxilia a tarefa de construção de uma força material revolucionária que combata o capitalismo como um todo no país, e sua subordinação ao imperialismo.

Um Brasil mais atrasado e mais submisso ao imperialismo

Um velho Brasil está se erguendo no interior do país. Sua crescente força econômica está modificando a paisagem da política. Partidos enraizados no Sudeste e no Nordeste, não conseguem mais governar o país sem contar com a bancada ruralista e sua concentração em outros Estados. A localização do país no mundo depende do acordo desses novos-velhos burgueses que se combinam e subordinam às sempre dominantes finanças.

Ainda estamos no nascedouro do peso do Paraná, Mato Grosso, Goiás e Rondônia no país. Já vimos o desenvolvimento de Blairo Maggi, Ronaldo Caiado, Kátia Abreu e porque não, de uma base social mais fervorosa da arbitrariedade judicial e da Lava Jato. Sua força não parece suficiente para substituir a de São Paulo e do Sudeste, mas já é forte o suficiente para re-embaralhar as cartas e não caber mais no arranjo institucional de 1988.

A base estrutural da força dessa nascente burguesia tão associada ao imperialismo quanto já era a FIESP, uma elite latifundiária, de trabalho escravo e precário, pode impor mais tensões na já inquieta política nacional. Sob pressão dos nascentes conflitos comerciais internacionais, as convulsões nacionais, como sempre aconteceu quando se desenvolvem disputas internacionais, podem ser mais agudas.

Há que desenvolver o papel dos EUA e da China nessa evolução, um objeto para um próximo artigo (trata-se de saber a forma desigual e combinada em que estes países vão alimentar ou refrear estas tendências). Os caminhoneiros em maio de 2018 parecem, olhando estas tendências, só o prelúdio de um velho Brasil que renasce com a pujança e um ainda mais voraz apetite para consumir o país para seus lucros ao se casar e subordinar ao sempre devorador capital financeiro.
Assistirá o proletariado a este crescente peso do agronegócio e sua associação com os parasitas nas finanças para aumentar o saque nacional, ou poderá ele, agora contando também com um proletariado rural, erguer um projeto anti-imperialista e de independência de classe, organizado em partido político revolucionário, que enfrente o secular problema do latifúndio e suas formas políticas reacionárias a serviço da subordinação ao imperialismo?




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