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O que as eleições mostram da correlação de forças no país?

Leandro Lanfredi

O que as eleições mostram da correlação de forças no país?

Leandro Lanfredi

O que os resultados mostram da correlação de forças no país? Analisamos as tendências eleitorais nacionais e com maior atenção à esquerda em todos os 95 maiores colégios eleitorais do país para formular algumas considerações.

“(...) é diretamente através do sufrágio universal que a classe possuidora domina. Enquanto a classe oprimida — em nosso caso, o proletariado — não está madura para promover ela mesma a sua emancipação, a maioria dos seus membros considera a ordem social existente como a única possível e, politicamente, forma a cauda da classe capitalista, sua ala da extrema esquerda. Na medida, entretanto, em que vai amadurecendo para a auto-emancipação, constitui-se como um partido independente e elege seus próprios representantes e não os dos capitalistas. O sufrágio universal é, assim, o índice do amadurecimento da classe operária. No Estado atual, não pode, nem poderá jamais, ir além disso; mas é o suficiente. No dia em que o termômetro do sufrágio universal registrar para os trabalhadores o ponto de ebulição, eles saberão — tanto quanto os capitalistas — o que lhes cabe fazer. (Friedrich Engels em A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado)

É com alguns dos olhares que Engels faz na passagem acima que procuraremos analisar as eleições brasileiras de 2020. É, por um lado olhar o sufrágio como um instrumento através do qual a classe possuidora domina, como instrumento para legitimação de suas lideranças e propostas, para manutenção de sua hegemonia. Essa característica, tão marcante no marxismo revolucionário é costumeiramente esquecida pela esquerda nacional para melhor embarcar em seu reformismo, as eleições viram um vale-tudo e uma suposta medição real da “democracia” e da soberania popular, assim acabam sendo estas correntes políticas uma “ala extrema esquerda” do regime político e não um ponto de apoio para a auto-emancipação. Mas mesmo assim, as eleições servem de medição do estágio de desenvolvimento subjetivo do proletariado. Uma medição que deve ser tomada com ainda maior cuidado num país que é palco do mando e desmando do judiciário golpista que a seu bel prazer retira candidatos, tal como fez com o líder das pesquisas em 2018, ou sequestra, sem aviso, o título eleitoral de milhões utilizando algum atraso em registro de biometria, como fez em 2018 e repetiu em 2020. O termômetro – e sua mensuração – sem um partido revolucionário e com estas regras de jogo vigentes auferem resultados com uma leitura não tão simples e diretas, mas aufere resultados e eles podem ajudar a perceber certos elementos da correlação de forças nacional.

Quem venceu as eleições?

O resultado do primeiro turno foi exaltado pela grande imprensa golpista. O bolsonarismo teria se enfraquecido sem um fortalecimento da esquerda. Toda gama de burgueses tradicionais do chamado “centrão” teria emergido vitoriosa do pleito. Esta narrativa, interessada, dá conta muito parcialmente do ocorrido, a começar pela vastidão de arranjos políticos possíveis com os atores do que se entende por “centrão”. Também cabe ressaltar caras muito à direita no “centrão”, como aquelas detrás de Republicanos, Podemos, Patriota onde há muito bolsonarismo não só de conveniência mas de carteirinha. Do ponto de vista do bolsonarismo, do “centrão” e do próprio resultado da ala esquerda do regime político nacional, é bem mais complexo do que a rápida análise-comemoração de Cantanhêde e outras analistas globais. Quando se trata de análise e não mera propaganda, a própria grande imprensa olha os números com maior atenção. Tentaremos fazer isso com maior profundidade, passando brevemente em revista os resultados dos 95 maiores colégios eleitorais do pais.

À procura de uma chapa Biden-Harris

Com a sentença “enfraquecimento do bolsonarismo sem fortalecimento da esquerda”, e um aumento sem nenhum grande salto nos votos nulos (mas só na abstenção que para fins de narrativa pode ser atribuída à pandemia) surge o prognóstico e a esperança de que a Bovespa poderá, quem sabe, ter um candidato em 2022 que a orgulhe não só pelas reformas antioperárias e privatizações, que Bolsonaro e Guedes em pacto com o STF e o parlamento entregam, mas que também consiga se coadunar com um desenho geopolítico regional e internacional menos trumpista, e que dê conta de incluir algum combate formal ao racismo, ao machismo, à lgbtfobia e a algum nível de não destruição dos biomas no arranjo hegemônico do golpismo.

Ou seja, a grande imprensa golpista imbute em sua análise da eleição, uma expectativa da correlação de forças de normalização do regime do golpe, substituindo o timão da extrema-direita por uma direita mais moderada e que seja mais inclusiva nos “costumes”, sem que isso mude um átomo do conteúdo antioperário e antipopular do regime com suas reformas garantidas pelos mesmos Maia, Mandetta e etc agora celebrados. Ou seja, leem no resultado uma comprovação de seu desejo (e possibilidade) de algo mais Biden-Harris, Macron, Trudeau do que Trump. E como se trata de fazer política e não somente de análise e prognóstico, a mesma imprensa muito divulgou os encontros de Huck, Moro e Doria e sua articulação visando o Palácio do Planalto. Nesse arranjo, quanto mais explosivo estiver na luta de classes o papel dos negros e das mulheres, maiorias no proletariado, mais a cara de renovação conservadora, porém inclusiva, terá que ser oferecida, e para isso contam com Huck.

Claramente o bolsonarismo, mas também os militares que sustentam seu governo, atuam para manter esses temas democráticos e estruturais fora do arranjo hegemônico, tornando-os expressivos eleitoralmente nos grandes centros urbanos, mas também explosivos em seu potencial na luta de classes. Escrevemos estas linhas enquanto protestos tomam as ruas e as lojas da gigante francesa Carrefour exigindo justiça para João Alberto e, por outro lado, Bolsonaro e Mourão aumentam a aposta de calar o potencial de luta de classes que percorre as redes sociais reafirmando uma tese que já pertenceu a Ali Kamel, o diretor de jornalismo da Rede Globo: “não somos racistas”. O exemplo americano de erguer uma promotora responsável pelo aumento do encarceramento em massa dos negros em símbolo antirracista na vice-presidência da República mostra quão limitado é esse progressismo com estampa de aprovação da Wall Street.

Nessa análise-procura de Biden-Harris, Reinaldo Azevedo foi mais contido que outros expoentes da grande imprensa. Para ele o resultado traz auspícios de sanidade mas “se esquerda e centro-esquerda preferirem a balcanização à federação e se centro e centro-direita juntarem mais vaidades do que objetividade —flertando, inclusive, com a antipolítica—, os auspícios da sanidade podem dar na terra dos mortos.” Ou seja, todo o resultado virar “much ado about nothing” e 2022 consagrar ainda Bolsonaro.

A revista Piauí, por sua vez, fez uma interessante leitura de que não se tratou somente de fortalecimento do DEM de Rodrigo Maia e Alcolumbre, como toda a mídia mostrou, mas que teria soado a “hora do Arenão”. A autora do artigo mostra o DNA profundamente conservador e herdeiro da ditadura dos maiores vencedores do pleito: o DEM e o PP, mas curiosamente deixa de fora o PSD de Kassab, também ele filhote da ditadura. Essa trinca reacionária já elegeu em primeiro turno 1809 prefeituras e tenta oferecer uma velha-nova cara para sustentação do regime do golpe, um regime que já não pode contar com a antiga trinca PMDB-PSDB-PT exclusivamente como pilar de sustentação.

Esse resultado em número de prefeituras também é mensurável no total de votos conferidos em primeiro turno. Enquanto em 2012, ápice da votação municipal do PT, em meio ao lulismo, esse partido tinha conquistado 17,3 milhões de votos para prefeito, seguido pelos 16,7 milhões do PMDB e 13,9 milhão do PSDB, os ex-Arena juntos somavam menos que o PT: 15,9 milhões. Em 2016 na esteira do golpe institucional os pilares do regime de 88 tinham obtido 15,1 milhão para o PMDB, 17,7 para o PSDB que cavalgou o voto antipetista emprestado aos Dorias da vida mas que depois encontrariam melhor acolhida em Bolsonaro. O PT por sua vez naufragou naquele pleito com míseros 6,8 milhões e eleição vitoriosa em somente 1 dos 96 colégios eleitorais com mais de 200mil eleitores. Os ex-Arena do DEM, PP, e PSD já somaram em 2016 19milhões de votos.

A fotografia de 2020 mostra ainda mais a corrosão dos antigos pilares do regime de 88. O PMDB conquistou 10,9 milhões de votos, seguidos pelos 10,7 do PSDB e o PT praticamente igualou seu resultado pífio de 2016, com 7 milhões de votos. Já o “Arenão” somou 26,7 milhões de votos.

Do ponto de vista partidário pode-se constatar como já não estamos no arranjo de 1988 mas no regime do golpe. Há uma extrema direita, mesmo que não vitoriosa, com votações que somadas rivalizam com o PT, há corrosão dos pilares burgueses tradicionais do PMDB e PSDB, e fortalecimento do “arenão”. É a cara da vitória dos atores autoritários, bonapartistas, institucionais (e não militares ou bolsonaristas) do golpe que junto do judiciário e seus onipresentes arranjos e desarranjos na política nacional que podem comemorar o 15 de novembro como desenvolvido em análise de André Augusto Acier e Danilo Paris que chamamos à leitura.

Mas quanto desse resultado partidário pode-se ler ideologicamente e como constatação, mesmo que distorcida, da correlação de forças?

Expressões ideológicas do regime do golpe

As eleições são em si expressões distorcidas de fenômenos ideológicos e da luta de classes, mas guardada essa importantíssima ressalva, servem para obter alguma mensuração do estado de ânimo das classes sociais. Com certa arbitrariedade e sabendo que se trata de eleição municipal onde uma plêiade de fatores locais jogam, somamos os votos para prefeito de diferentes partidos segundo um grosseiro compasso ideológico abaixo.

Nesse compasso grosseiro que oferecemos os gestores de esquerda do capitalismo, como o PT e PCdoB são somados a PSOL e PSTU, operação que faz sentido à luz do arranjo eleitoral oficial de constituir frente amplas que não servem para enfrentar o regime do golpe, ou seja retrilhar o caminho de conciliação petista, como anunciado por Boulos em uma tentativa de mostrar-se não radical oferecendo co-governo não somente ao PT mas também aos golpistas do PSB do ex-governador paulista França, ao PDT de Ciro e até a Rede de Marina Silva, Natura e herdeira do Itaú, e criticado nesse artigo de Diana Assunção -> http://esquerdadiario.com.br/Nao-e-possivel-combater-a-direita-e-o-regime-do-golpe-com-uma-frente-ampla-com-burgueses-e]. Também não prejudica essa soma os pífios resultados eleitorais do PSTU, que do ponto de vista de análise amplas das classes sociais são praticamente irrelevantes.

Com certa amplidão do termo “centro esquerda” agrupamos PSB, PDT e Rede para os quais não faltam mostrar de bom trânsito com o regime do golpe e serviços prestados ao mesmo, desde o voto afirmativo do PSB no impeachment, ao não engajamento de Ciro no segundo turno de 2018, à aprovação de reforma da previdência, privatizações. No bloco “direita tradicional” agrupamos os maiores partidos políticos burgueses do país, o PMDB, PSDB, PP, DEM, PSD, PL do ex-vice presidente de Lula, e o PTB de Roberto Jefferson. Na extrema-direita agrupamos o PSC de Witzel e Feliciano, o PRTB de Mourão, o Republicanos de Crivella e Russomano, o PSL e a DC. Todas outras agrupações de direita e do centrão somam nos “outros centrões”. É fato que há extrema-direita em várias das categorias aqui elencadas, mas essa divisão obedece, grosso modo, o alinhamento no Congresso Nacional frente ao governo Bolsonaro.

O resultado apresentado acima, construído a partir de estudo do Poder360 ilustra como o desempenho eleitoral da esquerda, entendida em amplo sentido, incluindo aqueles que governam para garantir os ataques dos capitalistas, mas com outra cara, como fazem PT e PCdoB, não superou ainda o abismo de 2016, segue caindo; a centro-esquerda de Ciro não cresce, e mesmo com o crescimento do “Arenão” o resultado da direita tradicional é inferior a 2016, ou seja, todo arranjo hegemônico hoje precisa também de outros atores menores da direita, como o Podemos, Cidadania, Solidariedade, etc, e há mesmo que minoritária uma substancial extrema-direita como parte constituiva do regime.

Olhando esse resultado de forma fria vemos a consolidação do regime do golpe. A esquerda segue minoritária, surge uma extrema direita mais ou menos comparável em magnitude e a centro-esquerda encolhe ao mesmo tamanho das outras duas forças (cerca de 11 milhões de votos). Girado à direita com fortalecimento de DEM, PP e PSD o somatório das principais agrupações burgueses cai para o mesmo nível de 2012 e dá lugar a forças menores, porém, juntas “direita tradicional” e “outros centrões” cresceram de 2012 para 2016 e mantiveram seu resultado em 2020, passando de 65,3 milhões em 2012 para 77 milhões de votos em 2016 e 78 milhões agora.

O fator ausente no somatório é o crescimento constante de não voto e voto nulo, resultando em somatórios inferiores a cada pleito, com 107,1 milhões de votos em 2012, 103,6 milhões no ano do golpe e 99,3 milhões agora. Essa desilusão é expressão da longa crise orgânica, a fratura entre representantes e representados e o arranjo atual ideológica e partidariamente, com maior fragmentação, está longe de emprestar estabilidade ao regime construído pelo STF, pela Lava Jato, por Eduardo Cunha, Rodrigo Maia, pela Globo, pelos militares e por Bolsonaro.

Acrescenta incertezas para pensar a estabilidade do regime e a correlação de forças nacional a disparidade de tendências regionais. Enquanto o PSDB encolheu nacionalmente teve um desempenho relevante em seu bastião paulista e uma vitória em capital nordestina (Natal); o PT com desemprenho comparável ao péssimo 2016 reconfigura-se em alguns grandes centros, disputando com boas chances o segundo turno em Recife, Vitória, Contagem, São Gonçalo, Guarulhos e Juiz de Fora (entre outros), parceiros de frente ampla do PCdoB e PSOL encabeçam chapas competitivas no segundo turno em Porto Alegre, Belém e São Paulo, a joia da coroa dos pleitos.

Se o resultado global da esquerda é estável, manutenção do péssimo resultado de 2016 esse resultado nacional se dá em 3 ritmos muito diferentes: há lugares que 2016 não é o fundo do poço, há lugares que recuperam o resultado de 2016 e outros que chegam até mesmo a superar o melhor resultado da história, o de 2012.

Do ponto de vista da esquerda há 3 Brasis

95 cidades com mais de 200mil eleitores realizaram suas eleições domingo passado. Juntas somam quase 60% do eleitorado nacional. A distribuição destas cidades não é homogênea, São Paulo conta com 27 municípios gigantes, o Rio com 10, Minas com 9, e todo restante do país soma 51 cidades com estas características, incluindo aí Macapá que não teve eleições – em interminável blecaute produto da privatização – e Brasília que não elege prefeito. Além de não ser homogênea a distribuição das cidades no país o resultado, do ponto de vista da esquerda foi muito diferente.

Em 26 destes grandes colégios eleitorais, o resultado de “esquerda” (ou seja o somatório de PT, PCdoB, PSOL e todas agrupações menores) foi maior não somente que o piso de 2016, mas superou o recorde nacional de 2012. Dentre esses 26 municípios onde a esquerda tem seu melhor desempenho eleitoral da história recente há 6 capitais: Porto Alegre, Vitória, Campo Grande, Recife, São Luís e Maceió, ainda que vale ressaltar que o melhor desempenho em Campo Grande, Maceió e São Luís ainda signifique resultados inferiores a 20%. Mas em Porto Alegre o resultado atuou ultrapassa 2012 em 1,7% e em Recife com expressivos 10,28% a mais.

Além dessas 26 cidades com resultado recorde há outras 9 cidades onde houve crescimento em relação a 2016 e resultados que se aproximam de 2012, ficando a menos de 5% daquele recorde nacional. Nesta listagem de 8 está a capital paulista e ainda outras duas capitais Belém e Teresina. Na capital paulista até mesmo a votação por distrito, somando Boulos e Tatto compara-se ao mapa tradicional da cidade, e ali o resultado ficou aquém de 2012 em 1,17%.
Há por outro lado lugares onde o fundo do poço não foi alcançado em 2016, e o resultado de 2016 conseguiu ser ainda pior em 2020 em 32 cidades, incluindo 7 capitais, entre elas Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Florianópolis.

Fora destas curvas principais há cidades com curvas menos claras há outras 28 cidades onde houve crescimento em 2020 mas ainda ficou muito longe de 2016, ou que caiu em 2020 mas trata-se de um desempenho melhor que 2012, ilustrando dinâmicas regionais mais particulares. Há 9 capitais nestes “outliers”.

A distribuição de resultados não é uniforme, como foi dito. Enquanto em Minas Gerais 6 dos 9 grandes munícipios, incluindo BH, o resultado atual foi pior ainda que 2016; no Paraná e Santa Catarina que somam 10 grandes municípios em 6 deles não há fundo do poço; no Rio de Janeiro ocorreu em 3 de seus 10 grandes municípios com igual fiasco (capital, Niterói e Petrópolis), São Paulo só teve 5 de seus 27 grandes munícipios apresentando esse comportamento (São José dos Campos, São José do Rio Preto, Guarujá, Suzano e Sorocaba), e em toda região nordeste essa queda continuada só aconteceu em 4 dos 18 grandes eleitorados (incluindo a tradicionalmente mais direitista João Pessoa).
Os crescimentos também não são homogêneos. Se considerarmos 2020 como recorde somado a locais com crescimento mas ficando até 5% inferior a 2012, há concentração relevante das capitais 9/25 e uma grande concentração paulista (8/27) e nordestina (11/18).

A modo de primeira conclusão

Resultados mais detalhados serão apresentados nos próximos dias para expandir esta análise e satisfazer o leitor que queira maior detalhamento do “G-95” eleitoral brasileiro, mas para fins deste artigo algumas conclusões podem ser tiradas.

Primeiro, fica claro que o grande vencedor da eleição foi o bonapartismo institucional, aqueles atores parlamentares do golpismo, do pacto com Bolsonaro e da agenda de reformas para aumentar os lucros. Essa vitória tem um sabor maior para o DEM e o PP e toda recomposição do que aqui chamamos de “arenão” como parcela constitutiva, e fortalecida, do “centrão”, porém esse resultado é mais fragmentado do que a grande imprensa mostra e por mais que ateste como já não estamos no regime de 1988 estamos longe de uma arranjo fácil e estável.

Segunda conclusão, a extrema direita, particularmente o bolsonarismo teve um mal desempenho, mas é parte constitutiva do regime do golpe. As frentes amplas não auferem automaticamente resultados eleitorais relevantes (nem falar de efetivo combate ao regime do golpe que o poupam), Florianópolis atesta como a mágica da conciliação consegue produzir resultados ainda piores que 2016.

Terceiro, do ponto de vista da esquerda há ritmos muito diferentes em curso no país. Dado que sociologicamente não há disparidade tão relevante entre muitos municípios mineiros e paulistas, ou entre gaúchos e catarinenses a explicação não parece ser automática, de fatores econômicos e sociais tais como a prevalência ou não do auxílio emergencial, mas sim aponta a processos subjetivos e políticos.

Qual a experiência de massas com a extrema direita por exemplo, mas também qual a experiência com a esquerda da conciliação de classes. Ali onde há maior acúmulo histórico do petismo e do progressismo, como é o caso gaúcho, paulista e nordestino houve maior recuperação ou mesmo superação em relação a 2012; onde há menor acúmulo como Paraná, Santa Catarina e várias regiões do Centro-Oeste não parece haver limite para a queda. O resultado mineiro inseparável da tentativa de governar o estado junto da direita parece ainda não ter terminado de cobrar seu preço, o mesmo acontece no Rio de Janeiro, onde as decisões do PSOL e particularmente de Freixo – que agora se engaja na campanha de Paes tanto ou mais quanto se engajou na candidatura de Renata Souza de seu partido – aponta como o caminho de conciliar com o regime do golpe parece produzir dilemas não somente de médio prazo, fortalecendo inimigos, mas até mesmo do ponto de vista eleitoral.

Emerge desta eleição um complexo xadrez político com uma direita tradicional fortalecida mesmo que fragmentada, com uma extrema direita mesmo que não vitoriosa que segue sendo relevante, e uma esquerda que só se mantém ao olhar nacionalmente mas que conta com resultados e tendências opostas em estados vizinhos. Tudo isso aponta à complexidade do desenvolvimento da luta de classes em meio à crise orgânica nacional em um cenário internacional turbulento mas cheio de potenciais para o desenvolvimento da luta de classes, como mostram os potenciais (mas também os desvios) nos EUA, Chile, Bolívia, Peru.

Do automatismo da crise econômica, da pandemia, ou até mesmo do desgaste de Bolsonaro nada se pode-se esperar. Automaticamente fortalecem-se os que já são mais fortes, portanto a burguesia. É preciso cotidianamente construir força material nos locais de trabalho para enfrentar o conjunto do regime do golpe, o DEM de Maia cada vez mais configura-se como ator central no regime e é ainda mais absurda e abjeta a tentativa de setores da esquerda em configurá-los como potenciais aliados “democráticos” anti-bolsonaristas. Notar como a esquerda foi melhor ali onde já partia de maior acumulo renova e reforça a necessidade de construir uma esquerda que supere o PT e sua conciliação pela esquerda, do contrário, o potencial que as curvas eleitorais gaúcha, paulista, nordestinas mostram será levado não para enfrentar os capitalistas e seu regime do golpe mas para sua manutenção que é como atua o PT e aqueles que de fora do PT reforçam sua mesma estratégia de conciliação.


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Leandro Lanfredi

Rio de Janeiro | @leandrolanfrdi
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