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DEBATE COM A ESQUERDA | Os rumos da esquerda em Santo André e no país

Estamos nos aproximando das primeiras eleições desde que Bolsonaro chegou ao poder, e a questão de como combater a extrema direita, que segue buscando conquistar mais espaço nessas eleições, é um tema que perpassa os debates de vários trabalhadores e jovens.

Danilo ParisEditor de política nacional e professor de Sociologia

Maíra MachadoProfessora da rede estadual em Santo André, diretora da APEOESP pela oposição e militante do MRT

sexta-feira 25 de setembro de 2020 | Edição do dia

O problema é que um setor da esquerda, ao invés de atuar em um sentido de enfrentamento contra o regime político herdeiro do golpe institucional, vêm se coligando com vários tipos de variantes políticas burguesas, entre elas algumas que contribuíram para que a extrema direita chegasse ao poder.

Esse debate ocorreu também em Santo André, onde PSOL decidiu se coligar com a Rede Sustentabilidade, o mesmo partido que ajudou a eleger e compôs a prefeitura do reacionário Paulo Serra, do PSDB, declarado apoiador de Bolsonaro e Doria. Esse mesmo partido apoiou o golpe institucional, a Lava-Jato e a prisão arbitrária do Lula, que foram políticas decisivas para que a ascensão de Bolsonaro fosse possível.

Não é só em Santo André que o PSOL vem realizando alianças com partidos burgueses. Em inúmeros lugares, incluindo grandes cidades como Belém e Florianópolis, apostam em um arco amplo de alianças para administrar municípios no país governado por Bolsonaro.

Ao invés de se colocar como alternativa ao PT, que inclusive agora faz alianças até com setores do bolsonarismo, o PSOL trilha os mesmos caminhos de conciliação do PT, para conseguir seu espaço dentro desse regime podre, fruto do golpe institucional, cada vez mais antidemocrático e sem direitos aos trabalhadores, mulheres, negros e LGBT’s.

A política do PSOL e luta pela independência de classe

Maíra Machado, que era pré-candidata do MRT com filiação democrática pelo PSOL, junto com toda militância do MRT e diversos apoiadores, realizaram um grande debate público contra esse absurdo. Debate que repercutiu até nos principais meios de comunicação da região do ABC.. Após uma forte luta política e batalhando até o último minuto para que a coligação não se efetivasse, Maíra retirou sua candidatura e declarou:

“Eu não posso compactuar com isso. Eu não vou aceitar o vale-tudo eleitoral. A minha luta todos esses anos é para realmente enfrentar a extrema direita, e desse jeito isso não vai acontecer. Frente a essa situação fui obrigada a retirar minha candidatura, porque não posso ser incoerente com a nossa luta. Agradeço as centenas de pessoas que já haviam declarado voto em mim, se disposto a fazer campanha, e eu quero me dirigir a vocês para dizer: nossa luta não acaba nas eleições porque a força vem da nossa classe sem nenhuma aliança com a direita.”

Mesmo não integrando o PSOL, o MRT em Santo André foi impulsionador da articulação de uma nota interna com todas as correntes e filiados do partido que se opunham à coligação. Combinando essa articulação com um forte debate público - que infelizmente não foi seguido pelas organizações que se opuseram internamente –, fomos parte de uma movimentação que por pouco não impediu que a coligação se efetivasse. Por apenas dez votos de diferença, com um resultado de 56 a 46, a coligação com a Rede foi aprovada. No entanto a debilidade da corrente majoritária, Primavera Socialista, articuladora e propulsora da coligação, se fez evidente. Preocupados com a possibilidade de perder, até o veto à participação na decisão impuseram sobre nossa pré-candidata. Fato é que se os militantes do MRT tivessem participado dessa eleição essa coligação não teria sido aprovada.

O que ocorreu em Santo André é um símbolo do porquê o PSOL jamais permitiu que o MRT entrasse no partido. Como expressamos em nosso manifesto programático, publicado em agosto deste ano, o pedido de nossa entrada e a negativa do PSOL estava fundamentado no objetivo de fortalecer a luta contra a ofensiva golpista e imperialista desde um ponto de vista de independência de classe, que passava pela tarefa por construir uma referência de vanguarda à esquerda do PT.

Por isso solicitamos nossa entrada no PSOL em 2015, pedido que voltamos a fazer em 2017, no marco do enfrentamento contra o avanço da extrema direita no país. Mas a direção do PSOL negou a entrada do MRT, o que nunca havia ocorrido com nenhuma corrente. A verdade é que não nos deixaram entrar devido à nossa luta implacável pela independência de classe e por uma perspectiva revolucionária, que fazemos em cada local onde atuamos e pelo Esquerda Diário, que é uma referência de mídia que supera em acessos todos os sites partidários da esquerda, inclusive os do PT e PCdoB.

A posição que defendemos e batalhamos em Santo André comprova que a negativa de que o MRT entrasse no PSOL sempre esteve permeada do objetivo de impossibilitar que se fortalecesse um setor que luta decididamente pela independência de classe no interior de suas fileiras.

Além disso, o processo de debate público, com expressões das divergências, com consulta e decisões que passam pela base do partido, impõe uma dinâmica partidária que não faz parte do projeto e das práticas do PSOL. Ao contrário, o que vemos são poucos debates internos, que grande parte das decisões são tomadas apenas pelos diretórios e um partido que é dirigido essencialmente por suas figuras parlamentares.

Vale mencionar que mesmo as correntes de oposição em Santo André, tiveram posições muito tímidas, e inclusive contraditórias. O MES assinou a nota interna, mas não realizou um debate público sobre o tema, inclusive porque em outros lugares essa mesma corrente está compondo alianças com a Rede, como em Cachoerinha no Rio grande do Sul. A Resistência apesar de se dizer contra a coligação e ter se manifestado internamente sobre o tema se recusou a assinar a nota conjunta que reuniu dezenas de assinaturas, e depois soltou nota pública em apoio à candidatura majoritária. O Socialismo ou Barbárie, uma corrente sem expressão nenhuma no Brasil e que na Argentina se organiza em torna da figura de Manuela Castañeira, chegou ao absurdo oportunista de se pronunciar contra a coligação, mas depois compor a chapa no cargo de vice prefeito em eleição interna, que contou até com o apoio da própria corrente majoritária, Primavera Socialista.

Pacto no regime para atacar os trabalhadores, trégua e traição das lutas pelas centrais sindicais

O cenário prévio às eleições é notadamente marcado por pacto entre os distintos atores políticos burgueses para realizar brutais ataques contra a classe trabalhadora e a população pobre. O forte ataque contra os trabalhadores dos Correios que estavam em greve, e as intenções de aprovar a reforma administrativa, são exemplos categóricos disso.

O conjunto dessas ações expressa um movimento à direita do conjunto do regime político. Esse movimento não começou hoje, e nem se deu repentinamente, foram anos de consecutivos ataques estruturais que foram destruindo diversos direitos políticos e econômicos. Porém isso não ocorreu sem resistência, foram inúmeras lutas da classe trabalhadora, da juventude, dos negros e das mulheres, todos que se dispuseram a enfrentar esses ataques. No entanto, seu alcance não foi capaz de frear essa ofensiva reacionária pelo papel nefasto que as burocracias sindicais cumpriram durante todo esse período.

Em particular a CUT, dirigida pelo PT, e a CTB, dirigida pelo PCdoB, duas grandes centrais que congregam juntas a maior parte dos sindicatos do país, tiveram um papel importante em frear, dividir e desarticular as diversas lutas que ocorreram. O caso mais recente e emblemático foi a heroica greve dos Correios, que estava em enfrentamento direto com a gestão de um General e com os ataques articulados por Guedes. A CUT poderia ter chamado medidas de ação e solidariedade nos distintos sindicatos que dirige, como metalúrgicos, petroleiros e professores, só para mencionar os mais fortes. Mas nada fez, preferiu deixar a greve isolada para que o TST mais uma vez mostrasse o verdadeiro papel do judiciário no país, que é atacar a classe trabalhadora. Mais escandalosa ainda foram as ações da CTB que abertamente boicotou a greve, esvaziando os atos e as mobilizações das cidades onde dirige, como por exemplo em São Paulo.

A velha conciliação do PT, a adaptação do PSOL ao novo regime e a necessidade de se enfrentar contra o regime do golpe

O PT em primeiro lugar, mas também o PCdoB, usam demagogicamente o discurso que é preciso se unir para enfrentar o Bolsonaro, mas não para unificar a classe trabalhadora, única capaz de realmente conseguir mudar os rumos do país. Ao contrário, promovem uma verdadeira trégua para inviabilizar processos mais agudos na luta de classes e depois se unificar com diversos partidos que são responsáveis pela atual situação.

Nesse cenário, a política que o PSOL deveria estar levando durante todo esse período é a exigência aos sindicatos do PT e do PCdoB de que rompam a trégua com o governo, e para batalhar por um plano de ações que questionassem o conjunto de contra-reformas que está deixando apenas algumas sombras dos parcos direitos que ainda eram garantidos na Constituição de 88.

Por isso, é um erro elementar a ficção reacionária de que no Brasil governado por Bolsonaro e Mourão, e tutelado pelos militares, seria possível construir “ilhas progressistas” com a administração do PSOL em algumas cidades, junto com suas coligações. Há que se lembrar da decisão do PSOL carioca, que em meio a um dos momentos mais agudos da militarização da política pela extrema direita, decidiu colocar um coronel da PM como vice de sua chapa, no estado onde existe uma das polícias mais assassinas e racistas do país.

Nessa situação política, e com o plano de fundo de uma das mais graves crises econômicas da história do capitalismo, não é difícil ver que as margens para realizar medidas minimamente progressistas nos municípios é praticamente inexistente.
O que o PSOL faz é justamente se coligar com variantes burguesas para se mostrar um partido responsável para administrar municipalidades do decadente regime político brasileiro. As alianças que estão sendo conformando são, para além de aumentar a capacidade eleitoral, se mostrar comprometidos com essa nova institucionalidade que está se conformando. Em relação a Santo André, é notório que façam uma coligação com um partido que tenha pouca expressão na cidade, desprezando a importância de terem feito parte de uma gestão tucana e ajudado Doria a aprovar a reforma da previdência do estado.

É necessário se preparar para os ataques desse regime político apodrecido

Propusemos nossa candidatura em Santo André com o objetivo primeiro de alertar e preparar os trabalhadores para ataques que estão por vir, como a reforma administrativa, as privatizações e o desemprego. Mesmo não participando das eleições, Maíra Machado e o conjunto da militância do MRT seguirão nessa batalha que é determinante para o futuro da classe trabalhadora.

Nesse sentido, seguimos com nossas candidaturas onde esse partido não está coligado com variantes burgueses e fazendo esse debate aberto das nossas posições com o conjunto da vanguarda dos trabalhadores e da juventude, na perspectiva de construir uma alternativa política da classes trabalhadora, realmente independente de golpistas, burgueses e patrões. Essa ideias serão levadas para o terreno das eleições em São Paulo, com Diana Assunção, Letícia Parks e Marcello Pablito, na Bancada Revolucionária de Trabalhadores; em Contagem com Flávia Valle; em Porto Alegre com Valéria Muller.

Mais do que nunca é necessário combater o regime herdeiro do golpe institucional, batalhando para impor através da luta um novo processo constituinte, livre e soberano, que possa discutir todos os problemas do país e as demandas realmente decisivas para a massa da população trabalhadora e pobre, como a revogação de todas as reformas aprovadas desde o governo Temer, a reversão das privatizações, o questionamento ao reacionário judiciário e o fim do pagamento da dívida pública. É um enorme erro da esquerda se adaptar à esse novo regime que vai se moldando pela força de atores extremamente reacionários. É na perspectiva de combatê-lo que colocamos nossas energias e forças, e que convidamos o conjunto dos trabalhadores, mulheres, negros e LGBT’s a se somarem à essa tarefa.




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