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LITERATURA | Os sons do silêncio

quarta-feira 14 de janeiro de 2015 | 21:55

Folheava as obras completas de Alejandra Pizarnik e me detive em um artigo intitulado “A música e o silêncio”, incluído numa série cujo nome é “Paisagens de Michaux” e depois de beber um mate compreendi a síntese de suas palavras: “os sons da música pode acabar os detalhes das coisas, diz Alejandra. A escritora desconfia das palavras, “o silencio es mi voz, é mi sombra, minha chave...”, diz. As palavras impõem-se ao silêncio, chegam para explicar, para evocar, para justificar e isso a asfixia.

Palavras como signos que evocam a hostilidade, fazem com que Pizarnik proponha uma superação da antítese silêncio/palavra e a encontra na voz do piano, “companheiro que nos observa” – expressa a artista - não há notas a citar, não há vestígios a reter, não há nada que me obrigue a prometer qualquer coisa, o piano sempre está pronto, com ele tudo é simples, basta chegar perto. Eu trago minhas obsessões, minha tensão, minha opressão. Enquanto ele me deixa cantar”. Sintetiza.
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Alejandra transforma esse instrumento em um lugar de aprendizagem. Traz suas obsessões, sua tensão, sua opressão até que canta é chegar-se ao piano e deixar que cante aproximando o piano e o deixar-me cantar”, conclui.

Alejandra transforma esse lugar de encontro com o instrumento em um lugar de aprendizagem, então ali, tudo se questiona, onde tudo envolve busca, onde tudo envolve questionamentos, é ali que pergunta para, pouco a pouco, chegar ao problema do ser.

Se identifica com Michaux, que segundo expressa a escritora, “quer uma música para pedir um auxilio no horror, no saber, uma música que fale de sua solidão, uma música em nada parecida a nenhuma outra, parecida somente à ela, música para reconhecer-se, para dizer seu nome, uma música para afirmar um lugar, que expresse sua carência de um lugar.

Shopenhauer, em “O mundo como vontade e representação” define a música como uma “ arte grande admirável” que causa de maneira poderosa sobre o espírito do homem, que repercute de maneira tão potente e magnífica, que pode ser compara a uma língua universal, cuja qualidade e eloquência superam em muito a todos os idiomas da terra.

“O efeito da música – continua – é muito mais poderoso e penetrante que as outras artes, porque essas só nos reproduzem sombras, enquanto que as essências do compositor, mais que nenhum outro artista, neste caso soma a essência do homem que está completamente separada do artista e o distancia dele.

Alejandra, quase como uma premonição, afirma “como um chamado ao suicídio, já em princípio, como um único retorno ao único recurso: o suicídio, uma melodia”, uma melodia pobre que seria necessária à um mendigo para dizer sem palavras sua miséria”, conclui.

Em sua poesia a escritora fala de um desejo “de entrar no teclado do piano para entrar dentro da música, para ter uma pátria”. O silêncio aparece como uma tentação e uma promessa, ainda que ela nunca deixe de sentir um inesgotável murmúrio que a faz duvidar da existência desse silêncio.

Os poemas de Pizarnik são um “perpétuo dizer sobre algo que parece estar dizendo-se em outro lugar”, segundo suas próprias palavras, é como se se executasse ao piano, uma melodia de sons e silêncios perfeitamente separados que, simultaneamente, está sendo executada, mas sem silêncios, dentro do piano”, diz.
A música aparece como a chave para aquietar essas vozes que a inundam em silencio, a linguagem aparece como um pretexto para o silêncio, como uma maneira de expressar um cansaço inexpressável.

“As pequena ondas da música nos consolam do insuportável ‘estado sólido’ do mundo, de todas as consequências deste estado, de suas estruturas... O tempo, graças à ela, volta-se, agradável, a saborear”, finaliza.
Alejandra. 8 de agosto de 1971

A consciência do fogo apagou a terra. Minha visão do mundo se resolve em um adeus duvidoso, em um prometedor nunca.

Culpa por haver-me ilusionado com o poder da presunção da linguagem.

Tudo é um interior. Portanto, o poema é incapaz de aludir até as sombras mais visíveis e menos traidoras.

Falar é comentar sobre o que se gosta ou o que se não gosta. Linguagem visceral constatadora dos fantasmas das aparências.

Já não é eficaz a linguagem que herdei de estranhos. Tão estrangeira, tão sem pátria, tão sem língua natal. Os que diziam “e era nossa herança uma rede de buracos”, falavam ao menos, no plural. Eu falo de mim, ainda que minha ferida não deixará de coincidir com a de alguma outra supliciada que algum dia me lerá com fervor, por ter atingido, eu, dizer que não posso dizer nada.

Alejandra Pizarnik foi uma escritora e poeta argentina (Buenos Aires, 29 de abril de 1936 — 25 de setembro de 1972). Estudou filosofia e letras na Universidade de Buenos Aires e posteriormente pintura com Juan Batlle Planas.
Alejandra Pizarnik publicou:
La última inocencia (1956),
Las aventuras perdidas (1958),
Árbol de Diana (1962),
Los trabajos y las noches (1965),
Extracción de la piedra de locura (1968)
El infierno musical (1971), postumamente foi publicado Textos de Sombra y últimos poemas que reúne textos publicados em revistas desde 1963 e poemas do final de sua vida, inéditos até então.




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