Logo Ideias de Esquerda

Logo La Izquierda Diario

SEMANÁRIO

[PARTE 1] Pela primeira vez online: o documento histórico do trotskismo cubano de 1933

[PARTE 1] Pela primeira vez online: o documento histórico do trotskismo cubano de 1933

Nós do Esquerda Diário, traduzimos pela primeira vez para o português alguns textos que dão conta de demonstrar a origem do partido trotskista em Cuba, um projeto realizado pelo Ideias de Izquierda Mexico. Estes textos remontam o processo de busca da construção de uma alternativa política revolucionária travada pela Oposição de Esquerda nos anos 1930 em disputa com a orientação política dos Partidos Comunistas estalinizados.
Em especial, o debate travado naquela época sobre o caráter que deveria ser a revolução em Cuba, um país marcado pela colonização, opressão racial contra o negro e submissão ao imperialismo estadunidense, suscita reflexões para toda a camada de militantes comunistas que buscam acabar com o sistema capitalista e todos seus mecanismos de opressão no Brasil e no mundo.
Publicamos nesta edição a íntegra do Manifesto Programa do Partido Bolchevique Leninista de Cuba de 1933. Aqui se encontra a Introdução do programa junto com uma contextualização realizada pela seção mexicana da Rede Internacional de Esquerda Diário. Nesse texto estão presentes, além da Introdução, os capítulos I e II.

Este documento só está disponível para os investigadores no Arquivo Nacional de Cuba e, na Europa, no Instituto Internacional de História Social (IIHS) de Amesterdã (International Institute voor Sociale Geschiedenis). Curiosamente, não se encontra em Harvard no arquivo de Leon Trotsky.

Este documento é histórico por várias razões. Em primeiro lugar, porque é o primeiro documento trotskista, marxista, do Partido Bolchevique Leninista, ou seja, o primeiro de um partido de orientação trotskista na ilha.

Em segundo lugar, porque este documento é uma das análises mais profundas da revolução de 1933 em Cuba. Embora exista um resgate de tudo o que foi produzido pelos "Marxistas pela liberdade", como Pablo de la Torriente Braú ou Raúl Roa, este texto é desconhecido para aqueles que se preocupam com a história de Cuba Libre.

O que é que podemos ver neste documento? Bem, os trotskistas cubanos pensavam com as suas próprias cabeças e sem dogmatismo sobre os problemas da revolução em Cuba. Nesse sentido, o seu texto é profundamente criativo e crítico em relação ao pensamento do seu tempo. Não sabemos quem redigiu o texto, mas os principais militantes desses anos eram Sandalio Junco, Luis Miyares, Juan Ramón Breá e Idalberto Ferrer Acosta.

Na realidade, não se trata apenas de um documento, mas de um guia para a ação. Como já se sabe através de vários trabalhos de investigação, como os de Rafael Soler, Gary Tennant e outros, os trotskistas "arriscaram" e conseguiram organizar várias centenas de pessoas durante a grande greve de agosto: ocuparam engenhos de açúcar, fábricas e agarraram capitalistas com estacas e facões em cidades como Havana, Guantánamo e Oriente.

Este texto aborda: o problema das raças com base na obra de José Carlos Mariátegui, o desenvolvimento desigual e combinado em Cuba, o carácter da revolução com base na Teoria da Revolução Permanente de Leon Trotsky, o problema da "guerra mundial", a crise de 1929.

A transcrição foi feita em 2017, no âmbito de uma investigação que visa publicar os documentos integrais do Partido Bolchevique Leninista.

Índice:
Introdução
Capítulo I: A crise geral do capitalismo
Capítulo II: Cuba, um país semi-colonial
Capítulo III: O problema racial
Capítulo IV: O caráter da revolução em Cuba
Capítulo V: As lutas contra a guerra e o fascismo, como lutas pela tomada do poder
Capítulo VI: A estratégia e a tática do Partido Bolchevique-Leninista

Programa do Partido Leninista Bolchevique. Havana, 10 de janeiro de 1934. Arquivo Nacional de Cuba. Fundo Especial. Caja. 63. Leg. 2835.

O presente documento, que constitui nas grandes linhas da sua concepção o Programa do Partido Bolchevique-Leninista, foi elaborado pela Buró Político do Partido e submetido a discussão na plenária nacional realizada em Havana nos dias 27 e 28 de outubro de 1933. Aprovado na íntegra, foi decidido imprimi-lo para uma maior difusão das ideias e conceitos do bolchevismo. O documento viu a luz do dia com um atraso de cerca de três meses devido à falta de meios para o publicar. É graças ao esforço de todos os camaradas que hoje ele chega às mãos dos trabalhadores sob a forma de um panfleto. É a primeira vez que o movimento operário revolucionário de Cuba dá expressão teórica às suas necessidades e aspirações. A redação deste Programa considerou oportuno expor principalmente as questões mais vitais do movimento revolucionário, especialmente aquelas que estão intimamente ligadas ao desenvolvimento diário da revolução em Cuba. Muitas questões que só a luta quotidiana revelará e assim, por ser impossível condensar nestas páginas, ficaram de fora deste Programa. A maior aspiração do Partido é que este programa sirva para abrir caminho para que se inicie o movimento revolucionário das massas operárias e camponesas, já maduras e invencivelmente armadas pelo marxismo.

Havana, 10 de janeiro de 1934.
Comité Central do PBL.

Introdução

Estas páginas destinam-se ao estudo das questões fundamentais do movimento revolucionário em Cuba e são parte integrante do Programa do Partido Bolchevique-Leninista. Nunca como agora foi tão necessário para o proletariado publicar um programa que condense as suas aspirações e necessidades. No decurso dos últimos acontecimentos em Cuba, no decurso dos últimos anos, tornou-se muito claro que, apesar das grandes conjunturas históricas, o movimento revolucionário não pôde desenvolver-se em realidades positivas concretas devido à falta de uma direção determinada nos partidos proletários. Esta direção tem faltado porque as questões mais elementares da revolução têm sido ignoradas e adulteradas. Surgiram partidos de todos os matizes, cuja base programática ainda não foi publicada. As massas não foram capazes de condicionar nenhuma situação porque lhes faltou o veículo capaz de as conduzir.

As velhas forças políticas reacionárias mantiveram-se fiéis aos seus destinos históricos durante os trinta e dois anos de vida republicana. A burguesia crioula, fracionada e incapaz, nem sequer tentou criar um programa e um partido sério. Grupos facciosos, necessitados de poder político para o desenvolvimento das suas aspirações burocráticas, preencheram as primeiras cinco décadas da República de Cuba. As massas organizadas coletivamente em ação política de classe permaneceram até essa data à margem dos acontecimentos. A sua tragédia colonial foi arrastada, sem qualquer direção que apontasse para a libertação.

Com o aprofundamento da crise económica mundial, já sob a dominação imperialista, deu-se uma mudança em Cuba, não só na sua estrutura política, mas também na própria base econômica do país. O declínio do capitalismo financeiro, um fator angustiante para os povos coloniais desde o fim da guerra de 1914-1918, apresenta uma nova fase transcendental no processo revolucionário dos povos. A pequena burguesia, ao entrar na arena política como uma força própria e com uma orientação ziguezagueante, teve a virtude de mostrar, em toda a sua nudez, até que ponto a burguesia crioula está politicamente morta. Mas, ao mesmo tempo, a orientação pequeno-burguesa, apesar dos seus choques cíclicos com a burguesia, enfraqueceu a frente de luta das classes oprimidas, influenciando e modificando a ideologia de grandes núcleos de operários e camponeses.

O proletariado, a única classe genuinamente revolucionária da sociedade atual, tem visto as suas grandes possibilidades desperdiçadas pela falta de uma verdadeira vanguarda revolucionária. Por vezes aprisionado nas malhas do sindicalismo, por vezes conduzido de fracasso em fracasso pela miserável burocracia que dirige o PC, tem permanecido o fator primordial da revolução, mas tragicamente afastado das suas vitórias mais definitivas. Nesta situação, e amadurecida por mais de três anos de lutas internas no seio das massas trabalhadoras, surgiu a nova orientação política, sob os signos do programa, da tática e da estratégia do bolchevismo. O ritmo dos acontecimentos em Cuba e em todo o mundo marca o início de uma nova etapa de luta. Esta nova etapa corresponde precisamente à criação de novos partidos operários, com base na experiência da Terceira Internacional. Programas surgidos no curso das lutas das massas, produzidos pelas vitórias, reveses e derrotas que informam a experiência dos últimos onze anos de lutas da classe operária mundial. É isto que o Partido Bolchevique-Leninista apresenta hoje a todo o povo trabalhador.

Origem do Partido Bolchevique Leninista

Na declaração inicial de princípios emitida pelo PBL por ocasião da sua formação, em 14 de setembro, afirmava-se expressamente que os seus quadros provinham das fileiras do Partido Comunista de Cuba, após uma luta tenaz e incansável, sustentada durante mais de três anos, pela revitalização do Partido. Essa luta tinha sido conduzida com base numa crítica das questões fundamentais da revolução, iniciada a partir das células e fracções, e incluía nas suas origens uma revisão completa dos falsos métodos utilizados pela burocracia, tanto a nível nacional como internacional. Pretendíamos corrigir o Partido, poupando ao proletariado a dor de uma nova organização. Os nossos critérios esperavam, pelo menos, uma saudável retificação de princípios, temos que confessar que nos enganamos lamentavelmente. A direção do PC mobilizou contra nós todo o seu aparelho burocrático; insultou-nos diariamente, deturpou as nossas teses, cobriu de infâmia os nossos documentos. A burocracia é incapaz de dirigir a revolução, demonstrou as suas imensas qualidades de falsificações e deslealdades. Desde a acusação cínica para as forças policiais até ao assalto armado às nossas instalações, o estalinismo percorreu todo o caminho da covardia e da baixeza. Mas apesar de todas as adversidades, a Oposição de Esquerda revelou-se invencível.

Quando um partido se está a afundar e a trair sistematicamente a classe que diz representar, não há outra opção - esgotados os meios internos de reforma - senão abandonar todo o formalismo e lançar-se no campo da luta aberta. Temos uma grave responsabilidade a partir do momento em que apontamos defeitos e acusamos erros. A nossa responsabilidade leva-nos a levantar perante as massas, como Partido, as questões vitais que as afetam e que frustram o desenvolvimento ascendente da revolução. Parar na luta por medo de que os nossos esforços sejam em vão, face ao aparato de uma burocracia técnica e internacionalmente organizada, é confessar claramente que não há mais nada no mundo a fazer senão esperar pacientemente que a classe trabalhadora seja rendida e esmagada sob o jugo da reação fascista.

Que todos os nossos esforços criativos sejam dirigidos para a formação de novas secções nacionais em todo o universo. Perante a estrondosa falência do movimento operário internacional, derrotado pelas falsas directrizes dos burocratas da Segunda e Terceira Internacionais, elevemos os esforços dos lutadores revolucionários do proletariado. Perante o colapso dos Partidos Comunistas, levantemos a bandeira do leninismo e redobramos os nossos esforços para o triunfo da revolução proletária mundial.

O PBL já faz parte das primeiras fileiras desta nova tentativa de salvar o proletariado.

Capítulo I: A crise geral do capitalismo

O capitalismo agoniza entre as dores das suas contradições internas. A sociedade moderna, fundada sobre as ruínas da velha sociedade feudal, longe de abolir as formas de exploração do homem pelo homem, e de liquidar os privilégios sociais, aumentou-as e exibiu-as nitidamente. A burguesia pôde, nos momentos de seu desenvolvimento ascendente, conter as lutas das classes hostis à sua dominação, nos canais das reformas sociais e das concessões periódicas. Na atualidade, o processo da luta de classes, com a agudização da crise mundial do capitalismo, aboliu esse terreno de lutas reformistas, de colaboração de classes. Agora, está colocado de modo claro a questão da liquidação da classe possuidora e do estabelecimento de uma nova sociedade baseada na dominação do proletariado como classe dominante.

O desenvolvimento da sociedade desde o fato histórico da tomada do poder político pela burguesia tem sido uma marcha ascendente para o progresso material e espiritual do mundo. A máquina a vapor, a eletricidade, o comércio externo, a imprensa, aumentaram consideravelmente a capacidade produtiva da humanidade e aproximaram os povos, eliminando as fronteiras nacionais. As antigas províncias, isoladas e distantes, desapareceram. As cidades cresceram e multiplicaram-se, desenraizando grandes grupos de pessoas que viviam naquilo que Karl Marx chamou de "embrutecimento da vida rural". O progresso era a alavanca do mundo. A cultura tornou-se universal e distinta. Os preceitos religiosos desapareceram e, em seu lugar, estabeleceu-se a ciência da razão. As filosofias antigas, ultrapassadas e idealistas, deram lugar às correntes do pensamento moderno e materialista.

Mas, como tudo encontra a contradição em si mesmo, a sua própria negação, ao mesmo tempo que isto acontecia, desenvolvia-se nas fábricas, nas oficinas, uma nova classe social que não possuía nada mais que a sua força de trabalho. Esta nova classe social era o proletariado.

A burguesia, ao abolir as formas feudais de produção baseadas em privilégios aristocráticos, estabeleceu a lei da livre concorrência nos mercados como suprema, ou seja, a lei que, longe de regular a produção e os mercados, criou a anarquia da produção. Esta anarquia levou as diferentes burguesias, as indústrias entre si, a uma concorrência feroz que se desenrolou sem trégua. Em primeiro lugar, entre as várias oficinas da localidade, e o vencedor era aquele que conseguia aumentar a sua capacidade de trabalho em relação ao seu rival. Os pequenos artesãos sucumbiram e passaram para as oficinas, que se transformaram assim de manufaturas em fábricas modernas e poderosas. Como resultado desta concorrência e da aplicação da tecnologia à indústria, esta foi se concentrando cada vez mais nas mãos de menos proprietários, arruinando os pequenos produtores. Desta forma, a sociedade foi se dividindo cada vez mais em duas grandes classes: a burguesia e o proletariado. Com a concentração da indústria em poucas mãos, bancos e empresas, o capital transformou-se de comercial em bancário e, com a fusão dos dois, em capital financeiro. A concorrência passou de local a nacional e, por sua vez, a internacional. Isto aumentou os confrontos entre as classes possuidoras e as classes oprimidas, cada vez mais esmagadas e famintas.

A introdução de máquinas acelerou e simplificou o processo de produção e, ao mesmo tempo que provocava desemprego, escravizava o homem ao jugo do salário. A luta por mercados, para colocar os excedentes da produção e superprodução industrial, tornou as crises econômicas cada vez mais agudas e contínuas. A prosperidade alcançada foi se esvaindo lentamente. A humanidade, longe de progredir, retrocedia. O desemprego atingia grandes massas de trabalhadores e a crise agrária mergulhava o campesinato na miséria. Nesta situação, a burguesia redobrou os sistemas de exploração, aumentou os impostos e as rendas fundiárias e alargou os trusts. O capitalismo financeiro, procurando novas fontes de exploração, ultrapassou as fronteiras dos seus próprios países e escravizou os povos pequenos e industrialmente atrasados. O imperialismo, brutalizando e explorando povos inteiros, dividiu o mundo em dois grandes campos: os países imperialistas e os países coloniais.

Enquanto tudo isto se passava na base econômica da sociedade, o mesmo fenômeno se desenvolvia na sua superestrutura política. Os pequenos municípios e províncias perderam a sua autonomia com o aparecimento do Estado nacional burguês. A democracia, que tinha sido a bandeira mundial da "igualdade, fraternidade e liberdade", não passava de uma mentira sangrenta para esconder a predominância e o domínio de uma classe sobre a outra. À medida que as massas trabalhadoras se organizavam e lutavam, o Estado mostrava-se como um aparelho de repressão nas mãos da classe dominante. A liberdade de pensamento incluía apenas os proprietários e os seus agentes. As reformas conquistadas pela classe operária nas suas lutas iniciais foram gradualmente reduzidas e finalmente ignoradas. A luta de classes tornou-se violenta e aberta, com contínuas revoluções e insurreições. As guerras entre os vários imperialismos sucederam-se umas às outras, levando à morte de milhões de homens. Chacinas em massa, assassinatos e prisões são as respostas da burguesia aos seus adversários. Nestas condições, a civilização recua, aumentando a fome, a desolação e a guerra. O capitalismo, depois de ter subido no seu estádio de progresso, começa a descer, arrastando consigo todo um período de sangue e de miséria.

É por isso que a atual época de desenvolvimento do capitalismo foi fixada como a época do seu declínio e morte. A decomposição de toda a ordem social, que o capitalismo engendrou no seu desenvolvimento, é uma questão natural. Os sinais desta crise estão por todo o lado. Estamos assistindo, nesta fase, ao colapso de uma velha ordem social que está morrendo lentamente, mas que não se resigna ao seu fim.

Desde 1918, a época da revolução proletária abriu-se em todo o mundo. A guerra que se desencadeou no mundo em 1914 marcou o início da crise geral do capitalismo. A luta dos imperialistas beligerantes por uma nova repartição das colônias teve como consequência a dissociação de toda a ordem social que a burguesia tinha até então sabiamente alimentado e controlado à vontade através da acumulação de reservas industriais. Com o fim da guerra, começou o período da revolução proletária, das guerras civis. A revolução operária espalhou-se por toda a Europa. Triunfante na Rússia, esmagada na Alemanha, Hungria e Itália, chegou também à América e aos povos das colônias do Oriente. Porém, esta luta revolucionária não foi apenas uma convulsão social provocada pela guerra em si, mas significou uma nova fase na evolução da humanidade, que estava agora madura para provocar e verificar a mudança completa da sociedade. Esta luta revolucionária foi orientada para a criação de um novo tipo de Estado, o Estado soviético, e para o domínio de uma nova classe: o proletariado. Esta luta foi dirigida para pôr a ditadura do proletariado no trono, para o seu triunfo em todos os países.

Essa crise do capitalismo mundial, especialmente a partir de 1923, foi acompanhada por ligeiras estabilizações parciais, produzidas, não por um ressurgimento do capitalismo, mas por falhas na política dos partidos proletários. Apesar de situações objetivas favoráveis à vitória, o proletariado viu-se muitas vezes afastado do poder por falta de uma política adequada. Os responsáveis diretos por estas oscilações e fraquezas do movimento operário são as duas Internacionais, a social-democrata e a comunista.

A crise capitalista e as duas internacionais

À medida que o desenvolvimento da indústria concentrava cada vez mais trabalhadores nas fábricas, estes, por sua vez, organizavam as primeiras corporações e sindicatos. O desenvolvimento do capitalismo, por sua vez, determinou o aumento da consciência de classe entre os trabalhadores e o seu agrupamento em organizações de resistência, não só para fins estritamente econômicos, mas também para fins políticos. As primeiras organizações de trabalhadores tinham um caráter estritamente local e, mais tarde, nacional. Quando os vários grupos nacionais se juntaram, concordaram em estabelecer uma organização a nível internacional. Esta é a origem do Congresso Internacional dos Trabalhadores, ao qual foi dada uma ampla base programática com o aparecimento do Manifesto Comunista, escrito por Marx e Engels em 1848. As lutas da Primeira Internacional lançaram as bases do movimento teórico do proletariado e constituíram o primeiro passo para a sua internacionalização. Após a Comuna de Paris, em 1871, a Primeira Internacional dividiu-se e desapareceu. Mas a teoria exposta por Marx, extraída da realidade social, tinha dotado o proletariado de uma arma invencível. A luta de classes desenvolveu-se rapidamente nos países avançados da Europa e surgiram grupos operários social-democratas na Alemanha, na França e na Inglaterra. Foi então que, em 1889, a Segunda Internacional Social-Democrata organizou-se seriamente. As lutas da Segunda Internacional permitiram a organização efetiva das massas trabalhadoras e cumpriram historicamente a sua missão de consolidar o proletariado em torno das lutas políticas pela derrubada do capitalismo.

No seio da social-democracia alemã, surgiram sérias divergências motivadas pela adulteração das teses fundamentais do marxismo. A direção da II Internacional afastava-se cada vez mais da luta de classes, da revolução, e caía no plano do reformismo e da colaboração de classes. Os núcleos e fracções mais revolucionários da social-democracia lutavam arduamente por um regresso aos princípios de Marx e Engels, que a direção esquecia e ignorava. Foi nestas condições que a guerra imperialista de 1914 pôs à prova o caráter reformista e traidor dos dirigentes da social-democracia. Com o início da guerra imperialista, as direções dos partidos social-democratas abandonaram o proletariado e dedicaram-se à defesa das "suas" respectivas burguesias. O chauvinismo substituiu o marxismo e os partidos socialistas, entregues ao trabalho da "defesa nacional", ajudaram os imperialistas na guerra, traindo o proletariado.

Desde os primeiros dias da guerra mundial, os bolcheviques russos, dirigidos por Lenin, juntamente com os partidos sérvio e italiano, lançaram-se na tarefa de organizar uma nova Internacional que mantivesse os princípios revolucionários do marxismo e preparasse as lutas do proletariado. Em Zimmerwald e Kienthal ocorreram as conferências preparatórias para a criação da Terceira Internacional. Após a vitória da revolução proletária na Rússia, em outubro de 1917, e o estabelecimento do governo soviético, foi criada uma base suficientemente poderosa para unir num organismo internacional os grupos dispersos que mantinham vivo o fogo da revolução proletária. No ano de 1919, com o recrudescimento da luta revolucionária na Europa, realizou-se em Moscou o congresso no qual se formou a Terceira Internacional Comunista.

O período revolucionário que teve início em 1919 caracterizou-se pela formação de vários partidos comunistas em todo o mundo; pelas violentas lutas do proletariado na Alemanha, França, Inglaterra, Hungria, Itália, nos países da Europa Central, e por um crescimento das lutas operárias nos Estados Unidos e nos povos coloniais. A IC liderava estas lutas ao mesmo tempo que o poder soviético se consolidava na Rússia. Em 1921, o capitalismo conseguiu uma estabilização parcial com a derrota da classe operária, mas continuou no seu estado de decomposição e ruína. Foi em 1923 que se iniciou o período de degeneração da IC, refletindo a reação das classes hostis à revolução na Rússia, que tinham minado as conquistas da revolução de outubro. Após a morte de Lenin, começou a se desenvolver uma luta no seio do Partido Comunista, uma luta que teve a sua origem no período "termidoriano" que começava a surgir. Estas lutas baseavam-se numa ampla discussão sobre a construção do "socialismo num só país", que era e é uma teoria nacional-reformista, negando o caráter permanente da revolução e da construção mundial do socialismo. As lutas pela regeneração do Partido e da IC, dirigidas pelo camarada Leon Trotsky, se encerraram com o triunfo de Stalin e o endurecimento contra a Oposição. O estalinismo substituiu o leninismo. Seguiu-se toda uma série de derrotas, provocadas pela falsa direção de Stalin, que afastou a Internacional do caminho do marxismo e a colocou ao serviço da burocracia soviética. As derrotas da revolução na China em 1927; do Comitê Anglo-Russo em 1926; das greves inglesas; o afastamento cada vez mais profundo da burocracia estalinista do caminho da revolução mundial, o crescimento das forças reacionárias dentro da URSS e a sua pressão sobre os quadros dirigentes do Partido, permitiram à burguesia e ao capitalismo mundial se erguerem sobre suas ruínas e obter um novo ciclo de estabilizações. A teoria fundamental do estalinismo assenta na tese da "construção do socialismo num só país". É neste sentido que, negando o carácter internacional da construção socialista, a URSS se dedicou exclusivamente ao desenvolvimento da sua economia através dos famosos planos "quinquenais", cujos fracassos são hoje evidentes para todos.

Essa política na direção da URSS foi acompanhada por uma política de transformação da Internacional numa brigada de defesa do território soviético. Os partidos comunistas abandonaram todo o desenvolvimento da sua própria luta para se entregarem à aplicação das consignas burocráticas. A democracia interna dos partidos foi substituída pelas ordens de funcionários bem pagos. A revolução mundial não passou de um disfarce para manter a influência da burocracia soviética sobre as grandes massas de trabalhadores de todos os países. É nesta situação que os grupos revolucionários do proletariado, não querendo permitir que a burocracia estalinista condene o movimento revolucionário dos trabalhadores à ruína e ao desaparecimento, se organizaram internacionalmente sob a bandeira da Oposição de Esquerda Internacional.

A ameaça de uma nova guerra, juntamente com o problema do desemprego forçado, da fome e do terror, aumentaram consideravelmente os fermentos de decomposição do regime capitalista e acentuaram ainda mais os contornos da revolução proletária. Nesta fase, os dois pólos da luta revolucionária são a ditadura do proletariado ou o fascismo. Postas à prova na Alemanha, por ocasião da tomada do poder pelo fascismo, as duas Internacionais falharam miseravelmente. A catástrofe alemã é incalculável. Sobre o cadáver destas duas Internacionais, os quadros mais heróicos do proletariado mundial, as suas fileiras mais honrosas, puseram-se na tarefa de erguer o movimento operário. É sobre estas bases que a nova Internacional deve ser construída. Os núcleos que se dedicam a este trabalho têm, sem dúvida, tarefas históricas de difícil conjugação. No meio da crise mundial do capitalismo, e sob o cerco cada vez mais alarmante do fascismo, a construção de novos partidos revolucionários dos trabalhadores é uma tarefa importante. A história comanda esse trabalho, mesmo quando apresenta conjunturas adversas.

A ditadura do proletariado ou o fascismo

O perigo fascista é já um perigo mundial. Localizado no seu início na Itália, tem se espalhado por todo o universo e constitui o primeiro ponto da ordem do dia de todos os partidos proletários. Nutrindo-se de todos os resíduos da sociedade burguesa em decomposição, e opondo uma tática implacável de combate aos trabalhadores, o fascismo tem se enraizado vitoriosamente em determinados grupos de países. A teoria liberal da burguesia, o "democratismo" decadente do Estado burguês, ao decompor-se, apresenta como única solução a sua substituição pela violência. As contradições do capitalismo são tão agudas que o Estado abandona a sua posição de Estado democrático para revelar, de modo desnudado, seu caráter de classe em um Estado totalitario. As camadas médias da população, desesperadas por causa da crise, levantam-se violentamente para conquistar o poder do Estado. É sob a cobertura desta decomposição do capitalismo que o fascismo tentou canalizar todo o descontentamento da pequena burguesia, dos camponeses arrendatários, das secções atrasadas do proletariado, para os campos da ação política, onde a luta que se desenrola é a pela tomada do poder pelos trabalhadores. A palavra de ordem central do fascismo é "tudo pelo Estado, nada contra o Estado, tudo pelo Estado". A burguesia não tem outra escolha senão submeter-se ao fascismo.

O fascismo não resolve nenhum dos problemas vitais do capitalismo, mas, com o seu triunfo, atrasa enormemente a revolução proletária. Só a classe operária é capaz de provocar a viragem histórica favorável, mas descobre que os seus partidos não foram capazes de conduzí-la à vitória, enquanto o perigo fascista aproveita todas as oportunidades para recrutar elementos básicos; para armar as suas milícias; para se preparar para a tomada do poder. Perante esta situação, a classe operária é obrigada a opor-se à máquina fascista, às suas tácticas e métodos, com o ataque do proletariado, às táticas e métodos de luta da classe operária. É a guerra declarada, aberta, desmascarada, entre o proletariado e a burguesia. Não pode haver compromisso entre estas duas classes: ou a ditadura do proletariado ou o fascismo.

Esta luta incorpora, do lado da classe operária, os núcleos da população oprimida que se sentem ameaçados pelo fascismo. Mas não se deve esquecer que a batalha contra o fascismo só será vitoriosa se for travada na arena da revolução, projetada para a tomada do poder pelos trabalhadores. Conceber esta luta num sentido abstrato, desligando-a da insurreição proletária, da tomada do poder, é ignorar o princípio econômico que preside a crise e que determina a política do momento atual no mundo.

A única via para a salvação conduz à ditadura do proletariado. É necessário impedir que o fascismo se erga como um imenso obstáculo no meio do caminho.

Rumo ao comunismo mundial

O comunismo mundial só pode ser alcançado através da revolução proletária mundial, dirigida pelos partidos bolcheviques. Só o bolchevismo é capaz de realizar, com a sua teoria, estratégia e tática, o programa da revolução. "A sociedade comunista, preparada pela revolução histórica, é a única saída para a humanidade, pois só ela é capaz de destruir as contradições fundamentais do sistema capitalista, que ameaça a humanidade com a ruína e a degradação. A sociedade comunista suprime a divisão da sociedade em classes e, paralelamente à anarquia da produção, suprime a exploração em todos os seus aspectos e formas, e a opressão do homem pelo homem. Em vez de classes que lutam entre si, surgem os membros de uma única associação mundial de trabalhadores. Pela primeira vez na história, a humanidade toma o seu destino nas suas próprias mãos. Em vez de destruir inúmeras vidas humanas e riquezas incalculáveis na luta entre classes e entre povos, a humanidade dedica todas as suas energias à luta das forças da natureza, ao desenvolvimento e à elevação da sua própria potência coletiva.

Ao destruir a propriedade privada dos meios de produção e ao convertê-los em propriedade colectiva, o sistema mundial do comunismo substitui a força instintiva do mercado e da concorrência, o processo cego da produção social, pela organização consciente e sistemática da produção, orientada no sentido da satisfação das necessidades crescentes da sociedade. A abolição da propriedade privada e das classes suprime a exploração do homem pelo homem.

O trabalho deixa de ser trabalho em benefício do inimigo de classe: de meio de existência, passa a ser uma necessidade vital de primeira ordem, desaparece a pobreza, a desigualdade económica entre os homens, a miséria das classes escravizadas, a estreiteza da vida material em geral, a caraterística hierárquica da divisão do trabalho e, com ela, as contradições entre trabalho intelectual e trabalho manual. Desaparecem também os órgãos de dominação de classe e, antes de mais nada, o poder do Estado. Este último, que é a encarnação da dominação de classe, desaparecerá à medida que as classes perecem. Junto ao Estado, todas as regras coercivas desaparecem gradualmente.

O desaparecimento das classes determina a abolição de qualquer monopólio da educação. A cultura torna-se acessível a todos, e as ideologias de classe de ontem dão lugar à concepção materialista científica. Nestas condições, a dominação, sob todas as suas formas, do homem sobre o homem torna-se impossível e abrem-se vastas perspectivas para a seleção social e para o desenvolvimento harmonioso de todas as aptidões humanas.

Não há limite social para o aumento das forças produtivas. Nem a propriedade privada dos meios de produção, nem os cálculos egoístas do lucro, nem a ignorância das massas artificialmente sustentadas, nem a sua pobreza que impede o progresso técnico na sociedade capitalista, nem as formidáveis despesas improdutivas, nada disto existe na sociedade comunista.

A utilização adequada das forças da natureza e das condições naturais de produção nas várias partes do mundo; a eliminação do antagonismo entre a cidade e o campo, consequência do atraso sistemático da agricultura e do baixo nível da sua tecnologia; a união máxima da ciência e da tecnologia no trabalho de investigação e a sua aplicação prática num vasto campo social; a organização sistemática do próprio trabalho científico; a adoção dos mais perfeitos métodos de estatística e de regularização planificada da economia; as crescentes exigências sociais, a poderosa força motriz interna de todo o sistema, tudo isto garante a máxima produtividade do trabalho social e, por sua vez, emancipa a energia humana para o vigoroso progresso da ciência e da arte.

O desenvolvimento das forças produtivas da sociedade comunista mundial cria as condições necessárias para a promoção do bem-estar geral e para a redução máxima do tempo dedicado à produção material e, assim, para um florescimento cultural sem precedentes na história da humanidade. Esta nova cultura de uma humanidade unida pela primeira vez após a abolição de todas as fronteiras entre Estados será baseada, ao contrário do capitalismo, num sistema de relações claras entre as pessoas. Deste modo, enterrará para sempre o misticismo, a religião, os preconceitos e as superstições, e impulsionará vigorosamente o desenvolvimento do conhecimento científico sem encontrar quaisquer obstáculos.

Essa é a etapa superior, em que a sociedade comunista terá se desenvolvido sobre as suas próprias bases, em que a evolução humana aumentará em todos os aspectos as forças sociais de produção em proporções enormes, e a sociedade terá inscrito nas suas bandeiras: "de cada um segundo as suas forças, a cada um segundo as suas necessidades". Esta frase pressupõe, como condição histórica preliminar, uma etapa inferior do seu desenvolvimento, o Estado socialista. Aqui, a sociedade comunista, que acaba de sair da sociedade capitalista, aparece coberta em todos os seus aspectos - econômicos, morais, intelectuais - pelas manchas originais da velha sociedade, em cujo seio nasceu.

As forças produtivas do socialismo ainda não estão suficientemente desenvolvidas para distribuir os produtos do trabalho de acordo com as necessidades. A distribuição do trabalho, ou seja, o desempenho de funções laborais específicas por grupos específicos de seres humanos, ainda persiste. Em particular, o antagonismo entre trabalho intelectual e trabalho manual ainda não foi fundamentalmente abolido. Apesar da abolição das classes, subsistem ainda vestígios da antiga divisão da sociedade em classes e, por conseguinte, vestígios do poder estatal do proletariado, da coerção e do direito. Permanecem, portanto, traços de desigualdade que não podiam desaparecer. O antagonismo entre a cidade e o campo continua até certo ponto, mas nenhuma força social defende esses restos da velha sociedade, que, tendo atingido um certo nível de desenvolvimento das forças produtivas, desaparecerão na medida em que a humanidade se libertar das suas cadeias do regime capitalista, subjugando rapidamente as forças naturais, reeducando-se no espírito do comunismo e passando do socialismo ao comunismo completo".

Capítulo II: Cuba, país semicolonial

Cuba pertence ao grupo de países coloniais e semicoloniais da América Latina. Esta condição de semicolônia, que os 32 anos de farsa republicana não conseguiram ocultar, têm os seus antecedentes históricos mais preciosos no desenvolvimento colonial do antigo império espanhol. Isto deu, especificamente nas três primeiras décadas da República, uma caraterística peculiar à economia cubana, que ainda hoje a intervenção do capital financeiro ianque não foi capaz de apagar completamente.

O início da colonização de Cuba coincide com o início do declínio da Espanha, na segunda metade do século XVI. A colônia cubana desenvolver-se-ia sob o signo de uma metrópole feudal, que definhava num "estado de putrefação lenta e gloriosa", como lhe chamou Karl Marx. Um dos países mais atrasados economicamente da Europa era a Espanha, e foi ela que teve a tarefa de colonizar a América, desde a sua descoberta até ao século XX. Cuba não era para a Espanha o que é hoje para o capital financeiro ianque. A exploração do solo e da produção agrícola não foi a extração sistemática de matérias-primas e a criação de uma indústria extractiva ligeira, mas sim a base de todo um sistema de opressão e roubo, na maioria dos casos contrário aos interesses dos próprios colonizadores, em benefício da monarquia e das típicas camarilhas políticas espanholas. Este sistema manteve na ilha, a par do sistema de latifúndios, o crescimento do desenvolvimento econômico, que permaneceu sempre em estado embrionário. Os latifúndios absorveram sempre toda a terra cultivável, nem por isso pôde formar uma verdadeira classe feudal, com os seus sistemas característicos de exploração, sem "grupos" de grandes senhores latifundiários, ladrões uns dos outros, aventureiros de todos os matizes, traficantes de carne escrava.

Deste modo, só em pleno século XVIII se formou a base agrária que caracteriza a economia cubana.

As antigas classes dominantes espanholas, longe de estarem interessadas no desenvolvimento econômico da ilha, foram sempre o maior obstáculo ao desenvolvimento da colônia. O feudalismo espanhol era o inimigo declarado dos feudalistas da colônia. A política da metrópole teve sempre como objetivo a obtenção de receitas fiscais. A corrupção de um tal sistema de exploração refletiu-se fortemente na vida política da ilha.

O período de 1878-1895 informa grande parte das origens do desenvolvimento da burguesia nativa. Os 17 anos que vão desde o fim da Guerra dos Dez Anos (1868-1878) até ao início da revolução burguesa de 1895 compreendem o período de formação da burguesia cubana como classe e, por conseguinte, o desenvolvimento gradual do proletariado. O curso objetivo da história, as suas diferentes etapas, o desenvolvimento do artesanato, da manufatura e da fábrica, numa escala gradual e progressiva, não se cumpriu de forma justa em Cuba, sem que isso signifique que se tenha quebrado a unidade da concepção marxista da história. Esta divisão marxista do desenvolvimento do artesão, da manufatura e da fábrica, que politicamente se traduz em etapas de feudalismo, burguesia embrionária e desenvolvimento pleno, cumpriu-se completamente em certos países avançados, mas não em Cuba, onde, por circunstâncias históricas atrasadas, se pode dizer que não se passou a etapa manufatureira, que não se alcançou o desenvolvimento industrial da burguesia nativa. Dialeticamente, não podemos separar de um só golpe a história da ilha da história do resto do mundo, e muito menos tentar separar os fatos históricos, julgando-os rígida e separadamente. O desenvolvimento do processo histórico deve ser abordado no seu todo e nas suas partes ao mesmo tempo, nas suas "ligações, conexões, nos seus aparecimentos e desaparecimentos". O grupo sectário que lidera o PCC não consegue compreender a razão dos acontecimentos que se desenrolam diariamente em Cuba, porque, sem qualquer conhecimento prévio, lhe faltam os elementos fundamentais da compreensão dialética.

Ao fracasso da insurreição dos 10 anos, que acompanhou a transferência de grande parte da propriedade dos latifundiários nativos para as mãos dos latifundiários espanhóis, seguiu-se um período de crise econômica em que o fabricação de açúcar de cana, com os novos métodos de exploração, começou a dar origem a uma nova classe social no seio da sociedade feudal decadente: a burguesia. Esse nascimento da burguesia não se deu de forma lenta e segura como resultado da evolução histórica, mas foi acelerado e rapidamente abortado pela interferência do capital norte-americano. Desta forma, a transformação e a simplificação das classes sociais não se processaram politicamente e, por isso, longe de os artesãos e os escravos se tornarem totalmente proletários, e de a pequena burguesia manufatureira se tornar burguesa industrial, e sobreviveram, na topografia social da ilha, grandes vestígios do artesanato. O desenvolvimento da indústria açucareira; a transformação do engenho em fábrica de açúcar, todo o processo de desenvolvimento industrial do açúcar, constituiu a base fundamental sobre a qual a burguesia se iria instalar. Quando eclodiu a insurreição de 1895, a composição social de Cuba caracterizava-se pelos remanescentes da velha classe feudal estrangeira e nativa, enraizada no latifúndio e na exploração camponesa; por uma burguesia nativa embrionária, que lutava pelo poder político, a fim de substituir o velho padrão de produção rodeado de privilégios feudais, pelas novas formas burguesas. As massas camponesas foram sendo lentamente deslocadas pelo capital americano. A velha classe média crioula, empobrecida economicamente em 1878 pelo Pacto de Zanjón e, mais tarde, pelo processo de absorção imperialista, constituía o elemento fundamental da pequena burguesia. O crescimento industrial da fabricação de cana de açúcar trouxe consigo a emergência do proletariado como classe historicamente diferenciada. Da mesma forma que o desenvolvimento das indústrias secundárias, a abertura dos portos ao comércio externo, a colocação do açúcar nos mercados estrangeiros formou lentamente a classe operária.

Este estudo das forças sociais em ação em Cuba em 1895 mostra como a burguesia em ascensão, limitada pelas normas feudais de produção, foi levada a revolucionar a ordem de coisas existente, arrastando atrás de si as massas de trabalhadores e camponeses. Esta revolução foi uma revolução historicamente retardada; mas o fato de as massas trabalhadoras ainda não se terem desenvolvido nas formas de produção pré-capitalistas impediu-as de apresentarem a sua linha política de classe independente e foram arrastadas pela burguesia para a luta pela independência nacional e pela liquidação dos grilhões feudais.

Colocando a revolução de 1895, o seu atraso histórico e o desenvolvimento imperialista dos Estados Unidos no plano internacional, era-lhe inevitavelmente impossível alcançar uma vitória completa. Devido às circunstâncias acima mencionadas e à falta de unidade econômica, a revolução de 95 não conseguiu a liquidação total do feudalismo, mas permitiu à burguesia abrir caminho para o desenvolvimento de Cuba como um país capitalista.

A intervenção do imperialismo norte-americano na revolução alterou definitivamente o seu curso. Classes raquíticas, intimamente ligadas umas às outras, emergiram na vida política dos primeiros anos da república. A colônia continuou a ser uma colônia sob novos anos e novas formas de expressão. Mas à medida que o processo de dominação imperialista avançou e a luta revolucionária das massas se alargou, o proletariado ganhou mais força e protagonismo histórico. A revolução atravessa por diversas fases do seu desenvolvimento, mas caminha firmemente para a liquidação do sistema de opressão colonial e para o estabelecimento da ditadura do proletariado com base nos Sovietes dos operários e camponeses.

Imperialismo

Cuba está econômica e politicamente submetida ao imperialismo norte-americano. Toda a política econômica visa preservar e reforçar a sua dependência, intensificar a sua exploração e conter o máximo possível a sua evolução independente. É quando chegamos ao estudo do imperialismo e à solução deste problema que as divergências se tornam fundamentais entre as várias camadas sociais, algumas das quais apoiam este sistema de exploração que assegura os seus interesses, e as outras classes empenhadas na luta contra esta dominação. Não acreditamos que o imperialismo seja um todo homogêneo, com as mesmas características e interesses, no que diz respeito ao desenvolvimento e aplicação das suas políticas na ilha. O imperialismo, como tudo o resto, assenta nas suas próprias contradições. Não é um fenômeno que se localize em determinados setores da nossa economia e que cresça exclusivamente neste lugar. Observamos no próprio imperialismo duas fases ou ramos: a facção do investimento e a facção que controla o mercado. À medida que o capitalismo avançou em solo americano, surgiu um novo ramo do capital que tenta obter uma base nas colônias para se desenvolver sob o nome de indústrias "nacionais" ou "capital nativo". A facção imperialista investe na indústria açucareira e em setores da indústria do tabaco, e em pequenas indústrias extractivas ligeiras, transformando a ilha num campo de produção de matérias-primas. Esta facção imperialista é acompanhada, a nível nacional, por um ramo da burguesia autóctone, que é o mais numeroso e domina o poder público. A facção inversionista desenvolve uma posição sobre o problema colonial que é a de considerar que a burguesia colonial não se submete completamente ao imperialismo até ao aparecimento do movimento de massas, o que é admitir o papel anti-imperialista de certas facções burguesas.

O latifúndio

Os resquícios de feudalismo que ainda sobrevivem em Cuba baseiam-se na existência dos latifúndios açucareiros e dos latifúndios incultos. O estudo do desenvolvimento da indústria açucareira mostrou-nos como a transformação do engenho em usina de açúcar trouxe consigo a criação de imensas áreas de exploração, que foram progressivamente aumentadas pelo imperialismo. Os proprietários indígenas são cada vez menos numerosos, sem que se possa dizer que o latifúndio está desaparecendo em Cuba. O que está acontecendo é uma transferência da propriedade da terra para as mãos dos americanos, e a inexistência de uma classe feudal enquanto tal, sem os restos da exploração do latifúndio, torna possível a sua sobrevivência ao lado das normas de produção industrial.

Esta ligação entre o imperialismo, a burguesia e os proprietários nativos reflete-se na vida política de forma decisiva, sem contradizer as suas aspirações, que geralmente são idênticas.

O bloco opressor na ilha é formado pelas forças sociais acima enumeradas, e a hegemonia deste bloco está nas mãos do imperialismo.

A existência de imensos latifúndios não cultivados é do interesse do imperialismo, que apenas procura obter as matérias-primas necessárias à sua indústria. A LUTA CONTRA A EXPLORAÇÃO DO LATIFÚNDIO É PARTE INTEGRANTE DO PROCESSO DE LUTA CONTRA O IMPERIALISMO E NÃO PODE SER SEPARADA DELE. A questão agrária nos países atrasados tem características específicas, mas nunca se deve esquecer que ela não é idêntica à economia de um país capitalisticamente atrasado, à de um país colonial, mesmo que haja características gerais idênticas. É esta caraterística colonial que faz da questão nacional o eixo da luta revolucionária, e que mostra claramente o papel dirigente do proletariado nesta luta.

Contra os setores exportadores, tanto estrangeiros como nativos, levantam-se as forças genuinamente revolucionárias da ilha, que são apenas os operários e os camponeses. A pequena burguesia rural e urbana, se é que se pode dizer que por vezes se coloca no terreno da libertação nacional, está fatalmente inclinada a cair do lado do imperialismo. Falamos da pequena burguesia em geral, não de certas seções destes estratos, capazes de se unirem ao proletariado e de serem dirigidas por ele. A luta anti-imperialista deve, portanto, ter como forças motrizes: o proletariado e as massas camponesas. As restantes camadas da população (o chamado "povo" em geral) são conduzidas na luta pela emancipação nacional, mas sempre sob a direção do proletariado. Se não conseguirmos ganhar o apoio das massas camponesas, se não conseguirmos arrastá-las atrás de nós, a revolução agrária não pode ser levada a cabo.

O sucesso da revolução depende desta aliança.

Leia aqui a parte 2.


veja todos os artigos desta edição
CATEGORÍAS

[Cuba]   /   [Revolução Cubana]   /   [Trotskismo]   /   [Teoria]   /   [Negr@s]   /   [Internacional]

Comentários