×

CINEMA | Pasolini e os 120 dias de Sodoma

Segundo Luiz Nazario em "Pier Paolo Pasolini - Orfeu na sociedade industrial" (1986), Pasolini nasceu em 1922 na Itália. Filho de um militar fascista e de uma professora, viveu sua infância e juventude na Itália de Benito Mussolini.

quinta-feira 30 de abril de 2015 | 00:00

Marxista, militou e foi expulso do Partido Comunista Italiano (stalinista) em 1949 por amar outros homens. Um dos exemplos de homofobia cometidos por esta casta burocratica.

Escreveu poemas, romances como "Meninos da Vida" (1955), roteiros de cinema e pecas de teatro. Foi processado dezenas de vezes por atentar contra a ordem burguesa e perseguido por setores reacionários como a Igreja Católica. Dirigiu filmes como "Mamma Roma" (1962), "Teorema" (1968), e "Saló ou os 120 dias de Sodoma" (1975), seu ultimo filme.

Nos ensaios e textos jornalisticos, escritos nos anos 1960 e inicio dos anos 1970, organizados nas coletaneas “Caos – Crônicas Políticas” (1982) e “Jovens Infelizes” (1990), Pasolini considera que a juventude pobre das periferias italianas e as tradições populares camponesas estao sendo soterradas pelo o que ele chamou de "fascismo de consumo" na Itália do "boom econômico".

O poeta fala de uma queda “do sujeito que contesta”, de um "aburguesamento da classe operária", da "coisificação do corpo”, da hegemonia de um "pensamento médio" racista, chantagista, sanguinário, "pequeno-burguês". " "Aquele que sabe viver" em busca de algo através da obediência, do trabalho alienado, do "entretenimento", da dupla moral sexual hipócrita e do consumo desesperado.

Nesta época, Pasolini foi buscar na literatura uma forma de sexualidade e de vida contrárias ao sexo e à vida imposta por este "fascismo de consumo" e filma sua "Trilogia da Vida". "Decameron" (1971), "Os contos de Canterbury" (1972) e "As mil e uma noites" (1974).
Mas o que era para ser uma crítica à nova face do capitalismo acabou sendo absorvido pelos grandes meios de comunicação burgueses e considerado meros filmes "eróticos" ou mesmo "pornográficos".

A década de 1970 também é conhecida como a "era de ouro" dos filmes pornôs. "Garganta Profunda" (1972), "Atrás da Porta Verde" (1972) e "O Diabo na Carne de Miss Jones" (1973), são filmes pornográficos que alcançaram bons resultados comerciais. Linda Lovelace, atriz que protagonizou "Garganta Profunda", fez declarações sobre os estupros e torturas que sofreu durante as gravações deste filme.

Pasolini "abjura" sua "trilogia", condena o sexo pornográfico capitalista como normativo, apático, violento e decide filmar "Saló ou os 120 dias de Sodoma".

"Saló" foi inspirado no livro "Os 120 dias de Sodoma ou a Escola da Libertinagem" (1785) de Marquês de Sade, que conta a história de quatro nobres "senhores" da França que sequestram e aprisionam 16 jovens num castelo intransponível e durante 120 dias cometem todo o tipo de violência e opressão.

O cineasta adaptou esta história para a Itália fascista de 1944 e na mansão de "Saló" apresenta a história destes "senhores" (Presidente, Bispo, Duque e Magistrado) dividida em 3 fases: "Círculo das Manias", "Círculo das Fezes" e o "Círculo de Sangue". Uma sequência pavorosa de estupro, tortura, mutilação e assassinato.

Pasolini mostra sem pudor o ódio das classes dominantes que explora, oprime, sequestra, escraviza, prostitui e mata trabalhadores, pobres, negros, mulheres e LGBT.

Apresenta a verdadeira face do sexo das produções pornográficas hetero-capitalistas, pois, assim como na "Mansão da Playboy" de Hugh Hefner, o corpo é transformado em "objeto sexual" à disposição dos desejos patriarcais e burgueses. O corpo vira "coisa". A humilhação é regra. É proibido amar em "Saló", o sexo só pode se realizar através do estupro.

Brutalmente assassinado logo após realizar este filme, Pasolini teve o corpo dilacerado no dia 2 de novembro de 1975 em Óstia, próximo à Roma. Culparam um jovem "garoto de programa" que assumiu o crime alegando "legítima defesa", mas há fortes indícios que comprometem a burguesia, o Estado e a Igreja, inimigos históricos do poeta que defendeu a juventude pobre das periferias italianas.

"Saló" também serve para nós como metáfora do horror policial praticado contra pobres, negros, mulheres e LGBT dentro e fora das cadeias e presídios no Brasil. O pedreiro torturado e morto, a mulher negra arrastada pelas ruas do Rio de Janeiro, o menino negro e pobre de 10 anos fuzilado pela PM, os estupros cometidos na reintegração de posse do Pinheirinho, a transexual negra torturada, a jovem estuprada por policiais.

Infelizmente "Os 120 dias de Sodoma" continua atual.


Temas

Cinema    Cultura



Comentários

Deixar Comentário


Destacados del día

Últimas noticias