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COLUNA | Quão alta é a taxa de lucro?

sexta-feira 5 de fevereiro de 2021 | Edição do dia

Na semana passada, relacionei aqui o aumento da desigualdade, que se acelerou durante a pandemia, ao “divórcio” entre as taxas de lucro e de acumulação, um traço distintivo da globalização neoliberal. Ao fazê-lo, apropriei-me da análise de Michel Husson sobre o capitalismo contemporâneo, com a qual Juan Chingo dialoga criticamente aqui. A taxa média de lucro é um importante indicador da “saúde” do capitalismo, e as tentativas de estimá-la suscitam controvérsias, não só metodológicas, mas também sobre o caráter da crise atual e as suas possibilidades de superação.

Quanto mais os capitalistas lucram, mais irão reinvestir seus lucros, pois mais esperarão lucrar aumentando a produção. Por isto, houve sempre uma forte correlação entre as taxas de lucro e de acumulação, ou seja, de reinvestimento. É quando os lucros diminuem que os capitalistas começam a aplicar seus lucros financeiramente, esperando que esta aplicação lhe renda mais do que a expansão do seu próprio negócio poderia. O fato de o capitalismo neoliberal caracterizar-se por baixas taxas de investimento evidencia, portanto, que a crise dos anos 1970 só foi superada muito parcial e debilmente. Mas, na série de Husson, a recuperação é tal que, nos anos anteriores à crise, a taxa de lucro encontra-se praticamente no mesmo patamar que nos “anos dourados” do pós-Segunda Guerra Mundial. Como explicar, então, que a acumulação produtiva seja tão menos dinâmica nos anos 2000 do que naquele período?

EUA, Japão, Reino Unido, Alemanha, França e Itália (fonte)
Preto: taxa de lucro (escala esquerda)
Cinza: taxa de acumulação (escala direita)

Além de ser muito discrepante da maioria das outras, a série de Husson foi criticada por suas implicações “keynesianas”: a crise parece ser não do capital, mas do neoliberalismo; sua causa seria a excessiva rentabilidade das finanças e, logo, seria possível superá-la através da transição a um capitalismo “neo-fordista”, que redirecionasse os lucros da especulação para a produção. Contudo, os críticos de Husson frequentemente reduzem a causa das crises à lei da queda tendencial da taxa de lucro, interpretada de maneira bastante mecânica e dogmática. Muito resumidamente, o que é esta lei? À medida que progride a acumulação de capital, o emprego de máquinas e meios de produção em geral tende a aumentar mais que o de trabalho vivo. Os meios de produção, porém, são trabalho morto, que não gera valor, mas apenas transfere seu próprio valor ao valor das mercadorias que produz. O novo valor, a mais-valia, é extraída do trabalho vivo. Se o trabalho vivo diminui proporcionalmente ao trabalho morto, então, a mais-valia também diminui, não em termos absolutos, mas em relação ao capital adiantado, isto é, ao valor investido em meios de produção e força de trabalho.

Assim, a crise torna-se resultado da “corrida” entre duas variáveis: a composição orgânica do capital (o termo “orgânica”, aqui, não se refere ao trabalho vivo; a composição é mais alta quanto maior for a proporção do trabalho morto) e a taxa de exploração: a primeira faz a taxa cair, e a segunda, subir. Não é incomum que análises do capitalismo contemporâneo centradas na queda tendencial se tornem a-históricas, abstraindo a crise da hegemonia estadunidense, a restauração do capitalismo na China e nos países do “bloco soviético”, a ofensiva do capital sobre o trabalho na década de 1980, a relocalização internacional da produção industrial e o aumento extraordinário da mobilidade do capital propiciado pelas novas tecnologias e pela liberalização comercial e financeira, etc. Tais fatores são melhor analisados por Husson do que pelos teóricos “unicausais” da crise, que só os consideram na medida em que uma das duas variáveis é afetada.

Uma comparação sintética entre os cálculos as análises de Husson e de outros é feita no novo livro de Iuri Tonelo, que será publicado em breve. Marx, é verdade, referia-se à queda da taxa de lucro como a mais importante lei da economia política. Mas esta é uma lei tendencial, e o próprio Marx ressalta a existência de contra-tendências que podem até sobrepujar a lei, não indefinidamente, mas durante algum tempo. Duas das principais contratendências são a expansão do mercado mundial e o aumento da produtividade, que permite baratear tanto os meios de produção, quanto os bens de consumo que determinam o valor da força de trabalho. Não é impossível que o aumento da produtividade possibilite, inclusive, aumentar a quantidade de meios de produção empregues sem aumentar seu valor, ou seja, sem que se eleve a composição orgânica do capital. Seja como for, o mais importante é que as crises capitalistas no sentido forte do termo, como as das décadas de 1930 e 1980 e a atual, não são explicáveis apenas por fatores econômicos. São os efeitos destes sobre as relações interestatais e sobre luta de classes que, como assinala Trótski, podem transformar uma mera recessão em uma ruptura do equilíbrio instável do capitalismo mundial.




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