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Congresso Nacional | Recorde de Lira é prova do fosso astronômico entre Brasília e a realidade brasileira

Arthur Lira é um homem de recordes. Deve ter um Guinness escondido no sobrenome, só pode. Bateu o recorde de maior escândalo de corrupção institucionalizado da história do país com a criação do Orçamento Secreto. Bateu o recorde de engavetamentos de pedidos de impeachment de Bolsonaro. Agora bateu o recorde de votos para presidência da Câmara dos Deputados (desbancando os 434 votos que João Paulo Cunha e Ibsen Pinheiro haviam conseguido em 2003 e 1991).

quinta-feira 2 de fevereiro de 2023 | Edição do dia
Lira nas sombras. Foto: João Gabriel Rodrigues/Fatopress/Folhapress.

Uniu petistas, centrão, direita tradicional e bolsonaristas em um eclético e bizonho leque de apoio parlamentar, simbolizando o reacionário pacto nacional da era Lula 3.0. Foram 464 votos de 509 que votaram (são 513 no total). Isso dá cerca de 90% do plenário. NOVENTA por cento… Os números ilustram bem o tamanho do abismo existente entre os anseios e necessidades da maioria da população e a realidade deplorável do Congresso Nacional.

Reza a lenda de que a Câmara dos Deputados seria a casa mais “representativa” e “democrática” dos Poderes da República. Afinal, o Senado é a velha fazenda das oligarquias regionais e o STF sequer eleições possui... A Câmara expressaria, na cantilena midiática, a “vasta” e “rica” gama de interesses cidadãos e populares, a “casa do povo” e outras histórias de ninar. Nada mais longe da realidade e Arthur Lira é o símbolo mor dessa triste fantasia.

A realidade brasileira não está fácil: fome, desemprego, inflação, subemprego, filas no posto, escolas destruídas… quase todo dia recebemos um soco no estômago com algum vídeo de algum policial racista espancando algum jovem negro. Essa semana a estudante da UFPI Janaína foi estuprada e morta pelo mesmo machismo que vitimiza mulheres todos os dias. A crise humanitária yanomami está invadindo os noticiários internacionais. Não são poucos os jovens que se matam pedalando bikes cidades afora para receber uma merreca no fim do mês enquanto as big techs não param de lucrar. As reformas neoliberais, ajustes e privatizações já são sentidas no dia a dia. Famílias ainda sofrem o luto das centenas de milhares de mortos que a Covid fez no país em que Lira ajudava a governar. Os trabalhadores e a maioria da população brasileira matam um leão por dia para sobreviver, ao passo em que o Congresso reconduz Lira e Pacheco à presidência - dois dos principais responsáveis pela desgraça que estamos vivendo - tudo com a bênção de Lula, PT, do centrão e do próprio bolsonarismo. Entre Brasília e a realidade brasileira há um fosso de dimensões astronômicas.

Enquanto isso, Lira costurava silenciosamente um duto bilionário para o bolso dos parlamentares. Ele foi o grande arquiteto do Orçamento Secreto que destinou um total de R$ 65,1 bilhões do Orçamento da União para as emendas de relator (OP) durante o governo Bolsonaro, segundo a CNN. Foram R$ 65,1 bilhões destinados para deputados e senadores poderem aplicá-los sem necessidade de transparência (daí os escândalos de tratores, médicos falsos, escolas inexistentes com orçamento para robótica, e por aí vai) e 2023 promete mais bilhões. Há farta literatura sobre o quão absurdo é esse verdadeiro escândalo de corrupção institucionalizado (e apoiado pelo bolsonarismo, pelo PT e permitido pelo próprio STF no passado com manora jurídica).

Além disso, Lira foi peça-chave de sustentação de Bolsonaro nos últimos dois anos e de ataques brutais contra os trabalhadores e serviços públicos. Não só garantiu sua sobrevida, como cumpriu papel decisivo na privatização da Eletrobrás junto de Pacheco, batalhou pela reforma administrativa que visa acabar com os serviços públicos, promoveu perseguição política contra parlamentar de esquerda, trabalhou a favor de pacote de destruição ambiental, recebeu a motosserra de ouro após aprovar o PL da grilagem, tentou aprovar privatização dos correios, tentou costurar PEC do semipresidencialismo e um longo etc. A lista de barbaridades de Arthur Lira só não é maior do que o abismo existente entre sua política e a realidade dos trabalhadores brasileiros. A bênção de Lula e do PT vêm para jogar água nesse moinho privatizante, neoliberal e sedento por ajustes e ataques contra os trabalhadores.

O que explica isso tudo? Carisma? Lábia? Grandes ideias? Sorriso sedutor? Qualquer um com dois neurônios e um pingo de noção reconhece que estes definitivamente não são atributos do senhor Lira. Dizem que o dinheiro compra tudo, inclusive amor. Essa é uma hipótese válida, mas, apesar do OP ser generoso, só explica parcialmente. Esse recorde é parte integral da Frente Ampla que o PT e Lula vêm costurando nos últimos meses, de um reacionário pacto nacional que agora envolve o próprio bolsonarismo, para tentar governar o país com estabilidade e responsabilidade fiscal ao gosto do mercado, dos bancos e dos grandes capitalistas.

As tendências proveninentes desse pacto vão de choque com as expectativas criadas por muitos trabalhadores e jovens que ajudaram a eleger Lula. Desde o início nós do Esquerda Diário viemos afirmando como a aliança com a direita é o que pavimentou o caminho do golpe e todo esse cenário devastador que estamos vivendo. E o PT repete esse mesmo filme, agora não mais "apenas" com Alckmin e Tebet (capital financeiro e agronegócio), mas também com setores do próprio bolsonarismo (Tarcísio está na lista também). Agora estão por todo canto gritando “presidencialismo de coalizão” e que “é preciso ceder para governar” e dessa forma vai se ampliando o fosso entre a representação política do Estado e a maioria da população. Ao invés de se afogar no fosso, deveríamos transbordá-lo para erguer uma força independente.

A verdade é que o Brasil, desse jeito, é ingovernável. Não há “presidencialismo” nem “coalizão” que sustente interesses tão inconciliáveis como os que Brasília hoje representa e os que a maioria da população anseia. A questão é como construir uma esquerda que consiga superar essa criminosa conciliação de classes que há décadas o PT constrói e apresentar uma política independente dos trabalhadores diante desse cenário, que ligue os anseios e necessidades da maioria com uma luta contra esse regime político degradado e fazer com que os capitalistas paguem pela crise que eles mesmos criaram. Nos inspiremos nas mulheres e nos trabalhadores peruanos que há semanas lutam bravamente contra o governo ditatorial de Dina Boluarte e o Congresso Nacional corrupto e reacionário que se embandeirou em nossa vizinhança para poder pensar a luta no Brasil.




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