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EDITORIAL | Reforma administrativa: destrói a saúde e educação, blinda os de cima, ataca os de baixo

No começo de setembro, Bolsonaro entregou ao Congresso Nacional seu projeto de reforma administrativa. Seu objetivo é atacar o conjunto dos serviços públicos, em especial a saúde e a educação. A luta contra ela não pode esperar.

Marcello Pablito Trabalhador da USP e membro da Secretaria de Negras, Negros e Combate ao Racismo do Sintusp.

segunda-feira 5 de outubro de 2020 | Edição do dia

O governo busca vender essa reforma com argumentos mentirosos, alegando querer a modernização da máquina pública e a contenção dos gastos estatais, assim como ocorreu no processo de aprovação da reforma da previdência e trabalhista.

Ao contrário disso, as tais medidas “modernizadoras” que confeririam “agilidade e flexibilidade” à máquina estatal são, na realidade, propostas que permitem o aprofundamento de práticas clientelistas, dividem o funcionalismo público e atacam, em especial, os trabalhadores da saúde e da educação, enquanto deixam intactos os privilégios do alto escalão.

O governo se utiliza do argumento de que essa reforma teria como objetivo combater “privilégios” do funcionalismo público. Demagogia pura. A estratégia é utilizar a máxima militar de “dividir para conquistar”. Dividir nossa classe entre os que têm direitos - conquistados com décadas de luta - e os que mais sofrem com a precarização, para dizer que esses direitos são "privilégios", atacar e rebaixar as condições de trabalho e vida de todos, e cortar na educação e saúde públicas, que a reforma vai atingir em cheio, prejudicando especialmente a maioria pobre da população.

Os mesmos que aprovaram a terceirização irrestrita e a reforma trabalhista, usam esse discurso de demonização dos servidores, para dividir e separar a classe trabalhadora, e inclusive conquistar apoio popular para a reforma.

Na verdade, não estão incluídos o judiciário, os militares e os membros do legislativo e executivo que são aqueles que realmente possuem salários e benefícios de verdadeiros privilegiados, mas que como são parte da sustentação do próprio governo, serão mais uma vez preservados.

O bonapartismo do judiciário, responsável direto por grande parte dos acontecimentos da vida política nacional dos últimos anos, inclusive pela ascensão de Bolsonaro, está muito satisfeito com o regime político herdeiro do golpe e suas benesses econômicas. O abraço de Tofolli e Bolsonaro é a expressão disso, o retrato da aliança das instituições desse regime dos ricos contra os trabalhadores e nossos direitos.

Enquanto um procurador ganha quase 40 mil reais, sem considerar os "penduricalhos”, a grande massa dos servidores ganha de dois a três salários mínimos. Entre esses com salários mais baixos, a grande maioria são os servidores da saúde e da educação.

O que o governo literalmente esconde – Paulo Guedes até em sigilo colocou o projeto da reforma – é que ela tem como objetivo atacar os resquícios de direitos trabalhistas que restaram ainda na Constituição de 88, e mira especialmente naqueles que prestam serviços essenciais à população.

Além disso, através de uma só canetada o governo poderá extinguir diversas instituições e autarquias, aumentando muito seu poder para interferir diretamente em órgãos que atrapalhem seus planos, como por exemplo o Ibama ou a FUNAI.

Para esconder tudo isso e vender “gato por lebre”, está em curso uma grande campanha unificada, promovida por diversos veículos de mídia e apoiada pelo capital financeiro nacional e internacional.

Utilizam novamente o argumento de que o país está em crise, renovando o velho discurso da necessidade de cortar gastos para retirar o país da crise econômica. Mas escondem a sete chaves que a maior parte dos gastos do Estado não vai para pagamento da folha dos servidores, mas sim para o bolso do mercado financeiro, através principalmente da dívida pública.

Enquanto os gastos com pagamentos de pessoal em 2019 divulgados pela IFI foram de R$ 318,8 bilhões de reais, somente o pagamento de juros e dividendos da dívida pública consumiu 752,4 bilhões em 2019. São montantes astronômicos de dinheiro público que alimenta uma dívida que é ilegal, ilegítima e fraudulenta, e nem os seus dados são disponíveis para consulta porque estão sob segredo bancário.

No entanto, o cálculo de Guedes, Bolsonaro, Maia, militares e diversos atores do regime não é apenas financeiro, é também político. Trata-se de avançar mais e mais com medidas que alterem a Constituição para transformar o regime em cada vez mais reacionário, com cada vez menos direitos para os trabalhadores, como o direito de greve, por exemplo.

O que muda com a reforma administrativa?

Um dos pontos mais graves da reforma é acabar com o regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas. Agora poderão existir até 5 formas de contratação, entre elas de trabalhadores temporários. Esses trabalhadores não terão nenhuma forma de estabilidade e poderão ser demitidos a qualquer momento. Inclusive, com a reforma, poderão ser demitidos mesmo enquanto ainda couber recursos na justiça.

Para os trabalhadores efetivos, o governo adicionaria uma forma de contrato que autoriza demissões a partir de avaliações de desempenho. Um trabalhador que faça uma greve, ou que reclame de suas condições de trabalho, poderá ter suas avaliações afetadas, e isso resultar em sua demissão. Na prática é um mecanismo que institucionaliza o assédio, a perseguição e ataca o direito de greve.

Isso potencializa práticas coronelistas e antidemocráticas. Governantes e chefias estarão habilitados para selecionar apenas aqueles servidores que lhes agradem e que correspondem ao seu perfil político e ideológico.

Buscando dividir inclusive os próprios servidores, o governo diz que as novas regras entrarão em vigor apenas para os novos servidores. No entanto, essas medidas serão sentidas por grande parte dos servidores, pois segundo dados da Secretaria de Gestão do Ministério da Economia, em cinco anos, quase 20% dos servidores poderão se aposentar, e provavelmente serão parcialmente substituídos por trabalhadores temporários ou sem estabilidade, ou seja, uma parcela importante dos servidores já estarão sob esse novo regime trabalhista.

O objetivo, ao contrário de “modernizar a máquina pública”, busca enxugar os gastos com os servidores públicos e abrir espaço para ataques contra os direitos políticos e sindicais dos servidores, que estarão suscetíveis a demissões e perseguições políticas.

O que ela significa é a desestruturação completa do regime jurídico da Constituição de 88, flexibilizando os contratos de trabalho de grande parte do funcionalismo, abrindo espaço para que o novo modelo de trabalho no Brasil seja aquele imposto pelas regras da reforma trabalhista. Ou seja, seu objetivo principal é ser parte da transformação do Estado brasileiro para um novo modelo de gestão ainda mais neoliberal e privatista. Na prática, é a subordinação completa dos interesses e serviços públicos aos ditames do mercado.

Isso, somado às demais reformas já aprovadas e o plano de privatizações que Guedes tanto sonha, estamos diante de uma realidade em que os serviços públicos essenciais como saúde e educação estão progressivamente sendo jogados à sua própria sorte, onde cada trabalhador precisa se sujeitar a condições mais degradantes e o serviço prestado à população é cada vez mais precário.

A luta contra a reforma administrativa não pode esperar

O discurso montado em cima da reforma administrativa é o mesmo que foi utilizado para a aprovação de reformas como a trabalhista e a da previdência: “modernização”. São mudanças que impactam profundamente na vida dos trabalhadores enquanto blindam os mega salários e privilégios dos altos cargos públicos, de toda a cúpula privilegiada do regime político e dos militares.

Por mais que existam divergências pontuais entre o governo Bolsonaro e alguns setores do Congresso Nacional, o que se sobrepõe a tudo é o grande acordo em torno dessas reformas que fazem os trabalhadores pagarem os custos da crise.

Não é difícil prever que os setores que mais irão sofrer com a diminuição do quadro de servidores, serão a saúde e educação. Justamente aquelas que a população mais necessita, e que durante a pandemia mostrou a importância dos serviços públicos para atender a população trabalhadora e pobre.

Diante disso, temos que lutar para unificar as fileiras da classe trabalhadora, demonstrando para cada trabalhador com contrato de trabalho precário, como os entregadores e as terceirizadas, que a reforma administrativa irá atacar todos, e destruir a saúde e educação. Ao contrário do que diz o governo, não há nada de “privilégio” entre a grande massa dos servidores, na verdade são esses que garantem o atendimento à população.

Ao mesmo tempo, devemos batalhar para que as categorias com mais direitos e o funcionalismo tomem como parte da sua luta, a partir de seus sindicatos, a defesa da igualdade de salários e direitos para todos os trabalhadores precários, e a efetivação de todos os terceirizados, sem necessidade de concurso público, e a proibição das demissões.

Enquanto o governo Bolsonaro, Maia, Alcolumbre e o STF conformam um pacto para poder fazer “passar a boiada” em cima dos trabalhadores, as grandes centrais sindicais do país incluindo CUT e CTB (dirigidas por PT e PCdoB, respectivamente) seguem numa trégua que blinda o regime e impede que qualquer indignação seja transformada em revolta ativa. Tal como atuaram recentemente na greve dos Correios, a principal greve de trabalhadores contra os ataques da patronal e do governo, não transformaram essa em uma grande batalha, e no caso da CTB sabotou abertamente a greve.

É por isso que, para enfrentar essa reforma precisamos discutir a urgência de organizar os trabalhadores. Precisamos exigir imediatamente das grandes centrais sindicais, em especial da CUT e CTB, que rompam sua trégua com o governo e organizem a luta contra a reforma administrativa, e inclusive levantando a luta pela revogação da reforma trabalhista e a lei da terceirização irrestrita, exigindo emprego para todos, com salários dignos e todos os direitos garantidos. Somente uma política assim poderia soldar a unidade entre amplos setores da classe trabalhadora, para combaterem unificadamente os ataques da burguesia e do regime.

No entanto, os partidos que dirigem essas centrais tem objetivos distantes disso. Agora estão buscando ser parte da administração desse regime político herdeiro do golpe institucional, inclusive fazendo coligações até com a extrema direita, como o PT em 140 cidades pelo país.

Todas as candidaturas que se reivindicam de esquerda deveriam estar colocando suas campanhas a serviço de alertar o maior número de pessoas os efeitos nefastos dessas reformas. O PSOL, ao contrário, vem seguindo o caminho de conciliação de classes com o PT e até coligação com o DEM e o PSDB realizou.

Por isso que nossas candidaturas se apresentam como parte daqueles que não querem repetir o caminho do PT que governou o país 13 anos junto com os grandes empresários e com partidos de direita. É necessário superar essa experiência pela esquerda, e se enfrentar com o conjunto do regime herdeiro do golpe institucional.

Ao invés do vale tudo eleitoral, a esquerda deveria colocar de pé um polo de independência de classe que tenha como primeira tarefa construir a frente única operária para barrar a reforma administrativa. Além dela, é necessário lutarmos pela reversão de todas as reformas e o não pagamento da dívida pública. Essas demandas devem ser colocadas através da luta por uma nova constituinte, para que os trabalhadores possam discutir o conjunto dos profundos problemas do país e da vida da classe trabalhadora.




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