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OPINIÃO | Sem nunca terem sido votados, juízes do STF julgam leis que excluem a esquerda

Iniciou-se nesta quarta-feira o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) de diversas ações diretas de inconstitucionalidade sobre a contra-reforma política capitaneada por Cunha e sancionada por Dilma no ano passado. O julgamento não foi concluído após o voto de 4 ministros e deve continuar amanhã, mesmo dia que se inicia o processo de impeachment. Tudo indica que serão mantidas as restrições à esquerda na TV.

Leandro LanfrediRio de Janeiro | @leandrolanfrdi

quarta-feira 24 de agosto de 2016 | Edição do dia

As ações em julgamento foram protocoladas por partidos políticos e pela patronal ABERT (Associação Brasileira das Empresas de Rádio e Televisão). Os interesses representados pelas ações eram diametralmente opostos. Enquanto a ABERT deseja aumentar seu poder de arbítrio nos debates televisivos, os partidos questionavam regras que excluem os pequenos partidos, sobretudo a esquerda, bem como houve questionamento às novas regras que restringem o tempo de televisão distribuído de forma igual a todas agremiações legalizadas.

Todos os quatro votos proferidos, do relator Dias Toffoli, de Rosa Weber, Barroso e Lewandoski concordaram com a restrição no horário eleitoral e, com algumas nuances, também concordaram na constitucionalidade de excluir candidaturas, sobretudo da esquerda, nos debates. Pelos apartes pedidos por outros ministros ficou claro que uma ampla maioria - se não uma quase unanimidade - deve aprovar estas medidas de censura para dificultar a possibilidade de que emerja uma alternativa à esquerda na crise de representatividade que passa o país em meio à uma profunda crise política, social e econômica.

Os ministros que votaram aprovaram o radical encolhimento do tempo de TV que a esquerda tem direito. O horário eleitoral, até a votação da contra-reforma de Cunha, era dividido do seguinte modo: 33% do tempo igualitário entre todos partidos legalizados e 66% de acordo com tamanho da bancada de deputados federais. Agora 90% é dividido de acordo com tamanho da bancada e os 10% restantes de forma igualitária, praticamente eliminando o direito dos pequenos partidos ou daqueles que não tem deputados federais. Para terminar de tornar o quadro mais antidemocrático o tempo de duração do horário eleitoral diminuiu em tamanho e nos dias que vai ao ar.

Para ilustrar a situação tomemos o caso dos partidos de esquerda sem representação parlamentar (PSTU, PCB e PCO). Estes partidos passaram de ter 21 segundos da divisão igualitária para ter incríveis e democráticos 5 segundos de tempo de televisão. Até mesmo o PSOL, com seus 5 deputados federais, tem “fartos” 10 segundos segundo a nova legislação. Tudo isso foi julgado como legal, justo e constitucional pelos nobres juízes que ainda argumentaram que há partidos sem voto, e que o direito a participar não tem nada a ver com tempo de TV. Poderíamos transpor o argumento para outros direitos. Digamos, todos brasileiros tem direito à comida mas isso não tem nada a ver com comer efetivamente.

O outro tema em questão que foi julgado pelos nobres juízes - que ninguém nunca votou, mas arvoraram-se no direito de determinar o que é representativo ou não - foi o direito à participação nos debates eleitorais. As ações em julgamento visavam no caso da ABERT dar o direito às emissoras de, por um lado, junto a dois terços dos candidatos, excluírem até mesmo aqueles que tenham mais que dez deputados e, por outro, convidar sem poder sofrer veto. Ou seja, para a Globo reinar mais absoluta no democrático plim-plim nacional. Sobre isso, alguns partidos, como o PSOL questionaram a legitimidade de excluir partidos (não fica claro se a ação do PSOL englobava ou não o restante da esquerda excluída do debate).

O relator Dias Toffoli e o presidente do Supremo Lewandoski entenderam que é legal e constitucional excluir dos debates. Rosa Weber falou que poderia-se questionar o direito de veto de dois terços dos partidos aptos ao debate e Barroso, com muitas críticas de outros ministros, tentou determinar uma fórmula que permitisse às emissoras escolherem candidatos visando audiência. Barroso usou diversas vezes como argumento as fortes candidaturas do PSOL em São Paulo e no Rio de Janeiro. A militância desse partido muito comemorou essas menções nas redes sociais, mas tal regra, que dificilmente será aprovada amanhã e ainda faculta à Globo se ela convidaria ou não (a mesma Globo que apagou e escondeu Tarcísio, candidato a governador do PSOL no Rio em 2014), deixaria o mesmo partido de fora em boa parte do país, sem nem falar do PSTU, PCB e PCO. Ou seja, o gesto “democrático” de Barroso é de que quando um candidato for muito forte segundo o Ibope, Datafolha, etc, ele pode ser convidado se a emissora quiser, sem direito a veto. Mas e se ele não for forte de antemão, a população está vedada de ouvir a esquerda?

Segundo nossos nobres juízes, nunca votados por ninguém, sim, a esquerda pode sim ser excluída. Tem poucos votos e é, segundo os nobres não votados juízes, pouco representativa, logo pode ser alvo de medidas antidemocráticas que tornem ainda mais difícil mostrar suas ideias e, portanto, de ser votada. Como várias vezes os ministros argumentaram, para eles o problema do país é o pluri-partidarismo. Sim, isso mesmo aos nobres senhores sem voto: o problema é que existe pluralidade de agremiações partidárias. Talvez anseiem um modelo bipartidário como o ianque ou mesmo algum modelo pátrio pretérito como o da Arena e MDB.

A classe dominante brasileira faz de suas instituições uma imagem e semelhança de sua decadência e podridão, sempre e cada vez mais temerosa das massas e sua participação na política. Fazem uma “democracia”, que não é só uma democracia dos subornos de Lava Jatos e Merendões, mas de impedimento a qualquer igualdade de condições nos pleitos supostamente democráticos, para tentar impedir que surja alguma alternativa à esquerda em meio à crise.

Um dos grandes modelos pretéritos para o que se convencionou chamar de democracias modernas foi preconizado por um nobre francês elogioso dos EUA, Alexis de Tocqueville. Ele dizia (com diversas falsificações, é fato, lá nos idos de 1835) que aquele país exibia “igualdade de condições” a seus cidadãos (os escravos pouco lhe importava) e que adotava “soluções aristocráticas para males democráticos” ao colocar um aristocrático Senado a conter “excessos” populares da Câmara. Aquelas afirmações, cheias de falsidades no século XIX, são uma completa piada em um país como o nosso onde os trabalhadores são praticamente proibidos de formar um novo partido, e se o conseguirem terão democráticos 5 segundos de tempo de televisão. Para os problemas oligárquicos de uma casta política cheia de supersalários, benefícios, auxílios gravata, paletó, e mil coisitas mais, legais e corruptas, adotam uma saída ainda mais oligárquica para seus males oligárquicos.

Aqueles que não tem voto, ou seja são a própria definição de oligarquia, o “governo de poucos”, como é um super-poderoso, arbitrário e não votado STF, a determinar quem pode e quem não pode ter acesso a tempo de TV, aos debates.

Vitoriosos em sua empreitada de excluir e fechar portas à esquerda, a oligarquia ri na noite de hoje. Sua vitória pode, no longo prazo, lhe custar uma ainda maior crise de representatividade.




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