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PRIMEIRA ANÁLISE | Senado decide manter Delcídio Amaral preso. O que esta prisão e votação mostram?

Em um dia repleto de ineditismo o Senado Federal votou em esmagadora maioria, por 59 votos a 13 por manter o líder do governo Dilma, Delcídio Amaral (PT-MS) detrás das grades. É um privilégio dos parlamentares só poderem ser presos mediante mandato do STF e confirmação do mesmo por suas casas. Ou seja, “melhores” que todos brasileiros só podem ser julgados por “seus pares”. A votação, os argumentos sobre a prisão, são todas muito reveladoras de várias questões que vem rondado a política nacional e podem estar passando por uma inflexão no dia de hoje.

Leandro LanfrediRio de Janeiro | @leandrolanfrdi

quinta-feira 26 de novembro de 2015 | 00:59

Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

Pela corrupção, com os empresários o trânsito entre os poderes e fronteiras é fluído

Delcídio foi preso hoje quando veio a público gravações envolvendo ele, o filho do ex-diretor internacional da Petrobrás Nestor Cerveró, o advogado do mesmo e o banqueiro do BTG Pactual Esteves. Em áudio articulavam um “mensalinho” de 50 mil reais para que Cerveró não acordasse uma delação premiada e também planejavam como obter habeas corpus para o ex-diretor e como fazê-lo fugir do país. Nos áudios Delcídio nomeia como pode conversar com vários ministros do STF e sobre os quais já teria influência.

O trânsito deste petista privatista, de longa trajetória tucana se tornou explícito nos áudios e com tantas declarações no senado, atravessando todos partidos de como estavam sentidos em votar contra este hábil e “amável” político, mostra o trânsito. Trânsito intenso com o STF, com os partidos, e de seu parceiro Esteves com a PF e justiça do Paraná que foi preso com uma cópia da delação premiada de Cerveró, ainda não promulgada pelo STF (portanto em absoluto sigilo judicial).

Em defesa de seu quinhão de poder, de sua instituição, a segunda turma do STF votou em unanimidade pela prisão de Delcídio decretada antes por Teori Zavacki, um dos ministros mais citados no áudio. Para manter a áurea de “poder limpo” todos decretaram a prisão preventiva, aparentemente, de um amigo íntimo que foi pego em flagrante falando demais. Falando o que todos sabem que acontece, um intenso trânsito pecuniária, de conversas, favores, entre os variados ministros do STF, parlamentares, membros do executivo e empresários. Quando o assunto é negócios não há fronteiras entre os poderes e nem mesmo fronteiras nacionais. Em nome de vender uma ilusão de “ordem e moralidade” o STF e o Senado votaram por manter uma prisão que muitos senadores discursaram como sendo ilegal.

Conflito entre os poderes, ilegalidade e imoralidade em uma república dos ricos

Presidindo o Senado, Renan Calheiros, também citado na Lava Jato, argumentou como o STF havia desrespeitado o Senado por decretar a invasão de suas dependências para busca e apreensão no gabinete de Delcídio e mais, como não haveria bases jurídicas para tal prisão uma vez que o crime do qual teria sido acusado não seria inafiançável nem haveria flagrante (sabe-se lá o que é um flagrante para este notório corrupto).

Esta tese juridicamente falando pode ter uma base de realidade. Trata-se de fato igualmente histórico o ocorrido hoje, com exceção da ditadura militar não se tem notícia de forças policiais entrando e interditando uma área de casa legislativa. Porém, também não deixa de chamar a atenção como este “resguardo institucional” de Renan, que foi acompanhado de iguais comentários de senadores do PT, como Humberto Costa, por Cristovam Buarque do PDT e muitos outros, não deixa de soar, também, como um uso interessado da “separação dos poderes” em nome da impunidade, da corrupção e em causa própria de corruptos e corruptores.

O PT foi contestado por inúmeros deputados, que seguiram a denúncia de Renan pela “covardia” da nota do presidente da sigla, Rui Falcão, que não defende um parlamentar que foi crucial para passar uma série de medidas caras à governabilidade de Dilma. Os senadores, diferente do presidente do partido, defenderam discursivamente a Delcídio (mas não tão enfaticamente nos votos). Graças a Delcídio, muitos argumentaram que foi possível os ajustes, ou seja, a habilidade dele garantiu a nós, trabalhadores, que pagássemos a conta da crise.

O ineditismo da ação colocou inúmeros parlamentares “com a barba no molho” e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, também citado na Lava Jato junto a outras dezenas de deputados e senadores, mandou suspender a sessão da Câmara e muitos deputados foram ao Senado assistir sua sessão, por interesse político, da “separação dos poderes” mas, por que não, também em causa própria... se o todo-poderoso, todo afável e de intenso trânsito empresarial e no judiciário Delcídio pode ser preso exercendo mandato, uma nova espada de Dâmocles paira sob a cabeça de todos, Cunha mais que ninguém.

Em meio a intermináveis escândalos de corrupção a decisão de hoje, com toda a argumentação jurídica de Costa do PT e Renan do PMDB, argumentação esta que foi saudada por muitos que votaram pela prisão, mas argumentavam que tinham que “seguir a opinião pública”, escancaram como em um lado e também no outro das votações do parlamento brasileiro volta e meia encontra-se legalidade e ilegalidade, mas nunca moralidade em uma república dos ricos e para os ricos. Estão todos em um balcão de negócios de corrupção, cargos, e conchavos políticos onde convicção é o que menos importa, seja para condenar seja para inocentar. Estão todos metidos em mil e um esquemas.

Em meio a um dia com a prisão de um líder de governo, eminente petista é interessante como esteve totalmente ausente das análises, declarações e aparentemente preocupações de todos os políticos uma palavra que não some do noticiário político: impeachment. Frente a crise de tamanha envergadura de ter o Senado invadido pela polícia, um senador em exercício preso, parece que a preocupação principal de todos os parlamentares era não perder eleitorado e refletir sobre a crise no regime que este precedente pode abrir. Não se sentem mais seguros. Haverá troco contra o STF? Em defesa própria o que poderão fazer Renan, Aloysio Nunes e tantos outros denunciados em todo o arco político brasileiro?

A prisão de hoje e o voto, a contragosto, de muitos para manter Delcídio preso pode ser a abertura de uma nova fase não só na Lava Jato, mas na crise política no país, com implicações ainda desconhecidas de como afetarão mais ao PT, Dilma e Lula e a continuidade da política de “sangria” dos dois mirando as eleições de 2016 e 2018. Mas, além disso, os novos fatos de hoje com sua ameaça sob todos parlamentares também prometem jogar lenha em uma fogueira onde todos tem algo a acrescentar de combustível em delações premiadas, CPIs e outros esquemas que podem não redundar em prisões e condenações efetivas, mas vão diariamente aumentando a percepção popular de que se trata de um parlamento ilegítimo, cheio de ladrões, cheio de privilégios pecuniários e de impunidade. Também aumentam o risco da crise política tomar tons maiores, não só de crise de governo, mas como uma possibilidade concreta de tomar contornos de crise de regime pela relações estremecidas entre executivo e legislativo e agora legislativo e judiciário.

Junto a isto a brecha entre “representantes” e “representados” se alarga, sob esta base de politização, lições e debates vão se desenvolvendo em todos os locais de trabalho. Brechas para a entrada em cena da classe trabalhadora podem se abrir. Temendo isto que, “com o coração amargurado”, vários votaram pela prisão de Delcídio, com declarações tementes de seus eleitores muitos correram para um voto contra o “parceiro” tentando oferecer uma cara de honestidade a uma casa notória por desfalques ao erário público. Como este fator pode aparecer em meio à continuidade e aprofundamento de crise econômica e crise política é mais um fator das incertezas de um dia inédito, cheio de lama para os de cima. Hoje o maior afetado é o PT, mas o tom cuidadoso de cada opositor tucano, do DEM e outros partidos no senado, mostra o temor de toda uma casta política alheia e contrária aos interesses dos trabalhadores, uma casta temerosa de suas ações e quem lhe está à espreita em denúncias, em lhe tirar votos ou no muito mais perigoso terreno da luta de classes que a politização pode despertar.




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