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Movimento Operário | Um aumento nas greves: sintomas de mudanças iniciais mas relevantes no movimento operário

Neste início de 2023, se vê o aprofundamento de um processo de retomada de greves que já vem desde o ano passado, em um cenário de novo governo ainda em lua de mel e no qual diversos setores de trabalhadores ainda nutrem expectativas. Se busca fazer uma primeira análise destes movimentos e de sua relação com o novo governo.

Leandro LanfrediRio de Janeiro | @leandrolanfrdi

domingo 9 de abril de 2023 | Edição do dia
Greve da enfermagem do Rio de Janeiro. (Foto: Mayara Alves)

O enfraquecimento da pandemia e seu impacto na economia, assim como a perspectiva do fim do governo Bolsonaro, abriu uma situação em que voltou a crescer o número de greves no Brasil em 2022, que chegaram aproximadamente ao mesmo nível de 2019, segundo dados do DIEESE. Desde o ano passado, se observa como central nas greves a questão salarial, que esteve presente em cerca de 69% delas, seja demanda de reajuste ou de cumprimento do piso da categoria.

Em 2023, já sob o governo Lula, vemos um aprofundamento deste processo, que aparece marcadamente em alguns dos setores que mais sofreram sob o governo Bolsonaro e a pandemia, como a educação, o setor da saúde, e a enfermagem em particular, e trabalhadores terceirizados qualificados, concentrados, como de refinarias da Petrobras e agora no sistema bancário. Todos esses setores, como muitos no país, sofrem um acúmulo de perdas salariais decorrentes da inflação e de ataques da patronal e governos. A diferença mais expressiva é que nesses setores há uma aparente mudança na subjetividade, maior confiança para sair à luta. Mas além desses muitos exemplos vale especial menção a greves contra ataques como a greve do metrô de Belo Horizonte (privatizada sob governo Lula-Alckmin), e mais ainda do metrô de São Paulo enfrentando-se contra o bolsonarista Tarcísio e que paralisou a maior capital do país (chegando o governo a decretar ponto facultativo no segundo dia da greve).

(Fonte: Balanço das greves de 2022 - DIEESE)

Greves neste ano que se inserem em uma situação em que ainda existe uma lua de mel e até uma certa expectativa com o governo petista, onde os trabalhadores buscam seus direitos e começam a aparecer os primeiros pontos débeis do novo governo, em especial na questão do Novo Ensino Médio (NEM). Relaciona-se a essas expectativas no governo como setores da educação encontram menos medo, como setores terceirizados qualificados vêem que existe uma expansão objetiva de se suas atividades e tanto na saúde como nos terceirizados da Petrobras mais de uma vez pudemos ouvir falas do tipo “Lula pode assinar e resolver”. Uma mistura de cobrar essa assinatura e expectativa de que ela aconteça.

Na educação pública e na enfermagem, a principal característica das greves que vêm ocorrendo esse ano é exatamente o pagamento do piso salarial, ambos que sofreram alterações recentes. O piso salarial da enfermagem, tornado constitucional no segundo semestre de 2022 e depois barrado pelo STF, motivou fortes greves da enfermagem pública em Pernambuco e no Rio de Janeiro, ambas que sofreram repressão da polícia ou foram declaradas ilegais.

No caso da educação, se entrecruzam dois pontos, o piso, mas também a questão do NEM. Em relação ao piso do magistério, foi reajustado nacionalmente em 15% em janeiro, mas muitas redes se recusaram a pagar, e tem sido esse o principal ponto que aparece nas pautas de reivindicações, levando a greves e paralisações no Rio Grande do Norte, Amapá, Maranhão (onde foram mais de 30 dias de greve), Amazonas, além da rede municipal em cidades como Recife, Belo Horizonte e Campina Grande (PB) e ocorreram mobilizações em São Paulo e Rio de Janeiro com possibilidade de greve nesta última.

O NEM, por sua vez, tem gerado manifestações e amplos debates entre educadores e estudantes, com atos nacionais que chegaram a reunir alguns milhares de estudantes e também manifestações de professores. É muito palpável, também, a insatisfação com sua implementação, o que tem obrigado o governo a manobrar, primeiro com a consulta pública e depois com a suspensão da implementação, mas tanto Lula quanto Camilo Santana fazem questão de ressaltar que não haverá revogação da reforma, o que já coloca o primeiro grande limite do governo Lula/Alckmin em relação às reformas aprovadas nos últimos anos e que já constitui um ponto de desgaste com uma base importante.

Outros setores, mais precarizados, que também vem protagonizando importantes greves são setores terceirizados, em especial de estatais e setores mais qualificados . Se enquadram nesses casos a greve dos terceirizados da manutenção da Petrobras em Canoas (RS), que durou 11 dias mas que, ao fim, conseguiu grande parte de suas reivindicações; também a greve dos terceirizados da Petrobras em Duque de Caxias (RJ), que também conquistaram suas reivindicações de reajuste nos salários e benefícios; a greve dos terceirizados da MRV em Campinas, depois da importante luta que protagonizaram em 2021, em defesa de sua PLR e em denúncia das más condições de trabalho; e a greve, marcada para o dia 10 de abril, da Qintess, terceirizada do setor de TI que presta serviços para o Banco do Brasil, setores do judiciário paulista e grandes empresas privadas, aprovada em assembleia com mais de 2,6 mil trabalhadores, exigindo salários atrasados.

Outro setor, por fim, é o dos transportes. Neste, se destacam as greves do Metrô de Belo Horizonte, que vêm ocorrendo desde o fim do ano passado e se enfrentam com a privatização do sistema, que foi aprovada por Bolsonaro e Zema, mas chancelada por Alckmin e pelo governo Lula, e a greve dos metroviários de São Paulo, que ganhou manchetes nacionais, durou mais de um dia e foi o primeiro grande enfrentamento direto com o governo de extrema-direita de Tarcísio de Freitas. Mas também no mesmo estratégico setor de transportes há numerosas notícias de paralisações de rodoviários no país.

Depois de anos de aumento da inflação, salários em larga medida congelados e avanço da precarização do trabalho, o que se vê agora é uma retomada de movimentos reivindicatórios dos trabalhadores, onde alguns setores buscam recompor perdas que tiveram nos últimos anos, com uma mudança, ainda incipiente, na disposição de luta dos trabalhadores.

Nesse sentido, um ponto chave é entender as expectativas que ainda existem no governo Lula e como se relacionam com a vontade, e necessidade, de recompor perdas e como podem se chocar com a própria realidade do novo governo e da situação política e econômica.

Por um lado, o governo Lula faz concessões bem parciais para tentar acalmar suas bases, como o reajuste nas bolsas de pesquisa, o reajuste de 9% para os servidores federais ou ainda o reajuste do piso do magistério, outros choques já aparecem com o NEM, como já foi dito, mas também com o trabalho precário que se mantém em alta no país, com escândalos de trabalho análogo a escravidão. A própria extensão de direitos, como no caso dos pisos, podem gerar conflitos com outros entes federativos e acabar servindo também como combustível para a luta desses setores, inclusive contra governos petistas ou da base aliada.

A nova regra fiscal apresentada, se mais flexível que o teto de gastos, ainda irá representar um forte freio na possibilidade melhorias nos serviços públicos e de reajustes salariais. A retirada de empresas como Correios e EBC da lista de privatizações contrasta com a manutenção das privatizações já realizadas, caso do Metrô de Belo Horizonte, da Eletrobrás, apesar das reclamações de Lula, e diversas unidades da Petrobras a serem vendidas nas próximas semanas. Contrasta com isso também que o Ministério da Fazenda esteja recheado de especialistas em PPPs.

Para que realmente possam avançar e mesmo vencer, temos que não poupar esforços para sua difusão, como humildemente tentamos contribuir via Esquerda Diário, tentando fazer que que um setor saiba que outro também luta, para coordenar ações onde possível e assim buscar contribuir a que desenvolvam a necessária independência frente aos governos federal, estaduais e municipais. Para isso é necessário, também, contribuir a que as greves superem entraves postos pelas burocracias sindicais que dificultam ou impedem democracia pela base, coordenação das lutas, exigindo assembleias, medidas de apoio, especialmente daquelas centrais que tem muita força mas hoje se constituem como braços do governo no movimento sindical como a CUT e CTB.

Outro ponto fundamental é a busca por unidade entre os setores em greve, em especial os que prestam serviços à população, e os próprios usuários. Na greve do metrô de São Paulo, vimos isso com a proposta do metrô funcionar com a catraca aberta. No caso das greves de terceirizados, é fundamental também que os setores efetivos se coloquem em apoio aos terceirizados, levantando suas reivindicações e lutando pelo fim da terceirização.

Por fim, para ir além das reivindicações de cada categoria, e enfrentar a nova regra fiscal, o NEM e as reformas, as privatizações é necessário que as centrais sindicais organizem de fato a luta, de maneira unificada também com a juventude e os estudantes, para que possa ser massiva e possa de fato vencer.




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