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Reproduzimos aqui a carta de Virgínia Guitzel sobre as dificuldades de construir sua identidade de gênero e o pedido de ajuda e contribuições para sua vaquinha online.

sexta-feira 27 de janeiro de 2017 | Edição do dia

Meu nome é Virgínia Guitzel, sou parte da Juventude Faísca - Anticapitalista e Revolucionária e do grupo de mulheres Pão e Rosas, e estou escrevendo esta carta de denúncia da realidade que as pessoas trans vivem na nossa luta cotidiana para construir nossa identidade de gênero, com um pedido de ajuda. Estamos há dois dias do dia da visibilidade trans, que por coincidência (ou não) também é o mesmo dia do meu aniversário, quando farei 24 anos.

Há 5 anos estou construindo minha identidade de gênero de forma consciente e neste processo, como já escrevi ao Esquerda Diário, passei por muitas crises, enfrentamentos e delicados dilemas sobre como construir com liberdade e de maneira saudável meu corpo e avançar em me sentir bem comigo mesma. E hoje posso olhar pra trás com certa maturidade dos distintos desafios que nos são impostos sem qualquer preparação, sem qualquer condição para lidar. Seja nas dificuldades de lidar com as crises familiares que se abrem ao nos apresentarmos como somos; na universidade para conquistar o nome social, nas ruas, com os olhares que nos perseguem numa mistura de desejo reprimido, medo e nojo de identidades orgulhosas; como também no trabalho, onde se arrisca e se questiona toda nossa qualidade profissional pelo simples fato de não correspondermos às expectativas de gênero que nos foram dadas.

Mas, apesar de todas essas crises e dificuldades, estou aqui. Não conseguiram me deitar, não conseguiram me calar e me fiz mais forte e com um ódio cada vez maior da retrógrada sociedade capitalista que nos aprisiona e não permite que possamos encarar o corpo e nossa identidade como uma pré-fabricação capaz de se desenvolver e se aperfeiçoar a partir das nossas escolhas conscientes na busca de uma humanidade plena e mais feliz. Mas de todas as dificuldades, a mais trágica e com menos soluções imediatas é sem dúvida a saúde trans: física e psicológica.

Nem todos sabem, mas só consegui ser reconhecida pelo Estado por Vírginia por acreditarem (e escreverem isso no processo judicial) que sou doente mental. Só consegui o tratamento hormonal e acesso a um psiquiatra porque entendem que odeio meu corpo e que a única "cura" é "arrumar meu corpo", como se eu estivesse aprisionada num corpo de homem. Este é o capitalismo e sua medicina covarde, irracional e submissa a grande indústria farmacêutica e sua doutrina da patologização. Este é o capitalismo, em que nossas identidades são doenças e não escolhas, e nós, sedentas por liberdades, doentes mentais.

A hormonização oferecida pelo SUS no Brasil, mas que não é diferente da Argentina onde se conquistou a Lei de Identidade de Gênero (a mais importante lei em defesa das pessoas trans de todo o mundo) quem decide é a indústria farmacêutica, com seus anticoncepcionais arriscadíssimos voltados a mulheres cis, onde os efeitos colaterais são a esperança de desenvolver nossa identidade de gênero em detrimento da nossa saúde, nossa biologia, nossa possibilidade do orgasmo e da nossa sexualidade. Já imaginou ter de escolher entre sua sexualidade e sua identidade de gênero? Essa é nossa realidade no mundo, e em especial no Irã, onde é proibido ser homossexual e a única possibilidade de não morrer é abrir mão da identidade cis e se submeter a cirurgia para agradar a heteronormatividade.

Foi então estudando junto ao meu camarada Gilson Dantas, sem referências e contra a medicina capitalista e seus fiéis charlatões que entendi que a hormonização como é, não-pensada e irracional, só poderia atacar minha biologia e contribuir para depressão e outros efeitos colaterais como inflamações como tive, num caminho que se afastava cada vez mais da minha emancipação, me trazendo mais disforias (incômodos com partes do meu corpo) e uma pressão cisnormativa suicida, me afastando do orgulho de ser trans e ser uma identidade subversiva de enfrentamento a esta sociedade que nos quer mortas. Foi então que criei coragem, inspirada em outras companheiras trans, de lançar uma vaquinha online para garantir parte da minha construção da minha identidade, colocando próteses para ter seios, algo que me incomoda muito.

Esta vaquinha não é um fim em si, porque tampouco trará a minha emancipação, mas é um passo à frente na minha saúde física e mental. É uma via para conquistar um direito elementar de se sentir bem consigo mesma, uma vez que só podem ter este acesso as pessoas que tenham condições financeiras capazes de arcar com estes custos, já que o sistema de saúde público não o garante. Esta carta é um grito de liberdade para minha identidade e um pedido de ajuda, a todos que lutam por um mundo onde possamos ser verdadeiramente quem somos, para que enquanto seguimos nas ruas lutando por nenhum e nenhuma trans a menos, possamos nos aproximar dos desejos que não cabem neste sistema capitalista, entre o sonho de uma nova sociedade e os limites que nos impedem de sermos plenamente o que sonhamos ser.

Para ajudar com contribuições ou compartilhar nas redes sociais:

https://www.vakinha.com.br/vaquinha/silicone-pros-peitinhos-da-virginia




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