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CORONAVÍRUS CHINA | Xi Jinping e a queda na economia chinesa: esculpindo sobre madeira podre?

É mais fácil paralisar a cadeia produtiva industrial do que apertar o botão de reignição. Tal é a descoberta mais recente de Xi Jinping e do Partido Comunista Chinês, ao constatar o caráter efêmero do êxito na contenção do coronavírus, segundo discurso oficial.

André Barbieri São Paulo | @AcierAndy

terça-feira 17 de março de 2020 | Edição do dia

É mais fácil paralisar a cadeia produtiva industrial do que apertar o botão de reignição. Tal é a descoberta mais recente de Xi Jinping e do Partido Comunista Chinês, ao constatar o caráter efêmero do êxito na contenção do coronavírus, segundo discurso oficial.

Como escrevemos nesse artigo, a indústria chinesa contraiu -13.5% no período de janeiro e fevereiro, junto a uma retração de -24% nos investimentos de capital. O desemprego urbano atingiu nível recorde, de 6.2%. Esse debilitamento sugere a possibilidade de que o PIB chinês tenha seja negativo no primeiro trimestre de 2020.

Seria a primeira contração do PIB desde 1976, quando a China foi atingida pelo devastador terremoto Tangshan; ano que também viu a morte de Mao Tsé-Tung, cuja Revolução Cultural – um evento traumático para a burocracia stalinista, que fez em pedaços o monolitismo do estado e pôs em risco o domínio do Partido Comunista Chinês – havia erodido a economia entre 1966 e 1975. A partir de Deng Xiaoping, os resultados econômicos da China não viram recessões. Para Xi Jinping, que se louva a si mesmo como o mais importante político chinês desde Mao, o solavanco econômico pode trazer inúmeros problemas políticos.

O momento de arranque na economia chinesa não se seguirá imediatamente depois de semanas de atrofia no tecido industrial. Levará tempo até que se ajustem as cadeias globais de valor, ainda golpeadas pela expansão do coronavírus no Ocidente. De uma forma análoga, o The Wall Street Journal adverte o governo Trump que seria ingênuo paralisar a economia por 4 meses e esperar que no dia seguinte tudo volte a funcionar. Em base a isso, insinua a urgência de que o estado faça jorrar dinheiro público para salvar empresas aéreas, de energia, dos transportes, aos moldes do bailout que Obama ofereceu generosamente em 2008 aos bancos, enquanto dez milhões de famílias iam a bancarrota nos EUA. Hayek sim, mas só até a crise.

Mas não é só à China que esses resultados trazem nuvens sombrias. É à economia mundial. Ao contrário do surto do SARS em 2003, em que o PIB chinês era 8% (US$1,6 trilhão), o PIB chinês é hoje de quase 20% (US$14 trilhões). As fábricas chinesas dependem do petróleo e de outras commodities de países como Angola, Serra Leoa, Peru e Chile. Na construção de edifícios, rodovias e ferrovias, a China importa minério de ferro de países como Brasil e Austrália. Além do Brasil, Estados Unidos e Argentina fornecem grãos de soja e uma variedade de produtos agrícolas ao gigante asiático. As automotrizes alemãs dependem das compras chinesas, seu principal consumidor. Os abalos nas economias nacionais se farão sentir com prodigalidade.

De acordo com os dados oficiais do National Bureau of Statistics, a maioria das fábricas chinesas que reabriram seus trabalhos operam a uma capacidade de apenas 66%. A falta de trabalhadores e de consumidores potenciais são as razões imediatas. Dezenas de milhões de trabalhadores migrantes, que fazem o percurso pendular de viajar ao interior do país nos feriados para depois retornar ao trabalho, estão em quarentena em suas cidades de origem, sem poder retornar aos centros industriais. Muitos destes não possuem esperança de reaver o velho emprego, sendo demitidos em função da paralisia manufatureira. O problema na demanda de produtos, após semanas de desabastecimento, também deprime a produção.

Zhu Chaoping, da filiar do J.P.Morgan em Xangai, disse que “a maioria de nós espera por uma retração de 2 ou 3%, ou ainda mais, no PIB trimestral”. O governo de Xi Jinping vive seu dilema máximo: atrasar o prazo das bandeiras insígnia do PCCh. O próprio Xi, que havia anunciado que em 2020 “dobraria” os resultados de 2010, agora confessa que isso poderia começar apenas em 2021. Vários projetos da faraônica Rota da Seda estão parcialmente paralisados, e isso poderia atrasar o chamado Made in China 2025, uma das principais bandeiras de Pequim, segundo a qual a China alcançaria os países imperialistas centrais em 10 ramos da tecnologia de ponta (robótica, semicondutores, veículos elétricos, etc.).

Projetos assim são fundamentais para que o governo chinês mantenha-se na superfície durante a guerra comercial com os Estados Unidos, que tem como verdadeira essência a disputa pela primazia tecnológica industrial no mundo. A utilização da jóia da coroa chinesa, a tecnologia 5G, para a instalação da nova geração fabril (a “Internet das Coisas”) pode também ficar adiada para tempos menos turbulentos. O problema é saber quando eles viriam. Como diz o provérbio chinês, não se pode esculpir sobre madeira podre.

Num momento em que o governo chinês se enfrenta com protestos anti-autoritários que desafiam seu domínio, tanto em Hong Kong quanto na região de Xinjiang (em que a população muçulmana é historicamente perseguida por Pequim), qualquer alteração na balança econômica é politicamente delicada. Rebeliões de trabalhadores nas grandes cidades, contra o desemprego e as demissões, ou mesmo protestos contra as medidas bonapartistas do PCCh diante do coronavírus, podem agravar o quadro de queda econômica e transformá-lo na tormenta perfeita.

O governo anunciou orgulhosamente que dispõe de centenas de ônibus que estão trazendo em velocidade express os trabalhadores de volta a Wuhan, epicentro da pandemia. O cenário encontrado pode não ser do paladar do próprio governo e dos capitalistas chineses encastelados no Politburo.

É possível que um crescimento de 5% em 2020, como projetam os mais otimistas observadores da China, seja suficiente para que Xi preserve um equilíbrio sensivelmente instável na vida nacional. Mas esse panorama é consideravelmente distinto do “rápido crescimento” prometido em 2012, em meio a uma tortuosa substituição no padrão de crescimento, deixando para trás os tempos de absorvedor de capital em grande escala e passando a competir por espaços de acumulação de capital no mundo.

A pergunta é: novos solavancos imprevisíveis permitirão a estabilidade de Xi na cúpula do PCCh? O caminho pode não vir sem pedras.




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